terça-feira, novembro 05, 2024

EXPRESSIVIDADE FEMININA: TRANSFORMANDO MEDO EM AÇÃO

 






As mulheres e o medo de agir

por Karen Horney

Tradução Larissa Ramos da Silva

 



Palestra proferida em 1935 na National Federation of Professional and Business Women’s Clubs, nos Estados Unidos. Publicada pela primeira vez em 1994, postumamente, como anexo da biografia de Horney escrita por Bernard J. Paris [Paris, B.J. (1994). Karen Horney: a psychoanalyst’s search for self-understanding. New Haven e Londres: Yale University Press.], a partir de documentos encontrados por ele nos pertences do ex-aluno, e também biógrafo de Horney, Harold Kelman.


 

Olhando em retrospectiva para a história da posição da mulher nos últimos séculos, nota-se um fato marcante: em tempos nos quais foram seriamente concedidas às mulheres todas as oportunidades para o desenvolvimento de valores humanos, como no tempo anterior à Revolução Francesa — o chamado período iluminista — não houve interesse em aspectos específicos da psicologia feminina. O ideal era de que todos os seres humanos deveriam desenvolver plenamente suas potencialidades independentemente do sexo. Em períodos politicamente revolucionários, como o tempo após a Revolução Francesa — chamado de período do romantismo — e também na crise econômica atual, surge um interesse exacerbado na “natureza” da mulher.

 

Por algum tempo eu não questionei esse interesse na psicologia feminina. Eu trabalhei no campo da psicopatologia feminina e frequentemente me perguntam quais são, no meu entendimento, os traços específicos da psicologia feminina. A única resposta que posso dar é que espero saber em algum momento futuro, pois após toda a especulação de psicólogos acerca das possíveis diferenças entre homens e mulheres, parece que não fomos além das muito antigas discussões do Talmude — notadamente, que não sabemos muito sobre traços específicos além das diferenças biológicas que as mulheres têm. Então me ocorreu que não era tão importante tentar encontrar a resposta sobre a questão das diferenças quanto entender e analisar o real significado desse interesse agudo na “natureza” feminina atualmente.

 

Por que as pessoas estão tão interessadas na “natureza” da mulher? Existem razões vitais, razões econômicas baseadas na índole altamente competitiva da sociedade. Embora muitos indivíduos não percebam, eles não estão honestamente buscando respostas válidas para a questão das diferenças. O que eles realmente querem é provar algo que os favorece, ou o que parece favorecê-los a curto prazo: que está em absoluto acordo com a “natureza” da mulher que ela se mantenha fora dos campos competitivos do trabalho e permaneça restrita aos campos emocionais da vida, se preocupando com caridade, sexualidade e criação de filhos. Quer seu argumento esteja embasado no pecado de Eva, como na Igreja Católica, ou nas regras estabelecidas pela filosofia alemã a respeito das relações sexuais, ou nas declarações de Freud sobre as diferenças anatômicas, o resultado é o mesmo. Não parece fazer diferença, em relação aos efeitos nas mulheres, se há um distanciamento científico ou uma atitude francamente depreciativa; quer seja, como nos países fascistas, com a deificação das qualidades da mulher do lar ou, como em outros países, com a expressão de preocupação com a justiça social ou a felicidade da mulher. Todas essas atitudes oscilam com o aumento ou a diminuição da competitividade econômica. Quando os empregos estão escassos, se torna necessário provar de qualquer maneira possível que a “natureza” da mulher impede seu livre acesso ao mercado.

 

Qualquer aumento repentino no interesse sobre as diferenças sexuais deve ser visto, portanto, como um sinal de perigo para as mulheres, particularmente em uma sociedade patriarcal na qual homens encontram vantagens em provar, com premissas biológicas, que as mulheres não devem participar na construção da ordem política e econômica. Nesse contexto, convicções elaboradas servindo aos interesses de ideologias masculinas tornam-se meios estratégicos de preservar a superioridade masculina no mundo político e econômico através do convencimento da mulher de que ela é, de forma inata, feliz em se manter de fora dele.

 

Muitas vezes as próprias mulheres servem para reforçar essas convicções. Elas frequentemente consideram objetivos profissionais como secundários em relação ao amor e ao casamento. Elas se tornam tão preocupadas com o lado emocional da vida que pouco se ocupam de grandes problemas que movimentam e agitam nosso tempo. Elas se tornam dependentes, desenvolvendo uma necessidade predominante de serem cuidadas. Todas essas atitudes ajudam a sustentar as teorias que os homens desejam estabelecer como meio de eliminar as mulheres da competição.

 

Até aqui está tudo muito claro e tem sido dito de tempos em tempos, mas nós nem sempre reconhecemos seu significado mais profundo: que qualquer grupo da população, restrito em suas atividades por um longo período de tempo, passa por certas mudanças psíquicas; que entre indivíduos do grupo oprimido ocorre uma adaptação psíquica que os leva a aceitar as limitações que o grupo dominante considera vantajoso impor. Portanto, amor e devoção passaram a ser considerados como ideais e virtudes especificamente femininos; cuidar da casa e criar filhos como a única possibilidade para alcançar felicidade, segurança e prestígio. Embora em anos recentes tenha havido grandes mudanças, os efeitos psíquicos da longa história de restrição permanecem.

 

Algumas das consequências psíquicas das atitudes das próprias mulheres, que acreditamos que existam e de fato encontramos, são as seguintes:

 

1.Já que o portal para a felicidade, segurança e prestígio da mulher dependia de suas relações com casa e filhos, esses vieram a ser considerados os únicos reais valores da vida para as mulheres. A garota “louca por homens”, a mulher que fica perdida e miserável se não está sendo continuamente procurada por homens, representa o resultado extremo de tanta supervalorização do amor e da sexualidade. Esses tipos fornecem evidências para psicólogos que gostam de crer que “A essência do ser da mulher é o amor” ou “A sexualidade é algo central para as mulheres e periférico para os homens”, e assim por diante. Na verdade, seria difícil explicar como, dadas as condições, a mulher pudesse evitar a supervalorização da sexualidade e do amor. O efeito mais sério dessa ênfase na mulher é que ela acaba esperando demais das relações com homens e filhos e, muitas vezes, fica condenada a uma amarga decepção. A mulher que concentra suas expectativas nas relações com marido e filhos, seja na forma de objetivos ambiciosos ou de gratidão e apego em relação a ela, prejudica marido e filhos e a si própria, e fica muito propensa a, por fim, fazer com que o relacionamento emocional do qual ela depende tão fortemente torne-se completamente insatisfatório. 

 

Outro resultado desastroso dessa supervalorização do amor é que ela está fadada a degradar qualquer objetivo fora dessa esfera. Assim, vemos a atitude neurótica da mulher que considera esses outros objetivos como substitutos insatisfatórios para os quais ela olha com secreto ressentimento. Sua atitude interna se expressa em frases como “Já que não sou atraente para os homens, tenho que ser professora” ou “Eu não era do tipo feminino, não tinha atrativos sexuais, então tive que entrar para os negócios”. Por não respeitar esses outros objetivos que para ela são apenas substitutos às preocupações “normais” das mulheres, ela não consegue dedicar toda sua energia a eles. Uma corrente subterrânea de resistência, que interfere em sua devoção sincera, prejudica sua satisfação e seu sucesso e dá espaço à crença dela própria de que ela é inferior e incapaz. Existem muitas outras fontes para a convicção de inferioridade das mulheres, é claro, mas essa é uma importante, porque tão frequentemente as impede de se tornarem ativamente e genuinamente ocupadas das grandes questões políticas e econômicas do nosso tempo, mesmo quando esses interesses mais amplos concernem à própria posição das mulheres no mundo e deveria ser de vital interesse para elas. Essa é uma das razões pelas quais a mulher não tem sido mais ativa em melhorar as próprias condições; tal ação está fora do círculo mágico no qual sua existência foi confinada.

 

2.Como a realização, para a mulher, veio a significar amor, sexo, casa e filhos, todos dependendo de sua relação com o homem, tornou-se de importância primordial agradar o homem. Assim surgiu o culto da beleza e do charme. Bem como o medo de não ser “feminina”. Não ser feminina incluía qualquer atitude ou crença que se opunha às ideias masculinas sobre a ordem divina das coisas. Ser “feminina” era ser submissa e devotada independentemente de como era tratada. Qualquer luta por melhorias na posição da mulher era, portanto, “não-feminina”, uma negação do que veio a ser aceito como a “natureza” da mulher. Hoje, o resíduo desse medo visto na falta de interesse, na atitude do tipo “não me importo”, é a expressão aparente de um medo subterrâneo que pode ser melhor explicado por uma ilustração com a qual estamos todas familiarizadas. Aqui está uma mulher que não liga para festas. Ela não pode ser persuadida a ir a festas porque, ela diz, prefere ler sozinha em casa. Ela está sendo honesta; sua falta de interesse é genuína; ela está interessada em outros objetivos, mas geralmente essa falta de interesse está enraizada no medo. Ela tem medo de ser rejeitada ou encontrar críticas, mas não sabe que tem medo. Ela não sabe que quando diz que não liga para festas ela está, na verdade, expressando seu medo inconsciente.

 

Da mesma forma, encontramos uma corrente subterrânea de medo que impede as mulheres de tomar uma ação em esferas econômicas e sociais que as dizem respeito de maneira vital. É importante que reconheçamos esse medo subconsciente, porque é necessário, se vamos mudar nossas atitudes, entendermos as fontes de energia que as sustentam.

 

3.O medo de desagradar os homens não é a única angústia criada pela restrição [à esfera emocional]. O medo de perder o apelo erótico conforme a idade é uma angústia muito real e aguda devido à mesma valorização da vida amorosa. Exceto em tempos nos quais o desemprego é muito comum, consideramos definitivamente neurótico que um homem se torne amedrontado e deprimido conforme chega à meia idade; em uma mulher isso é visto como natural, e de certa forma é natural porque a atratividade física passou a representar o valor supremo para as mulheres. Esse medo de envelhecer[i] já é patético o bastante, mas possui dois aspectos que são mais sérios do que geralmente reconhecemos e também contribuem para a inatividade das mulheres no mundo do trabalho. Esse medo da idade não é limitado ao período no qual ela não está mais no seu auge. Ele joga sua sombra sobre a maior parte dos anos depois dos vinte e cria um sentimento de insegurança que atrapalha o ritmo da vida. Uma mulher de trinta e cinco ou quarenta dirá: “Mais cinco anos e minha vida estará em decadência”. Ela sente que deve amontoar muitas coisas no pequeno período que lhe resta. A angústia e o quase desespero que resultam disso colaboram para a inveja entre mães e filhas adolescentes e frequentemente estragam suas relações, assim como deixam uma hostilidade remanescente em relação a todas as mulheres.

A idade é um problema para todos, é claro, homens e mulheres, mas se torna um desespero se os valores principais da vida são centrados na juventude e na atratividade erótica. Quando o centro de gravidade é a juventude, torna-se difícil para as mulheres reconhecer o valor de qualidades da maturidade, como estabilidade, independência, autonomia de juízo, sabedoria — qualidades que têm um valor alto para a cultura como um todo. A personalidade madura deveria ser mais segura e forte que a personalidade jovial, pois tem a vantagem da experiência, mas como a mulher que está amadurecendo vai desenvolver essa segurança e essa força se ela acredita que sua natureza demanda que o amor seja o centro e o único propósito de seu ser e, ao mesmo tempo, ela reconhece seus anos de maturidade como anos de declínio nessa esfera? Essa ênfase em valores eróticos e a importância preponderante do sexo resultam em um grande desperdício de valores humanos para as mulheres. A mulher jovem sente uma segurança temporária por sua habilidade de atrair homens, mas as mulheres maduras geralmente não escapam da desvalorização, mesmo aos próprios olhos. E esse sentimento de inferioridade as rouba da força para a ação que pertence, com razão, à maturidade.

Sentimentos de inferioridade são os males mais comuns de nosso tempo e nossa cultura. Certamente não morremos deles, mas penso que são, mesmo assim, mais desastrosos para a felicidade e o progresso do que câncer ou tuberculose. Quando o assunto dos sentimentos de inferioridade aparecem, geralmente alguém comenta: “Mas homens também têm sentimentos de inferioridade”. Verdade, mas existe uma diferença importante: via de regra, os homens não se sentem inferiores só porque são homens, mas uma mulher frequentemente se sente inferior por ser mulher. A restrição da mulher a uma esfera emocional privada leva a sentimentos de inferioridade porque uma autoconfiança sólida e segura deve se valer de uma base ampla de qualidades humanas como iniciativa, coragem, independência, capacidade de dominar situações, talentos, valores eróticos. Enquanto cuidar do lar era uma grande tarefa com muitas responsabilidades, enquanto o número de filhos não era restrito porque filhos somavam à riqueza da nação, a mulher sabia que era um fator construtivo no processo econômico. Essa convicção lhe deu uma base sólida para a autoestima. Como todas sabemos, esses valores foram gradualmente desaparecendo e a mulher perdeu um importante alicerce para se sentir valorizada.

Quanto ao lado puramente sexual, as influências puritanas, independentemente de como forem avaliadas, certamente contribuíram para a inferiorização da mulher por dar à sexualidade a conotação de algo pecaminoso e baixo. A mesma atitude em relação à sexualidade em uma sociedade matriarcal teria rebaixado os homens ao nível de criaturas animalescas. Numa sociedade patriarcal, estava fadada a fazer da mulher o símbolo do pecado, como retratado nos primórdios da literatura cristã. Via de regra, a mulher não sabe, ela própria, que a sombra que ela sente em sua autoestima vem, até certo ponto, de fontes sexuais profundamente enraizadas na cultura cristã.

 

A autoconfiança construída a partir do sucesso em dar e receber amor é construída em uma base muito pequena e instável. É muito pequena porque deixa de fora muitos valores da personalidade, e é muito instável porque depende demais de acontecimentos externos, como encontrar parceiros adequados, possibilidades de casamento, etc. Muito frequentemente, leva à dependência da afeição e apreciação da outra pessoa, com um profundo sentimento de desvalor se não é amada e apreciada. Essa dependência emocional também envolve medo de críticas e do ridículo, o que nos leva de volta ao ponto original; que toda mulher que luta para realizar suas potencialidades como pessoa se expõe a todo tipo de insinuações e ao ridículo. Ela deve reconhecer que isso é uma técnica e estar preparada para enfrentá-la.

 

Já me disseram algumas vezes que, apesar de que o quadro que desenhei possa ser correto para mulheres europeias, é um tanto diferente neste país. Na medida em que a mulher americana teve sucesso em conquistas importantes fora do lar, essa é uma distinção válida. Ela é um grande fator na vida social e cultural dos Estados Unidos. As atividades artísticas são vistas como um campo aberto para as mulheres daqui. Mas, embora as oportunidades para mulheres sejam certamente maiores que na Europa, não devemos nos iludir com as aparências. Pois o princípio é o mesmo aqui e lá. A autoconfiança geral, que é o capital psíquico para as realizações, não foi conquistada porque algumas mulheres alcançaram sucesso na competição com homens. Existem muitas tarefas negligenciadas que requerem iniciativa, imaginação criativa, coragem, planejamento, autonomia [que só podem ser realizadas] por mulheres dotadas dessa autoconfiança ou capital psíquico.

 

Já que é impossível ter sucesso em uma batalha sem sentir que temos motivos para ela, onde podemos encontrar justificativas para essa luta das mulheres pela autoconfiança? A partir deste pensamento: enquanto as mulheres forem limitadas em suas personalidades, homens e filhos também serão afetados. Se lutarmos pela chance de desenvolvermos nossos valores humanos certamente seremos nós mesmas mais felizes, e homens e crianças irão se beneficiar igualmente. Em última análise, é uma parceria, pois o bem-estar de todos depende do sucesso nesta luta contra os preconceitos e medos dos homens.

 

Se acreditava que algo inato nas mulheres fazia com que fosse impossível que elas trabalhassem juntas cooperativamente. É verdade que a longa restrição da mulher à esfera emocional fez com que a tomada de ação em solidariedade fosse mais difícil para ela. Dentro de sua esfera erótica só havia a competição individual, e a competição tem sido mais forte entre mulheres do que entre homens. Havia muita ansiedade e insegurança que contribuía para grande parte da hostilidade entre mulheres, o que fez com que fosse difícil que trabalhassem juntas. Isso suscitou, mesmo entre os maiores psicólogos, a crença de que mulheres sentem mais inveja que homens por motivos biológicos.

 

Até recentemente os homens, e apenas homens, foram forçados pelos seus próprios interesses a criarem grupos cooperativos para a ação política e econômica. Essa foi uma educação básica para a solidariedade em um campo particular que se expandiu para uma atitude geral de solidariedade e desenvolveu a disciplina para a ação em conjunto.

 

Essa solidariedade é um pré-requisito necessário para qualquer grande ação, e se torna altamente desejável para as mulheres por causa de toda a insegurança interna que elas sentem. Quanto mais inseguro o indivíduo se sente, maior é sua necessidade de ser apoiado pelo laço da solidariedade.

 

Não é suficiente dizer, como as mulheres estão dizendo com frequência hoje em dia, que precisamos superar o delírio de inferioridade. É mais que uma ilusão; existem desvantagens reais, iguais em importância aos obstáculos externos que temos de superar. Primeiramente, precisamos entender que não existem qualidades inalteráveis de inferioridade do nosso sexo devido a leis de Deus ou da natureza. Nossas limitações são, na maioria, culturalmente e socialmente condicionadas. Homens que viveram sob as mesmas condições por um longo período desenvolveram atitudes e limitações similares.

 

De uma vez por todas devemos parar de nos incomodar com o que é feminino e o que não é. Essas preocupações só consomem nossas energias. Padrões de masculinidade e feminilidade são padrões artificiais. Tudo que podemos saber com certeza no presente sobre as diferenças sexuais é que não sabemos quais são. Diferenças científicas entre os dois sexos certamente existem, mas nunca conseguiremos descobrir quais são até termos primeiro desenvolvido nossas potencialidades enquanto seres humanos. Ainda que pareça paradoxal, vamos descobrir sobre essas diferenças apenas se esquecermos delas.

 

Enquanto isso, o que podemos fazer é trabalhar juntas pelo pleno desenvolvimento das personalidades humanas de todos em prol do bem-estar geral. 

 

 



[i]  Horney utiliza o neologismo age-phobia, que neste caso se expressa melhor como medo de envelhecer, ao contrário da palavra ageism, que refere-se ao preconceito e à discriminação de pessoas mais velhas, embora possa-se pensar que, no argumento da autora neste texto, as duas significações poderiam estar relacionadas. (N. de T.)

 

HORNEY, Karen (2022) As mulheres e o medo de agir. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -13, p. 2, 2022. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2022/08/06/n-13-03/>.

terça-feira, outubro 22, 2024

A LÓGICA FÁLICA: FETICHE, VIOLÊNCIA E SEDUÇÃO






Para dissecar o falo: fetiche, violência e sedução

 

Tania Rivera

 

 

Desde que Simone de Beauvoir explicitou como base do patriarcado a posição do homem como “o Sujeito, o Absoluto”, de quem a mulher seria “o Outro”[1], a crítica feminista não cessou de denunciar a falácia da existência de um sujeito neutro capaz de sobrevoar a realidade para dela extrair verdades universais. Nesta trilha, devemos convir que não é anódino ou secundário que o autor Freud, à parte a condição de judeu que lhe trouxe dificuldades patentes, era um homem europeu bastante bem assentado na sociedade vitoriana entre os séculos XIX e XX, posto que nenhuma teorização se dá de maneira isenta quanto às questões de gênero, nem imune em termos históricos e geopolíticos. É irremediavelmente da posição de homem, e em um contexto marcadamente patriarcal da História europeia, que ele pensa e constrói elaborações teóricas, ainda que sua experiência clínica possa levá-lo a escutar o que está em jogo em configurações distintas da sua. Graças a esta escuta, de fato, ele inventa a psicanálise, e neste mesmo gesto desloca-se da posição de neutro representante da racionalidade que lhe seria assegurado pela tradição filosófica até então, para dedicar-se justamente a descentrar a razão, questionar os próprios pilares da subjetivação e neles encontrar, como eixo central, a sexualidade.

 

Não me parece que com tal descentramento Freud chegue a subverter e superar a estrutura patriarcal na qual se move. Mas creio que sua posição epistemológica (ou seja, quanto às próprias condições de produção do conhecimento), ao se deslocar da racionalidade filosófica que se acredita capaz de encontrar no próprio intelecto o material de elaboração de categorias universais para dedicar-se à escuta da singularidade de alguns/algumas – e especialmente de suas pacientes mulheres – permite que se desenhem linhas de força divergentes em relação aos esquemas hegemônicos, e que se revelem alguns de seus alicerces ocultos. Um destes é, sem dúvida, a anomia – ou melhor, a perversão – como algo inerente ao sexual tal como o concebe a teoria freudiana. Como sustenta o texto ”Três Ensaios sobre a Sexualidade”, de 1905, a sexualidade deve ser estudada a partir de suas “aberrações”, ou seja, justamente através das práticas condenadas pela moral vigente, pois ela é fundamentalmente perversa e resiste a toda normatização[2]. Ainda que a partir daí o psicanalista se dedique a construir toda uma teoria do desenvolvimento psicossexual que envolve fases a serem superadas e implica uma certa ideia de evolução em direção a uma organização genital, ele manterá sempre a noção de perversão como núcleo pulsante do sexual, a partir da ideia de que “a neurose é o negativo da perversão”[3], que embaralha as cartas da moralidade vigente para mostrar que o recalcamento em prol desta pode fazer adoecer e que desejos “perversos” não deixam de se exprimir, de forma deslocada, nos comportamentos mais variados, inclusive naqueles que podem parecer mais castos ou ascéticos.


Se é na figura da “criança perversa polimorfa” que a noção de perversão se declina explicitamente no texto de 1905, é importante perceber que ela não deixa de ressoarimplicitamente, o problema fundamental a que se dedicara Freud nos anos anteriores, o problema que funda a própria psicanálise e sua concepção de sexualidade, a partir do que lhe dizem suas pacientes histéricas, desde o momento em que ele de fato se dispõe a ouvi-las: a cena de estupro.

 

Assim a nomeio aqui, porque me parece importante e mesmo urgente abandonar o eufemismo do termo “sedução”[4] pelo qual Freud a inscreve na teoria, para situar nela a perversão do pai, como fazia o psicanalista em carta a Wilhelm Fliess de 6 de dezembro de 1896: “Parece-me cada vez mais que o aspecto essencial da histeria é que ela decorre da perversão por parte do sedutor”[5]. De fato, nisso que contam ao psicanalista seus pacientes – principalmente mulheres que, apesar de estarem fortemente silenciadas naquele contexto social, não deixavam de se rebelar e fazer ver através de seus sintomas – trata-se, de maneira geral, de narrativas que dão contornos e denunciam com muita nitidez um ato de abuso que seria perpetrado por um homem, em geral o próprio pai, de modo a objetificar corpos para usá-los a seu bel-prazer. E este fato bastaria para que se perceba que aquilo mesmo que mais tarde será nomeado como gênero é fulcral na teoria e na clínica psicanalítica, pois ao apontar nessa cena o fator patogênico central das neuroses a teoria freudiana se implica, de saída, em uma notável explicitação da estrutura patriarcal vigente. De fato, tal ato pelo qual a própria psicanálise se inaugura traz à luz uma violência fundamental, o trauma, situando como seu agente o protagonista do patriarcado em um comportamento que performa e reafirma seu poder de maneira abusiva sobre sujeitos vulneráveis, como crianças e adolescentes, em uma derrapagem perversa do pátrio poder não deve ser confundida com a plasticidade anômica da sexualidade em geral, pois perpetra um assujeitamento que põe em risco a própria integridade psíquica de suas vítimas. Uma vez assim situado, este gesto freudiano pode ser visto como ponto de partida para uma verdadeira dissecação do patriarcado – e ser tomado por nós como alicerce de uma leitura feminista dos textos psicanalíticos que aposte metodologicamente na potência de análise e desvelamento das narrativas patriarcais implicada em alguns de seus enunciados, ainda que o próprio Freud os enuncie, como não poderia deixar de ser, do interior mesmo da estrutura patriarcal, ou seja, em uma performance de gênero, como mostra de resto com eloquência sua escolha de um significante que esconde a brutalidade do trauma patriarcal sob o véu do erotismo implicado no termo “sedução”.

 

Também as hesitações do autor a respeito do estatuto desta cena podem ser vistas como parte de sua performance de gênero. Como se sabe, depois de considerá-la como fato, Freud duvidará de seu caráter real e a considerará como uma fantasia, ou seja, como uma cena efetiva em seus efeitos subjetivantes, mas que não corresponderia necessariamente a um acontecimento factual. Como um dos motivos que o levam a abandonar a teoria de que a causa da histeria residiria em um abuso sexual ocorrido na infância, Freud menciona em outra carta a Fliess, meses depois daquela em que postulava que a histeria decorreria da perversão do sedutor, “a surpresa de que, na totalidade dos casos, o pai, sem excluir o meu, tinha que ser considerado um pervertido”[6]. A frequência com a qual o abuso por parte do pai se daria na sociedade teria que ser considerada muito alta, prossegue o psicanalista, dado o alto número de pessoas atingidas por sintomas histéricos, “muito embora, certamente, essas perversões tão generalizadas contra as crianças não sejam muito prováveis”[7]. Por fim, no afã de salvar o pai de tal condenação, Freud afirmará ao amigo que “não se pode distinguir entre a verdade e a ficção que foram catexizadas pelo afeto”[8]. Ao longo das décadas seguintes, o psicanalista construirá sua teoria mantendo-se fiel a tal constatação de indecidibilidade entre ficção e realidade e reafirmando neste limiar a nefasta eficácia psíquica do trauma, como se a clínica não lhe cessasse de mostrar que a violência deste é real e referente à História, ainda que não se atualize necessariamente em um episódio de estupro nas histórias individuais de seus pacientes. Ele não chega a notar, contudo, que suas próprias especulações em ”Totem e Tabu” poderiam lhe fornecer a chave para entender tal violência traumática como algo implicado nas próprias linhas de força do pacto social patriarcal, ainda que xs sujeitxs dela se apropriem através da configuração de fantasias singulares que lhes conferem um lugar nesta narrativa. Já a consideração lacaniana de que a versão do pai é uma per-versão/pai-versão (père-version) parece-me encontrar nesta direção suas incidências teóricas e clínicas mais importantes, ainda que seu autor dedique-se mais a sublinhar com ela a pluralidade de versões possíveis de inscrição da função paterna do que a ideia de que em tal função estaria em jogo, ao mesmo tempo que a inscrição do nome/não do pai (nom/non du père) como garante da Lei, uma violência fundamentalmente abusiva e não apenas aquela implicada no ato civilizatório de dar limites e normatizar.[9]

 

Parece-me que os dois psicanalistas, apesar não deixarem, cada um a seu modo, de indicar o caminho para tal, permaneceram impossibilitados – devido à posição de gênero na qual se situavam, sem dúvida – de perceber que tal paiversão/perversão que é o fulcro do trauma e se conforma na fantasia fundamental de estupro deve ser posta em jogo com a narrativa sobre as origens da sociedade considerada um “mito teórico” por Freud, aquela do mencionado ”Totem e Tabu”. Em uma síntese muito rápida, pode-se dizer que este texto de 1912 conta como os irmãos (no masculino) um dia se uniram para assassinar o pai da horda primitiva, “um pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para si próprio e expulsa os filhos à medida que crescem”, como escreve Freud[10]. A mulheres não aparecem no relato senão neste lugar de objeto de posse ilimitada do pai da horda primitiva e jamais serão nomeadas ao lado dos irmãos que fundam a fratria através da absorção do pai em banquete compartilhado e de sua ereção e reverência como Totem, marcada pela observância de tabus. Ora, devemos considerar que logicamente anterior ao ato fundante do assassinato do pai está implícito em tal narrativa um outro ato: o da objetificação abusiva das mulheres por parte do pai perverso. A reverência ao Totem e a obsessiva obediência aos tabus que servem de modelo etnográfico para o pacto social cegam a tal ponto aqueles que se identificam e reconhecem como “irmãos” e se culpam pela morte do pai, que lhes passa despercebido isso que no entanto é igualmente importante neste mito teórico: a violência de que é objeto o corpo feminino (ou o corpo por este ato feminizado, para dizê-lo mais precisamente) e cujo agente princeps é o pater familias do patriarcado. Não seria excessivo, em minha opinião, ver aí o fundamento perverso do que se costuma tomar como Lei na teoria psicanalítica, e que deve ser assim revista para que se reconheça nela, ao lado do estabelecimento de limites que visariam evitar que algum dos irmãos se coloque extorsivamente no lugar do pai primevo, a inscrição de ditames que estruturam e visam manter posições de poder que só se sustentam pelo desapoderamento e a violenta sujeição de muitxs.

 

Como psicanalista – e de maneira corajosa e honesta, diga-se de passagem – Freud não deixa de performar em seus escritos sua dificuldade em reconhecer tal lugar ao abuso paterno, como mostra seu primeiro caso clínico publicado como tal, o caso Dora, também de 1905. Essa jovem paciente não cessa de denunciar, em seu tratamento, o gesto do pai de colocá-la em posição de objeto em um quarteto, oferecendo-a ao marido de sua amante. Freud não pôde, contudo, reconhecer a violência de tal oferecimento e é o fato de não fazê-lo que leva Dora abandonar o tratamento, em minha opinião – mais do que a falha do analista em reconhecer os desejos homossexuais desta em relação à amante de seu pai, que ele alega ter sido a causa para tal. Terei que deixar para outro escrito uma revisão detalhada deste caso, naturalmente, mas não posso me furtar aqui de indicar um dos mais notáveis pontos de performance de gênero por parte do psicanalista: a consideração de que a “violenta repugnância” que sua paciente teria sentido aos 14 anos quando o Sr. K, o marido da amante do pai, a agarrou e beijou subitamente, seria um sinal de predisposição histérica, na medida em que tal “situação” deveria despertar “uma nítida sensação de excitação sexual” em uma “mocinha virgem de quatorze anos”[11]. E Freud completa, no parágrafo seguinte, peremptório: Eu tomaria por histérica, sem hesitação, qualquer pessoa em quem uma oportunidade de excitação sexual despertasse sentimentos preponderante ou exclusivamente desprazerosos, fosse ela ou não capaz de produzir sintomas somáticos”.[12]

 

É espantoso que Freud considere que uma mulher não histérica, ou seja, supostamente “normal”, deveria sentir excitação sexual em qualquer situação, independentemente de com quem ela se dá, e sobretudo que ela deva senti-lo e consequentemente prestar-se a servir como objeto sexual de alguém por quem ela não parece ter manifestado nenhum interesse erótico, e que além disso faz parte de um conluio com seu pai no qual ela é tomada como mero objeto de troca. Portanto, se a psicanálise realiza “uma análise de uma sociedade patriarcal”[13], como indicava a feminista marxista australiana Juliet Mitchell já na década de 1970, devemos considerar que ela o faz de maneira complexa e mesmo problemática. De modo arguto, Mitchell assinala que o fato de analisá-la – ou seja, fragmentá-la de modo a mostrar seus componentes, dissecando-a – não faz da psicanálise “uma prescrição para uma sociedade patriarcal”, ainda que eventualmente ela tenha sido “usada” para tal[14]. A autora não deixa de apontar, assim, que a análise – ou seja, a quebra, segundo a etimologia da palavra – do patriarcado implica um certo “uso” da teoria, ou seja, que enunciados psicanalíticos são performados em determinada posição de enunciação, o que se pode fazer de várias maneiras e com diversos fins. De fato, devemos sempre desconfiar, a respeito da teoria em geral, e mais agudamente do que se refere a questões de gênero, da pretensão de falar em nome d’A Teoria, assim unificada e simplificada. Isso não é apenas pretensioso ou ingênuo, mas nitidamente anti-analítico, posto que a posição de enunciação que o próprio Freud forja em sua obra resiste a tal simplificação dogmática e nos obriga a movermo-nos por sua trama de modo muito mais interessante e complexo e que implica uma apropriação ativa e singular, como indica Jacques Lacan em seu retorno aos textos fundantes. Atualmente, creio que se deve defender tal método de leitura não apenas por seu rigor, mas sobretudo pelo que considero ser sua dimensão política: com ele trata-se de assumir que sempre lidamos com a teoria de maneira ativa, situada em termos históricos, geopolíticos e raciais e jamais neutra ou universal, mas nitidamente marcada no que diz respeito ao lugar ou lugares ocupados por cada leitor/leitora quanto a sexualidade, sexuação e gênero.

 

Por isso devo assumir minha posição de autoria aqui como a de alguém que se identifica como mulher (e branca e de classe média, em um país marcado pela violência colonial e a submissão colonizada a autores estrangeiros, em boa medida, até hoje) e que considera importante que se suspendam criticamente as leituras sobre sexualidade e sexuação consideradas canônicas e tidas por neutras e universais, para mostrar que elas costumam se basear na naturalização de certo ponto de vista dentre outros possíveis, e tal ponto corresponde, grosso modo, à posição daqueles sujeitos que se reconhecem como “meninos” face a essas questões – aqueles mesmos que o tabuleiro falopatriarcal situa como “homens”. Como uma pequena parte de um programa mais amplo de desdobramento das perspectivas de gênero implicadas nos conceitos freudianos, tentarei agora analisar uma “cena” teórica precisa, para sublinhar que em sua própria concepção a questão do falo implica uma subversão tão radical de seu suposto suporte na anatomia que ela chega às raias de uma demolição paródica. E que tal perspectiva sobre o falo nos permite ao mesmo tempo descortinar que as operações de sexuação feitas sob sua égide têm por alicerce, como já denunciava claramente a fantasia de estupro, um ato de violência perpetrado sobre alguns corpos, como demonstra uma das mais importantes noções a respeito do falo, mas que tem sido surpreendentemente negligenciada pelos psicanalistas em geral: o fetiche.

 

Trata-se com o fetiche de uma descoberta, como diz Freud, uma “descoberta subsidiária”, ocasional, que ocorre na escuta analítica de “um certo número de homens” que nunca disso se queixam e chegam mesmo a louvar o modo pelo qual ele “lhes facilita a vida erótica”[15]. É no texto “Fetichismo”, de 1927, que o psicanalista expõe sua tese, e de forma muito curiosa: “Ao enunciar agora que o fetiche é um substituto para o pênis (Penisersatz)”, diz, “decerto criarei um desapontamento”[16]. Sob o signo da decepção que tal substituição causaria, Freud se apressa em acrescentar que não se trata nela de “qualquer pênis ocasional”[17], mas sim do “falo (Phallus) da mulher (da mãe)”[18], que teria sido “extremamente importante na primeira infância, mas posteriormente perdido”[19]. Ele “normalmente deveria ter sido abandonado”, prossegue, assinalando que o fetiche “se destina exatamente a preservá-lo da extinção.”[20]

 

Em primeiro lugar, devo ressaltar que o fetiche desloca assim a anatomia, imediata e claramente, para o domínio da fantasia e do desejo – ou, mais precisamente, das teorias sexuais infantis, entre as quais não deixara de ser mencionada a da “posse universal do pênis” em um texto freudiano de 1908[21]. Se o substituto desse órgão fantasmático perdido tem “o pênis do homem” como seu ”protótipo normal”[22], como afirma Freud no final do texto de 1927, é importante notar que os exemplos em seguida mencionados estão longe de oferecer o que o autor qualifica como “símbolos”[23]. Trata-se, em geral, de uma deriva sobre a imagem do corpo da mulher-mãe na qual cada fetiche é uma espécie de “parada” no meio do caminho, cristalizando o suspense da revelação tão ansiada e ao mesmo tempo temida de modo a manter intacta a possibilidade que este corpo seja ao mesmo tempo o suporte da falta e da não-falta. 

Assim o sapato ou o pé, o cabelo ou a pele ou o púbis, as peças de lingerie, etc. mostram que se trata sobretudo de dividir esse corpo em partes que podem ou não dar origem a outros objetos-fetiches. Neste sentido, em vez de se afirmar como modelo por meio de seus símbolos, o órgão do “homem” como “protótipo normal”[24] é justamente o que o fetiche parece subverter, a ponto de mostrar que qualquer coisa pode, em última instância, ocupar seu lugar, desde que um certo olhar a invista como objeto, como veremos mais adiante.

 

Além disso, e apesar de nunca retirar explicitamente de tal “pênis do homem” o papel de referência central, Freud não deixa de indicar outro modelo de construção do fetiche; um modelo aliás seria muito mais condizente com a lógica que caracteriza tal construção: a da posição cindida do menino que permite que se mantenham ao mesmo tempo tanto o reconhecimento quanto a recusa da suposta “castração feminina”[25]. Trata-se do tapa-sexo, ou seja, uma peça de roupa que se acrescenta à anatomia de forma a ocultar os genitais e assim manter as duas possibilidades em relação ao corpo da mãe, além de autorizar “a hipótese de que os homens eram castrados”, como escreve o autor[26]. Por essa via, devemos reconhecer que a construção do fetiche implica nada menos que a demolição da concepção binária que se baseia na suposta posse de um órgão como privilégio de poucos, e que lhe é implícita, também por sua dispersão numa diversidade de objetos, imagens e palavras, uma poderosa denúncia da “pretensão do pênis de se fazer passar pelo falo” como faz a noção de dildo no pensamento de Paul Preciado.[27]

 

Antes de avançarmos nessa direção, contudo, é importante examinar a cena fetichista, encarando-a como uma espécie de mito teórico, assim como a narrativa de ”Totem e Tabu”[28], mas distinguindo-se desta pela prevalência do escópico sobre o narrativo. O primeiro e mais surpreendente exemplo de fetiche mencionado por Freud sugere que este corresponderia ao próprio olhar como objeto: trata-se de nada mais que “um certo brilho no nariz”, que em seguida é desdobrado como um “olhar lançado no nariz”, graças à substituição translinguística entre o termo alemão Glanz e o glance em inglês, na fala deste analisando criado na Inglaterra[29]. Longe de rejeitar essas elaborações freudianas como ilusões imaginárias secundárias frente a uma operação significante mais fundamental, proponho que se veja nelas o índice da natureza fantasística ou fantasmática (isto é, constituída por uma montagem significante muito complexa entre imagens e palavras) da própria teoria do falo – e nesse sentido devemos lembrar que Freud não deixou de considerar, no já mencionado “Sobre as teorias sexuais das crianças”, de 1908, a própria castração como uma das teorias sexuais infantis, ao lado daquela da posse universal do falo[30]. Neste sentido, o fetiche explicita a investidura do visível como cena sexuante, mostrando que é num jogo de olhares, imagens e palavras que cada pessoa se torna sujeito sexuado. E se em tal cena algo brilha, esse brilho não vem tanto de algum objeto ou característica anatômica em si mesmos quanto de um olhar que o (re- ou des-)cobre e investe libidinalmente.

 

Este olhar não é pouco e está longe de se referir a miragens e ilusões imaginárias. Como observa Donna Haraway, “todos os olhos, inclusive os nossos, são sistemas perceptivos ativos que constroem traduções e maneiras específicas de ver, ou seja, formas de vida”[31]. Nessa linha, o que proponho aqui chamar cena sexuante visa localizar as “maneiras específicas de ver” que comandam o discurso falocastrador e sua maneira de investir o corpo nele situado como da mulher/mãe, de modo a dessencializar os enunciados que dele decorrem e tentar abrir outros possíveis pontos de vista. Minha proposta de tomar a sexuação como cena e o método de leitura por ela aberta é, assim, nitidamente influenciada pelo perspectivismo que Deleuze salienta em Leibniz e formula na ideia de que “será sujeito aquele que vier ao ponto de vista, ou sobretudo aquele que se instalar no ponto de vista”[32] –, modulada contudo, mais particularmente, pelo perspectivismo ameríndio estudado pelos antropólogos Tânia Stolze Lima e Eduardo Viveiros de Castro[33]. Ao lado disso, a proposta decorre do diálogo descentrado com a arte que me parece fundamental à própria teorização psicanalítica e ao qual venho me dedicando há muitos anos, por entender que neste campo da cultura se apresentam mais explicitamente alguns dos pontos de vista que estão habitualmente invisibilizados e silenciados sob enunciados que se apresentam como universais. Afinal, deve-se sempre perguntar “com o sangue de quem foram feitos meus olhos?”[34], como também faz Donna Haraway, explicitando com eloquência que o olhar hegemônico se sustenta sobre o sacrifício de alguns corpos.

 

É neste contexto teórico-crítico que devemos ressituar e tentar espacializar cenicamente a já mencionada tese central de Freud segundo a qual o fetiche seria o “substituto do pênis da mulher (da mãe) em que o menininho outrora acreditou e que – por razões que nos são familiares – não deseja abandonar”[35]. A fórmula não deixa de indicar, e muito claramente, que se trata de uma cena cujo ponto de vista organizador é “o menino”. A importância de reconhecer que é uma cena está justamente aí: no fato de que cada cena implica um certo número de posições que cada narrativa põe em jogo a partir de um determinado ponto de vista. No caso da cena fetichista narrada por Freud, trata-se explicitamente do menino como protagonista que organiza as linhas de construção do quadro em que aparece, em súbita revelação, um corpo supostamente castrado e diante do qual ele se vê em perigo de perder “o trono e o altar” correlativos ao órgão que a “natureza” teria dotado de “parte de seu narcisismo”[36]. Como se vê, o “menino” – ou melhor, se me permitem o trocadilho, o “homenino”, já que o lugar de “homem” se define na lógica patriarcal pela aderência a esta narrativa – é ao mesmo tempo agente do olhar e objeto deste, ainda que seu próprio corpo não apareça literalmente em cena. “Não, isso não pode ser verdade”, diz Freud – e toda essa passagem ressoa com um toque de humor, como indica a expressão que alude ao Estado e à Igreja, “o trono e o altar”, cujo uso em alemão denota certa ironia, segundo o tradutor do texto na mais recente edição francesa[37]. De fato, o drama fálico, com o pânico que o caracteriza, não está longe da pantomima, com as atitudes indignadas e afetadas diante de uma ameaça que o menino conhece muito bem e de fato já foi cumprida, na medida em que o órgão com o qual a cultura patriarcal o teria dotado de poder não serve de garantia contra a deflação narcísica que o atinge; ao contrário, como sabemos, essa cultura tende a lhe oferecer nada além do ridículo papel de sujeito feudal diante de seu Soberano, o pai supostamente imune a qualquer deficiência – ou seja, o ao-menos-um que escaparia à castração e que é o alicerce da própria construção falocastradorapatriarcal, e que não é outro senão o pai da horda primitiva, ou seja, o pai perverso, por quem o homenino teme receber o violento tratamento de feminização.

 

Desestabilizando a pretensão do falo de ser um significante ordenador e fulcral para a ordem simbólica, a teoria do fetiche revela com nitidez, de fato, a retórica fálica como aquela da paródia e da pantomima. Se poderia questionar, contudo, o passo que dou aqui ao tomá-la como modelo privilegiado da teoria fálica. Afinal, os fetichistas não seriam perversos que “afastam defensivamente” o que Freud chama de “susto da castração à vista de um órgão genital feminino”, enquanto outros se tornariam “homossexuais em consequência dessa impressão” e “a grande maioria” a superaria[38]? Para responder a essa questão de forma mais embasada seria necessário retomar não apenas a dialética entre neurose e perversão, afirmada desde 1905 na fórmula, já citada, segundo a qual “a neurose é o negativo da perversão”[39], como também a complexa elaboração freudiana sobre os diferentes mecanismos de defesa e sua relação com o que só muito mais tarde, com Lacan, seria nomeado como “estruturas clínicas”. Obviamente, tenho que desistir de fazê-lo neste breve ensaio. Mas não posso deixar de apontar que, longe de cercear a defesa fetichista no domínio da perversão, Freud a vincula a uma “posição cindida”, a recusa (Verleugnung), cuja descrição se baseia, significativamente, em um caso de neurose obsessiva[40]. “Em todas as situações da vida”, diz Freud, ”o paciente oscilava entre duas presunções: uma, de que o pai ainda estava vivo e atrapalhava suas atividades; outra, oposta, de que tinha o direito de se considerar como sucessor do pai.”[41]

 

Ora, seguindo à risca a ideia freudiana segundo a qual “o exemplo é a coisa original e real[42], podemos considerar a “oscilação” deste paciente como modelo da relação com o pai que caracteriza o patriarcado moderno e, consequentemente, a gramática fálica que Freud analisa (ou seja, despedaça e disseca) em seu seio, no entre-séculos europeu. Ela corresponde aproximadamente à relação do “homem” ao Pai como um lugar que ele seria convidado ou forçado a ocupar, por identificação, mas do qual é ao mesmo tempo expulso – na medida em que jamais poderá substituir o pai suposto incólume a toda falta. Mas é preciso destacar em tal gramática fálica a modulação entre falta e perda como oscilação entre impotência e violência, bem como o papel que o corpo feminizado nela desempenha, como revela a teoria do fetiche.

 

Antes de examinar o papel que o corpo da mulher-mãe desempenha nessa narrativa, impõe-se a questão de saber se na cena por ela conformada se poderiam marcar outros possíveis pontos de vista, distintos daquele do homenino, e se a partir deles a montagem simbólico-imaginária seria capaz de alterar-se de modo significativo. Afinal, diante de tal corpo não seria possível enxergar, em vez da ausência da “ansiada visão do membro feminino”[43], um outro órgão, a vulva? Antes de rejeitar essa possibilidade em nome da primazia do falo em sua dimensão simbólica, lembremos que a codificação desse corpo em termos de falta e castração decorre de algo logicamente anterior: a teoria sexual infantil da posse universal do pênis, que nada garante ser uma fantasia universal e igualmente partilhada por todos os sujeitos. Além disso, deve-se ressaltar que várias fantasias estão enredadas na cena da sexuação, visto que o corpo em questão nunca é o da anatomia ou o do instinto, mas de saída aquele da pulsão e dos rastros (e traços) nele deixados pelo desejo do Outro. Neste sentido, tal cena se mistura e sobrepõe a muitas outras cenas em que nos são oferecidas posições às quais podemos aderir ou nos recusarmos, ao menos parcialmente, seguindo as linhas de força dadas por certos significantes, mas em uma montagem singular e com uma gramática própria, por assim dizer. Assim, os processos pelos quais um sujeito é reconhecido (e se reconhece) como homem, mulher ou não binário, trans ou queer (e o que mais vier como invenção significante na cultura) envolvem um complexo jogo entre imagens e significantes que circulam na cultura em dado momento e que configuram palavras e olhares que cruzam um sujeito e o Outro – implicando também a partilha de significantes com alguns outros, como sublinha Pedro Ambra[44]. Em outras palavras, nunca estamos sozinhos na cena sexuante, e se no texto sobre o fetichismo não aparece a figura da “menina”, o papel da mulher-mãe é contudo decomposto e declinado significativamente na figura da “mulher”, em sua última frase, na qual Freud diz que assim como “o protótipo normal do fetiche é o pênis do homem”, aquele do órgão inferior “é o pequeno pênis real da mulher, o clítoris”[45]. Para parafrasear a pergunta de Haraway citada há pouco, não resta dúvida de que é sobre “o sangue” do corpo de algumas pessoas que se ergue o olhar fetichista (e fetichizador) que faz do falo algo supostamente superior – ainda que a curiosa expressão “pênis do homem”, ao lado da igualmente interessante ideia de um “pênis” – e “real”! – que seria “da mulher” mostre também e ao mesmo tempo que não se trata de diferença anatômica em termos de ter ou não ter um órgão, mas da nominação de algo que pode estar em qualquer corpo e nunca é dado, mas talvez sempre seja artifício. Sempre fetiche.

 

De fato, é logicamente necessário que a mulher seja posicionada como inferior para que se sustente a claudicante superioridade masculina, em um dos eixos da gramática fálica: aquele que nomearemos de complementaridade hierárquica. Isso chega a nem parecer tão grave, quando comparado a outro pilar desta gramática: a exclusão categórica. Este se modula no papel de encarnação da castração dado à mulher-mãe, pois implica que exista apenas uma categoria ontológica válida, a qual se baseia na exclusão de muitxs. É urgente reconhecer em termos psicanalíticos, com efeito, que se trata de um ato, e de um ato de violência, na própria atribuição de castração a um corpo que parece diferente do seu. O lugar atribuído a uma parte considerável da humanidade – xs não-homeninos, digamos – é muito claramente, na lógica fálica, aquele do aterrorizante, do traumático ou, no melhor dos casos, do perturbador, unheimlich. Sejamos claros: a assim delineada sexuação masculina tem como axioma a misoginia, a partir da qual se constrói o fetiche, justamente, que seria capaz de conferir às mulheres “a característica que as torna toleráveis como objetos sexuais” e poderia até “salvar” o homem de se tornar homossexual[46]. A fantasia da vagina dentata, embora não esteja literalmente presente no texto de 1927, talvez seja aquela que sustenta toda a montagem narrativa e cênica do falo, e a suposta reivindicação fálica que Freud indica em outros momentos como um dos eixos da sexuação da “mulher” não deixa de mostrar dela uma versão diluída e eufemística.

 

Ao lado de aceitar e se deixar colonizar pelo lugar da inferioridade, a única possibilidade disponível para o corpo dx não-homenino, na lógica falofetichista, é a de se prestar a encarnar a ameaça de castração e assim se oferecer à falicidade substitutiva do fetiche, um sucedâneo que corta o corpo para erigir em objeto uma de suas partes (pés, cabelos, etc.), ou elege um objeto no lugar do corpo ou como seu suplemento, ou ainda toma o corpo femininizado in totum como objeto segundo os valores estéticos vigentes. Seja como for, a posição atribuída às ditas “mulheres” nessa gramática é a de colocar seus corpos e sua performance de gênero a serviço da recusa da castração de quem as olha. E quando essas pessoas se recusam a fazê-lo ou algo dá errado nesse cenário tão repetitivo em termos de mascarada ou strip-tease, revela-se bruscamente o lado oculto da construção falofetichista: a violência sobre o corpo feminizado.


De fato, a idealização e fascínio ou veneração fetichista do corpo feminino esconde uma violência extrema. Longe de fundar-se em uma suposta evidência biológica, a suposta castração da mulher se vale de diferenças anatômicas para justificar um ato, uma operação cultural que as coloca em uma posição de inferioridade e humilhação que pode levar até à mortificação. Freud não deixa de sublinhar isso na relação do fetichista com o fetiche, que se caracteriza pela oscilação entre polos opostos “ternura” e “hostilidade” – equivalentes ao par recusa/reconhecimento da castração – e inclui a possibilidade de que o fetiche seja tratado de um modo “que claramente equivale a uma apresentação figurativa da castração”. Isso corresponderia, como não poderia deixar de ser, a uma “forte identificação com o pai”, a quem, afinal de contas, o menino atribuiria “a castração da mulher”[47]. Para sustentar esta hipótese, Freud menciona não só a figura obsoleta do cortador de tranças, mas também o assustador costume chinês “de mutilar o pé feminino e, depois disso, reverenciá-lo como um fetiche.”[48]

 

Parece-me urgente relacionar tal violência com a ideia seminal da antropóloga argentina (e que esteve durante muitos anos radicada no Brasil) Rita Segato, segundo a qual a estrutura patriarcal-colonial da modernidade se baseia na apropriação “do corpo da mulher e deste como primeira colônia”[49]. O corpo feminizado seria, nesta direção, o primeiro objeto da “expropriação inevitavelmente violenta” da qual emana o poder[50], de uma maneira que a própria autora já havia correlacionado em conferência de 2003 à castração segundo a psicanálise, pondo a teoria lacaniana em “exegese recíproca” com relatos etnográficos de mitos como o dos baruya, relatado por Godelier, no qual os homens somente se apropriam do objeto sagrado (uma flauta) que lhes confere poder ao usurpá-lo das mulheres[51]. Apesar de caracterizar tal ato de expropriação de que são objeto as mulheres como uma transgressão que marca o advento da lei, Segato não chegar a caracterizar o pater familias como eminentemente perverso, como aqui proponho. Sua tese sobre a violência que se dá no corpo da mulher como o que funda e mantém o patriarcado parte, contudo, da escuta de estupradores presos para identificar em seu ato (que não deixa de se aproximar da noção psicanalítica de acting out ou passagem ao ato) um “mandato social” que os empurra a encenar o papel de poder – atuando a recusa da castração, eu diria – violentamente sobre o corpo feminizado.[52]

 

A articulação de Segato sobre tal “injunção de estupro”, como ela a chama, serve de apoio para a proposta feita acima de que a “fantasia de sedução” seja considerada como a denominação eufemística de uma violação que, em última análise, é muito real para os corpos feminilizados segundo a lógica falofetichista, no sentido de que marca uma violência estrutural exercida simbolicamente sobre alguns sujeitos para o suposto benefício de outros sujeitos. Com efeito, na gramática da sexuação de que estamos tratando aqui, o papel oferecido aos corpos feminizados é o de se deixarem colonizar pela lógica falofechistista a ponto de a ela se oferecerem em sacrifício. Em contrapartida à injunção de estupro que atingiria os “homens”, gostaria de propor, nesse sentido, a ideia de um “mandato sacrificial” atribuído pela cultura às “mulheres”, para indicar a extensão da linha de força que Freud aponta na seguinte frase: “Pode-se pensar que o homem chinês quer agradecer à mulher por se ter submetido à castração.”[53]

 

Que a “mulher” (ou, mais rigorosamente, que x não-homenino) se submeta a tal gramática (e busque, em substituição ao que lhe faltaria, o filho (especialmente um menino) ou o pênis do homem), ou que se rebele contra ela através de uma reivindicação fálica tingida de inveja e cuja único resultado possível seria o ressentimento: assim são esboçados os caminhos de um suposto reconhecimento da castração de sua parte. Formas melancólicas, todas elas, nas quais cabe axs não-homeninos identificar-se com a encarnação da falta para sustentar a claudicante fantasia masculina de não castração.

 

Para encerrar este breve ensaio, gostaria de apontar uma questão que me parece incontornável, atualmente, tanto na clínica quanto na teoria e na atuação dxs psicanalistas na Cultura: seria a psicanálise capaz de localizar e caracterizar outros pontos de vista – diferentes daquele do homenino na cena falofetichista – nos quais, sem dúvida, muitos dos sujeitos contemporâneos se situam e se movem, hoje, e reconhecer os significantes que organizam as gramáticas de sexuação que lhes correspondem?

 

Este me parece ser o desafio a ser assumido, especialmente, por aquelxs que se vêem tomados em seus corpos pela injunção de servirem sacrificialmente como suporte da recusa da castração em alguns – e são assim sistematicamente violentados, de formas diversas e corriqueiras, mas que por vezes podem culminar emfeminicídio e crimes transfóbicos, para que se reafirme tal frágil recusa.

 

Para se deslocar de tal lugar sacrificial, necessitamos forjar outros significantes e outros modos de articulá-los – outras gramáticas –, forçando a entrada de outros pontos de vista na cena falofetichista e apostando na possibilidade de construirmos variadas narrativas cênicas nas quais outros significantes – que hoje me parecem frequentes e numerosos, devo assinalar, na escuta clínica de não-homeninos – possam ser assumidos ativamente e contribuir para um deslocamento da centralidade da pai-versão/perversão patriarcal. Este texto é o primeiro passo para outras elaborações que vão nesta direção e para as quais gostaria de convidar xs leitores a contribuir pelo e-mail taniarivera@id.uff.br 

 

REFERÊNCIAS

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FREUD, Sigmund (1913) ”Totem e Tabu”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Orizon Carneiro Muniz. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XIII.

FREUD, Sigmund (1905) ”Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. VII.

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SEGATO, Rita (2016) La guerra contra las mujeres. Buenos Aires: Prometeo, 2020.

 

[1] BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: 1. Fatos e Mitos. (1949) 4ª ed. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970, p. 10.

[2] FREUD, Sigmund (1905) ”Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. VII, p. 128.

[3] FREUD, Sigmund (1905) ”Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. VI., p. 157.

[4] FREUD, Sigmund (1896) “A hereditariedade e a etiologia das neuroses”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Trad. Margarida Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1986, vol. III, p. 144.

[5] In MASSON, Jeffrey Moussaieff (ed.) (1985) A Correspondência Completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess 1887-1904. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1986, p. 213.

[6] Carta de 21 de setembro de 1897. In MASSON, Jeffrey Moussaieff (ed.) (1985) A Correspondência Completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess 1887-1904. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1986, p. 265.

[7] MASSON, Jeffrey Moussaieff (ed.) (1985) A Correspondência Completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess 1887-1904. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1986, p. 265..

[8] MASSON, Jeffrey Moussaieff (ed.) (1985) A Correspondência Completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess 1887-1904. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1986, p. 265-266

[9] Tenho naturalmente de deixar para outro texto a exploração da noção de père-version nesta chave, mas não resisto a trazer uma citação de Lacan que reforça tal leitura, ao sublinhar na função paterna algo “perversamente” orientado em relação à mulher: “Um pai só tem direito ao respeito, se não ao amor, que se o dito, o dito amor, o dito respeito, é, vocês não vão acreditar no que estão ouvindo, per-versamente (père-versement) orientado, ou seja feito de uma mulher, objeto a que causa seu desejo”. LACAN, Jacques (1974-1975). RSISéminaire 22 (Transcrição estabelecida pela Association Freudienne Internationale (AFI)), p. 65. Disponível em <https://ecole-lacanienne.net/wp-content/uploads/2016/04/seminaire_seminario_transcription_ALI_1974_1978.pdf.> Consultado em 15 de março de 2023.

[10] FREUD, Sigmund (1913) ”Totem e Tabu”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Orizon Carneiro Muniz. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XIII, p. 169.

[11] FREUD, Sigmund (1905) ”Fragmento da análise de um caso de histeria”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. VII, p. 37.

[12] FREUD, Sigmund (1905) ”Fragmento da análise de um caso de histeria”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. VII, p. 37.

[13] MITCHELL, Juliet (1974) Psicanálise e feminismo: Freud, Reich, Laing e a Mulher. Trad. Ricardo Brito Rocha. Belo Horizonte: Interlivros, 1979, p. 17.

[14] MITCHELL, Juliet (1974) Psicanálise e feminismo: Freud, Reich, Laing e a Mulher. Trad. Ricardo Brito Rocha. Belo Horizonte: Interlivros, 1979, p. 17.

[15] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 179.

[16] Ibid., p. 179. Este trecho, bem como outros trazidos a seguir, foi por nós revisto de acordo com o original em língua alemã. FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismus”. In: Gesammelte Werke (GW). Londres: Imago, 1948, vol. XIV, p. 312.

[17] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 179. (G.W., p. 312.)

[18] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XX., p. 180. (G.W., p. 312.)

[19] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 179. (G.W., p. 312.)

[20] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 179. (G.W., p. 312.)

[21] Ver FREUD, Sigmund (1908) “Sobre as teorias sexuais das crianças”. In:. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Maria Aparecida Moraes Rego. Rio de Janeiro: Imago, 1976, vol. IX, p. 213-238.

[22] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 185.

[23] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 182.

[24] Ver FREUD, Sigmund (1908) “Sobre as teorias sexuais das crianças”. In:. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Maria Aparecida Moraes Rego. Rio de Janeiro: Imago, 1976, vol. IX, p. 185.

[25] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 183.

[26] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 184.

[27] PRECIADO, Beatriz (Paul) (2000) Manifesto contrassexual: Práticas subversivas de identidade sexual. Trad. Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: N-1 Edições, 2014, p. 75.

[28] FREUD, Sigmund (1913) ”Totem e Tabu”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Orizon Carneiro Muniz. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XIII, p. 20-192.

[29] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 179.

[30] Ver FREUD, Sigmund (1908) “Sobre as teorias sexuais das crianças”. In:. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Maria Aparecida Moraes Rego. Rio de Janeiro: Imago, 1976, vol. IX

[31] HARAWAY, Donna (1991) Ciencia, Cyborgs y Mujeres: La Reinvención de la Naturaleza. Trad. Manuel Talens. Madrid: Ediciones Cátedra, 1995, p. 327. Eu traduzo todas as citações em línguas estrangeiras.

[32] DELEUZE, Gilles (1988) A Dobra: Leibniz e o Barroco. Trad. Luiz B. L. Orlandi. Campinas: Papirus, 1991, p. 36.

[33] Ver LIMA, Tânia Stolze (1996) O dois e seu múltiplo: reflexões sobre o perspectivismo em uma cosmologia Tupi. Mana, Rio de Janeiro: vol. 2, n. 2, pp. 21-47, 1996 e CASTRO, Eduardo Viveiros de (2002) A inconstância da alma selvagem. São Paulo: CosacNaify, 2014.

[34] HARAWAY, Donna (1991) Ciencia, Cyborgs y Mujeres: La Reinvención de la Naturaleza. Trad. Manuel Talens. Madrid: Ediciones Cátedra, 1995, p. 330.

[35] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 180.

[36] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 180.

[37] FREUD, Sigmund (1927) ”Fétichisme” [Trad. René Lainé]. In: Oeuvres complètes: Psychanalyse. Trad. Janine Altounian et alli. Paris: P.U.F., 1994, vol. XVIII, p. 126.

[38] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, pp. 181-182.

[39] FREUD, Sigmund (1905) ”Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. VI., p. 157.

[40] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 180. (GW: p. 127).

[41] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 183.

[42] FREUD, Sigmund (1909) ”Notas sobre um caso de neurose obsessiva”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud. Trad. Jaime Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. X, p. 168.

[43] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 182.

[44] Para este autor, trata-se de “uma alteridade plural que autoriza o sujeito a assumir determinada identidade no contexto da sexuação”. AMBRA, Pedro. O ser sexual e seus outros. São Paulo: Blucher, 2022, p. 37.

[45] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 185.

[46]FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 181.

[47] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 184. (G.W.: p. 317.)

[48] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 185.

[49] SEGATO, Rita (2016) La guerra contra las mujeres. Buenos Aires: Prometeo, 2020, p. 17. Tradução minha.

[50] SEGATO, Rita (2016) La guerra contra las mujeres. Buenos Aires: Prometeo, 2020, p. 17.

[51] Ver SEGATO, Rita (2003) Las Estructuras Elementales de la Violencia. Ensayos sobre género entre la Antropología, el Psicoanálisis y los Derechos Humanos. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes.

[52] Ver SEGATO, Rita (2003) Las Estructuras Elementales de la Violencia. Ensayos sobre género entre la Antropología, el Psicoanálisis y los Derechos Humanos. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes.

[53] FREUD, Sigmund (1927) ”Fetichismo”. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1974, vol. XXI, p. 185.


In: Revista Lacuna, 6 de junho de 2023

 



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