terça-feira, abril 12, 2011



Caros amigos,

Nesta sexta-feira (15 de abril) tocarei no Teatro Pedro Ivo em Florianópolis às 21h. Será a abertura da temporada 2011 da Pró-Música, com um programa dedicado ao Romantismo (200 anos de Chopin, Schumann e Liszt). De Chopin, a Balada nº1 e o Scherzo nº3; de Schumann, Intermezzo (do Carnaval de Viena), Aufschwung (de Fantasiestücke) e Arabesque; de Liszt, Benediction de Dieu dans la Solitude e Valsa Mefisto.

Um abraço,

Alberto

quarta-feira, abril 06, 2011

A culpa do sobrevivente


Mais de sessenta anos se passaram depois do Holocausto e até hoje o sombrio acontecimento provoca polêmicas e discussões. Não estamos falando apenas nos chamados “revisionistas”, aqueles que, sob o pretexto do rigor histórico, na verdade dão vazão a seu anti-semitismo. Ao discutir se o número verdadeiro de vítimas foi seis milhões, ou cinco milhões ou quatro milhões (um processo de regatear que, no passado era atribuído a comerciantes judeus) na verdade essas pessoas formulam um raciocícinio que pode ser assim resumido: o número de vítimas dos campos de concentração foi ampliado. Por quem? Pelos judeus. Por que? Porque eles são pérfidos mentirosos. Logo, mereciam o Holocausto. Que pode não ter existido, segundo o argumento, mas que deveria existir.


Mas existem outras questões, menos cínicas e mais perturbadoras. Uma pergunta que muitas vezes é feita (e Hannah Arendt provocou muita indignação ao fazê-la) é: por que os judeus se submeteram passivamente ao Holocausto? Por que se deixaram conduzir como ovelhas para o matadouro?

A resposta é complexa. Para começar, a submissão não foi a regra; numerosas rebeliões ocorreram, o levante do gueto de Varsóvia (1943) sendo o mais conhecido. De outra parte, os nazistas foram muito hábeis em enganar as pessoas: as câmaras de gás (cuja existência alguns chegam a negar) eram apresentadas como “medida higiênica”. O nazismo representava o poder estabelecido, a lei. Uma lei que os próprios nazistas tinham criado mas que, para um grupo marginalizado, era algo respeitável, temível. Depois, as medidas que levariam ao extermínio foram sendo estabelecidas gradualmente, com progressiva supressão da dignidade das pessoas e de sua própria condição humana. Por fim, e mais importante, a culpa ancestral minou qualquer possibilidade de resistência.

Um detalhe penoso nesta sombria história é de que, não raro, os que escaparam vivos sentiam-se culpados. É a culpa do sobrevivente, que se expressa por um monólogo acusador: eu deveria ter morrido com eles, eu deveria ter morrido no lugar deles, se não morri é porque sou tão mau, tão perverso, que consegui escapar. A sensação de não ter feito o suficiente para salvar vítimas agrava esta culpa, que pode acometer até mesmo aqueles que, num momento de tragédia como é um ato terrorista, são espectadores casuais.

A culpa do sobrevivente às vezes se externa pelo testemunho, como se vê em numerosos livros e documentários; mas isto não diminui a insuportável carga que representa. O suicídio pode ser, nestes casos, a derradeira solução para o tormento. Isto ocorreu com escritores e intelectuais que passaram por campo de concentração e sobreviveram, ou que conseguiram escapar dos nazistas: o escritor judeu-italiano Primo Levi (1919–1987) prisioneiro em Auschwitz; o poeta romeno Paul Celan (1920–1970), autor do dilacerante Todesfuge, que fala do “negro leite da morte”; o psicólogo austríaco Bruno Bettelheim (1903-1990), o já mencionado jornalista e escritor Arthur Koestler (1905-1983); o escritor austríaco Stefan Zweig (1881–1942), que, asilado no Brasil, suicidou-se com a esposa em Petrópolis, no Rio de Janeiro.

Estes exemplos não são obviamente, suficientes, para configurar uma regra, uma relação de causa e efeito. Mas sugerem alguma conexão, modulada, naturalmente, pelas características pessoais. A culpa não se restringe aos sobreviventes, mas pode se estender aos filhos deles, sobretudo àqueles que levam uma vida confortável, capaz de gerar neles o sentimento de culpa, agravado pelos próprios pais: “Você pensa que tem problemas? Isto é porque você não sabe o que é ter problemas.” Uma situação ainda mais complicada emerge quando os sobreviventes tinham uma família (cônjuge, filhos) chacinada no Holocausto. Quando voltam a casar, quando têm outros filhos, muitas vezes mantêm em segredo a existência da família anterior. E este segredo, se e quando revelado, resulta em trauma, e culpa, para o sobrevivente e para o novo grupo familiar.


Ou seja: o Holocausto continua repercutindo, provocando, através de gerações ondas de choque emocional. A esta altura, memória e História já se fundiram numa coisa só. O que torna o entendimento mais difícil. Porém mais necessário.

  • Esse texto é do escritor gaucho, recém falecido, Moacyr Scliar.
    Scliar continua a trabalhar com o tema da culpa, de forma muito mais elaborada, no livro Enigmas da Culpa, editado pela Objetiva em 2007, na “Coleção Filosófica”.

terça-feira, abril 05, 2011

Machado de Assis entre crimes e loucuras

Divido com vocês um bom ensaio de Daniel Piza,
sobre crimes, pecados e outras monstruosidades,
nos rastros da literatura de Machado de Assis.


Histórias de crime não são comuns em Machado de Assis (1839-1908), tanto que nenhum de seus três romances mais conhecidos – Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro – gira em torno de assassinato, roubo ou alguma contravenção tão crua. Mas sua literatura é tão rica de observações sobre os impulsos ingovernáveis de cada indivíduo em face das circunstâncias, como aqueles herdeiros escravocratas com seus delírios de grandeza (ou em alguns contos como A Cartomante, que termina com um homicídio), que os estudiosos seguem encontrando nela uma fonte sem fim – como agora o poeta Marco Lucchesi e o psiquiatra Daniel Martins de Barros.

O livro de Lucchesi, O Dom do Crime, é um breve romance, espécie de “divertissement” erudito. Ele não incorreu na vulgaridade de romancear a vida de Machado e misturá-la com algum crime de época, recurso hoje tão comum em candidatos a best-sellers que acreditam em fórmulas como a do thriller histórico. Fez um livro que dialoga em temas e estilo com a obra e a vida de Machado, mas o narrador é um contemporâneo de Machado, com traços semelhantes (as doenças, as leituras, o agnosticismo) e dessemelhantes (ele nunca se casou, por ser “impossível dormir duas vezes com a mesma mulher”, como atravessar duas vezes o mesmo rio).

Esse narrador tem uma tese a respeito de Machado: a de que Dom Casmurro foi inspirado no famoso crime da Rua dos Barbonos, de 6 de novembro de 1866, em que José Mariano da Silva matou a esposa, Helena Augusta, por suspeita de adultério. O escândalo repercutiu na cidade, em jornais como aquele em que Machado trabalhava, o Diário do Rio de Janeiro, e se somou a outros do mesmo feitio, naquele que seria o auge do Segundo Reinado. Não à toa, o júri foi “seguido na imprensa como um folhetim sedutor”. Mariano era um médico respeitado, que circulava com desenvoltura pela Corte; Helena, como tantas personagens de Machado, uma moça  de classe inferior, que ascendera com o casamento e fazia questão de ostentar isso em joias e vestidos.


Uma agregada, Leonor, foi quem fez o papel de Iago e plantou em Mariano a semente do ciúme: Helena viveria de conversas com o vizinho, Raimundo Martiniano, confirmadas pela escrava Espiridiana. Ao voltar de um baile e suspeitar da recente presença do “comborço”, do suposto amante, Mariano matou a mulher com um golpe de bisturi na jugular. No tribunal, o assassino confesso é defendido por um célebre advogado, Busch Varella, que alega privação da razão e culpa o vizinho sedutor. Não é difícil adivinhar a sentença – naqueles tempos de “honra” machista, como ainda agora neste Brasil…

O romance, bem escrito, numa costura de ações e reflexões pontuada por alguns achados estilísticos (“Grassava uma epidemia de crimes passionais dentro do frágil coração do Império”), envolve o leitor, deixando-o curioso tanto pelo relato do crime quanto pelos paralelos com Dom Casmurro. Mas não consegue em nenhum instante convencê-lo de que o clássico de 1899 é tão calcado assim no crime de 1866, até porque o que importa em Bentinho é sua covardia, o fato de não ter feito o que quis fazer (pensa em matar Capitu e desiste; pensa em matar o filho e desiste; pensa em se matar e desiste), não se ele tinha ou não provas definitivas a respeito da traição.

O livro de Martins de Barros, Machado de Assis: A Loucura e as Leis, escolhe outro caminho: é uma antologia de 12 contos do gênio comentados à luz da psiquiatria forense. Lá estão, naturalmente, O Alienista (“instrumentalização da psiquiatria em favor do establishment político-econômico”, por meio de “teorias pretensamente científicas”), O Espelho (em que a turvação de consciência do alferes Jacobina é equiparada a uma doença conhecida como Síndrome de Ganser) e A Causa Secreta (cujo sadismo mostra a “banalidade do mal”, na expressão posterior de Hannah Arendt), mas também textos menos conhecidos como A Ideia do Ezequiel Maia e Uma Partida.

“Lidar com a maldade pode ser um desafio maior do que a já complexa tarefa de lidar com o crime”, escreve Barros, depois de A Verba Testamentária, e lembra que “a imensa maioria dos delinquentes não apresenta qualquer diagnóstico médico e, ainda mais, a maioria esmagadora dos pacientes psiquiátricos não comete infrações”. No conto, a depressão de Nicolau é tratada como uma deficiência do baço, e sua internação tem apenas efeito paliativo. Mais uma vez, o que Machado diz, com atualidade impressionante, é que acreditar em remédios para os males da alma tem a mesma matriz da crença da religião em rezas para os males do corpo. Ou seja: a ilusão de que a natureza humana é indivisível e controlável.

EXPRESSIVIDADE FEMININA: TRANSFORMANDO MEDO EM AÇÃO

  As mulheres e o medo de agir por  Karen Horney Tradução  |  Larissa Ramos da Silva   Palestra proferida em 1935 na National Federation of ...