quinta-feira, dezembro 28, 2023

PSICANÁLISE: O TEMPO DA SESSÃO







Perante o sintoma todo relógio é mole 

Antonio Quinet 

 

Todas as tentativas de Freud de fixar o tempo de uma análise fracassaram quando não causaram dano maior ao paciente, como no caso, segundo Lacan, do Homem dos Lobos. Tampouco há como prever o tempo de duração de entrevista prévia e necessária a essa entrada. E, uma vez estabelecida a transferência analítica duas vertentes temporais estarão em jogo: a vertente sem fim, própria à cadeia significante do sujeito e a vertente disruptiva e atemporal do ser em sua modalidade de gozo. A primeira é a vertente interminável que inclui a temporalidade da sucessão própria à associação livre com o passado; presente; futuro, a retroação característica da experiência de significação na rememoração e a prospecção que o futuro infinito do desejo imprime no Inconsciente. A segunda é a vertente terminável conceitualizada como o encontro com o rochedo da castração e por Lacan como "a solução do enigma do desejo do analista que lhe entrega seu ser cujo valor se escreve () ou (a)". (Cf. Proposição). 

A teoria dos nós e do sinthoma na última parte do ensino de Lacan não modificam essas duas vertentes nem eliminam as dimensões do simbólico do inconsciente e do real do gozo. À pergunta sobre qual será a duração do tratamento analítico a única resposta verdadeira continua sendo a pronunciada por Freud: “Ande!”. 

O tema do nosso Encontro reafirma a posição do analista quanto ao tempo, quando escolas de psicanálise que se reivindicam do ensino de Lacan propõem uma "psicanálise aplicada" aos pobres por quatro meses (podendo ser prorrogado para até oito meses) diferenciando; a da "psicanálise pura" para os ricos e os psicanalistas. Um tal desvio da psicanálise é incompatível com seus princípios. Chamar essa terapia de psicanálise é desconsiderar que o sujeito do Inconsciente está também presente com seus desejos e sintomas nas classes mais desfavorecidas, oferecendo para eles esse tipo de tratamento que é um engodo. O preconceito é classificar os inconscientes segundo a classe social em nome de uma caridade. O psicanalista pode e deve atuar na urgência e propor o tratamento psicanalítico para todos que o quiserem sem precisar contrabandear seus fundamentos. É o que diversas Sociedades e Escolas de Psicanálise inclusive a EPFCL e as FCCL, e até mesmo ambulatórios em Universidades, já fazem há muito tempo no Brasil. O analista a partir de seu ato com a oferta cria a demanda de uma análise independente do bolso do sujeito. Padronizar uma psicanálise a curto prazo é ir contra toda a luta de Lacan contra os padrões estabelecidos e burocratizados que impedem a psicanálise de se exercer na sua criatividade e singularidade de cada ato analítico. Estipular um prazo para o tratamento é um empuxo ao furor curandi para fazer desaparecer o sintoma. Essa prática leva ao pior, na medida em que o sintoma é uma manifestação do sujeito que o analista deve antes de tudo acolhê-lo e fazê-lo falar ao invés de tentar liquidá-lo para engrossar as estatísticas dos êxitos da pesquisa científica. Diante do sintoma todo relógio é mole, como o do quadro de Dali. Impor um tempo ao sintoma é uma ingenuidade se não for uma impostura. E além do mais, prometer a reabilitação rápida do doente para que ele volte logo ao mercado de trabalho e ao consumo não seria estar ao serviço do discurso capitalista? Não se pode pagar o alto preço do assassinato do sujeito com vistas a não se perder o trem-bala da contemporaneidade. Isto não é estar à altura da subjetividade de sua época e sim submeter a psicanálise aos discursos dos mestres. 

O capitalismo e a tecnociência são as torres gêmeas que sustentam o mal-estar na civilização contemporânea levando-a ao desastre e ao terror. A psicanálise não deve se adaptar ao discurso capitalista com o empuxo-à-fama de seu marketing nem se curvar ao discurso da ciência que rejeita a verdade do sujeito. Ao ceder a elas não há mais lugar para o Inconsciente nem o real do sinthoma. A Escola de Lacan é o lugar do refúgio e crítica ao mal-estar na civilização. 

In: Anais do Campo Lacaniano, 

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