...................29 de abril de 2008 ...................
O Real não é a realidade externa, material ou não, nem muito menos a realidade psíquica de Freud, constituída pela fantasia; o Real é o que subsiste a toda simbolização, é o que sempre resta, o impossível de simbolizar.
Se em Lévi-Strauss o Simbólico é o lugar da cultura, em Lacan o Simbólico não se resume a ela. Para a teoria lacaniana, o Simbólico é a rede significante, o conjunto dos significantes marcado pelo significante da falta de um significante que pudesse totalizá-lo.
O Imaginário não é a imaginação, mas o sistema dos significados ou das significações cristalizadas.
.......................O inconsciente lacaniano
“O inconsciente é estruturado como uma linguagem.”
Ao longo de sua obra, Lacan não cansa de demonstrar a convergência do registro do inconsciente com os processos de simbolização. Isto é, a conjunção do simbólico e do inconsciente. Onde Freud sublinhou a preeminência das palavras, das falas, das associações livres; Lacan formulou a hipótese do inconsciente estruturado como uma linguagem.
Em Função e Campo da Fala e da Linguagem, Lacan nos remete ao jogo do fort-da – Freud, “Além do Princípio do Prazer”, 1920 – como ilustração mais explícita do processo de acesso ao simbólico na criança, ou seja, o controle simbólico do objeto perdido.
Tal era o jogo completo observado por Freud:
“Um dia fiz uma observação que confirmou minha forma de ver. A criança tinha um carretel de madeira amarrado a um cordão. Não lhe ocorria, em nenhum momento, por exemplo, a idéia de puxá-lo para brincar de carro; lançava, porém, com grande destreza, o carretel amarrado ao cordão, por baixo da borda de sua caminha, onde este desaparecia, enquanto ele pronunciava um o-o-o-o rico em sentido; a seguir, ele retirava o carretel para fora da cama, puxando o cordão, e saudava então sua reaparição com um alegre da. Assim era o jogo completo: desaparecimento e retorno; quase só se via o primeiro ato, que era incansavelmente repetido por si só como um jogo, embora não restasse dúvida de que o maior prazer ligava-se ao segundo ato.”
Eis a interpretação que Freud lhe deu: “A interpretação do jogo não apresentava mais dificuldades. O jogo estava em relação com os importantes resultados de ordem cultural obtidos pela criança, com a renúncia pulsional que havia realizado (renúncia à satisfação da pulsão) para permitir as ausências de sua mãe sem manifestar oposição. Ela encontrava uma reparação, por assim dizer, encenando ela mesma, com os objetos a seu alcance, o mesmo desaparecimento-retorno”.
Não se pode encontrar um melhor exemplo da expressão lacaniana substituição significante do que o fort-da. O jogo infantil se constitui de um duplo processo metafórico. O carretel, como tal, já é uma metáfora da mãe: o jogo presença/ausência é outra, já que simboliza os retornos e as partidas. Por outro lado, a atividade lúdica da criança – e aí reside o mais instrutivo da observação de Freud – prova que ela inverteu completamente a situação em seu proveito.
“A considerar as coisas sem idéias preconcebidas, temos a sensação de que a criança transformou sua experiência em jogo por um outro motivo. Estava passiva, à mercê dos acontecimentos; mas eis que ao repeti-los, por mais desagradáveis que seja, como um jogo, ela assume um papel ativo”.
De fato, a criança transformou a situação, posto que de agora em diante é ela que abandona sua mãe simbolicamente. A inversão simbólica operada é a justificativa mais evidente da atualização de um processo de controle: “a criança fez-se mestre da ausência graças a uma identificação”. Era a mãe que a repelia ausentando-se; agora é ela que repele a mãe ao arremessar o carretel. Daí a jubilação intensa da criança ao descobrir seu controle da ausência do objeto perdido (a mãe). Em outras palavras, o fort-da nos indica que ela consegue doravante controlar fundamentalmente o fato de não ser mais o único e exclusivo objeto do desejo da mãe, isto é, o objeto que preenche a falta do Outro, ou seja, o falo. A criança pode então mobilizar seu desejo, como desejo de sujeito, para objetos substitutos ao objeto perdido. Mas, antes de qualquer coisa, é o advento da linguagem (o acesso ao simbólico) que irá tornar-se signo incontestável do controle simbólico do objeto perdido, através da realização da metáfora do Nome-do-Pai, sustentada pelo recalque originário
O recalque originário aparece como processo fundamentalmente estruturante e que consiste numa metaforização. Esta metaforização não é outra senão o ato mesmo da simbolização primordial da Lei, que se efetua na substituição do significante fálico pelo significante Nome-do-Pai.
Neste processo dá-se a experiência subjetiva por meio da qual a criança irá subtrair-se a uma vivência imediata, para lhe dar um substituto. É o sentido da fórmula lacaniana: “é preciso que a coisa se perca para ser representada”. A vivência imediata da criança funda-se no modo de expressão de sua captura na dialética do ser: ser o único objeto do desejo da mãe, ser o objeto que preenche sua falta, ser seu falo. Para dar um substituto a essa vivência no ser, a criança deverá aceder à dimensão do ter. Ora, aceder a tal dialética supõe que a criança esteja apta a distinguir a si própria da vivência e do substituto simbólico convocado para representá-la. Em outras palavras, a operação necessita que a criança seja conduzida a colocar-se como sujeito, e não mais apenas como objeto do desejo do Outro. O advento desse sujeito atualiza-se numa operação inaugural de linguagem, na qual a criança se esforça por designar simbolicamente sua renúncia ao objeto perdido. Tal designação só é possível se estiver fundada no recalque do significante fálico, nomeado também significante do desejo da mãe.
Inconsciente /...... Cadeia falada_____→
................S1 / ..........S2... S3........S4........S5
..................../
................recalque
................../
................./
...................................Metáfora Paterna
A metáfora Paterna – Metáfora do Nome-do-Pai – é antes de tudo uma substituição significante. O significante do desejo da mãe é recalcado – passado para baixo da barra da significação – em benefício de um significante novo: o significante Nome-do-Pai.
Operação simbólica, a metáfora do Nome-do-Pai tem valor de corte fundador do sujeito do inconsciente: o significante do desejo da mãe, proibido para sempre, persiste no estado inconsciente, porque recalcado, mas insiste em se re-presentar compulsivamente, repetitivamente. Para exprimir seu desejo impossível e reiterar sua demanda, o sujeito não tem mais outra saída senão pendurar-se na cadeia metonímia do discurso.
Nome-do-Pai.......... Desejo da mãe →→→Nome-do-Pai A
Desejo da Mãe....... Sigdo do sujeito .....................Falo
.
.............S2 ..S1 →→→→ S2 I
.............S1.. s1............ s1
......................A arbitrariedade do Signo
Aceitar a tese lacaniana de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem corresponde a aceitar a aplicação do princípio da arbitrariedade do signo lingüístico aos conteúdos do inconsciente. A noção de arbitrariedade do signo lingüístico refere-se ao fato de que o laço que une o significante e o significado é arbitrário, isto é, não natural.
A linguagem não é uma nomenclatura. O signo lingüístico não é constituído pela união de uma coisa e um nome, mas pela união de um conceito (significado) a uma imagem acústica (significante).
Por isso mesmo, um significante só se define por outro significante, na medida em que a língua é uma estrutura de pura diferença sem termos positivos.
Se fosse possível estabelecer uma relação fixa entre o objeto e o signo, a linguagem seria transformada num mero sistema de sinais, análogo ao que podemos encontrar no mundo animal.
Este é um dos pontos que nos permite a aproximação da Vorstellung freudiana ao signo lingüístico, assim como sua equiparação ao significante lacaniano. Se a representação-coisa fosse concebida por Freud como representação de coisa, isto é, como imagem mental, representando por semelhança a coisa externa, ela seria apenas um ícone dessa realidade externa.
Mesmo no caso das representações Pcs/Cs, Freud não hesita em afirmar que seu significado decorre não da relação que a representação mantém com a coisa externa, mas da relação que ela mantém com a representação-palavra.
As representações podem conter um índice da exterioridade, mas seu caráter de significante não decorre de sua relação com a exterioridade do objeto. Se não é a coisa externa que fornece à representação seu significado, este só pode resultar da relação que cada representação mantém com as demais. Ora, quando um signo significa, não por sua relação com a coisa mas por sua relação com os demais signos, temos precisamente a característica fundamental do signo lingüístico: a arbitrariedade.
Para não incorrer no erro de simplesmente assimilar a Vorstellung freudiana – ou mesmo o significante lacaniano – ao signo lingüístico, é importante assinalar algumas distinções:
- Para Saussure, o signo lingüístico une um significado e um significante, sendo que esta união constitui uma unidade. Enquanto que, para Lacan, o significante possui uma extensão maior, abarcando significantes não lingüísticos. Para a psicanálise, um significante pode ser uma palavra, mas pode ser também um sintoma corporal, um lapso, um sonho, um gesto, um som, um silêncio.
- A articulação do significante psicanalítico com o corpo.
- Se por um lado o Vorstellung articulado com os demais Vorstellung formam uma rede significante, por outro lado ele é uma forma de presentificação da pulsão.
- Uma outra diferença importante entre a concepção psicanalítica do significante e os signo lingüístico é a implicação de sujeito, essencial à primeira e ausente no segundo. (Um significante representa um sujeito para outro significante).
Para Lacan, o inconsciente freudiano, ainda que estruturado como uma linguagem nas suas formações, é marcado por uma hiância, uma fenda, algo de não-nascido, real, impossível de simbolizar, da ordem do “não-realizado”.
Em torno desta fenda – real - que se tece a trama das representações, da Vorstellung freudiana e do significante lacaniano, segundo certas leis. Portanto, o inconsciente lacaniano não é um sistema categorial ou combinatório, sem referência a um sujeito.
O inconsciente não é uma realidade onde estariam escondidas as suas fantasias, suas tendências ocultas. Não se trata de nenhum conteúdo já dado que marque pela profundidade a subjetividade. Para Laca, o inconsciente, como simbólico, é uma exterioridade; como real, ele se faz ser, encontra-se numa zona que não é do ser nem do não-ser, zona de limbo, do vir-a-ser.
A presença de uma teoria do sujeito no pensamento lacaniano – “sujeito do inconsciente” – vai afastá-lo de Lévi-Strauss e dos demais participantes do movimento estruturalista que tendiam a subsumir o conceito de sujeito ao conceito de estrutura.
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