Jacques Lacan e a Voz
Jacques-Alain
Miller
Jacques
Lacan deu um lugar específico à voz na psicanálise. Voltarei, aqui, minha
atenção para as vias pelas quais ele se viu levado, em seu ensino, a dar à voz um
estatuto de objeto, dito objeto a, com minúscula, naquilo que chamou de sua
álgebra.
A
meu ver trata-se de uma inovação na psicanálise. Com efeito, a tradição
psicanalítica, desde Freud, Abraham, Melanie Klein, havia, é verdade, destacado
a função do objeto, mas para pôr toda a ênfase sobre dois objetos hoje bem
conhecidos para além da prática analítica: o objeto oral e o objeto anal, dos
quais se supunha serem sucessivamente prevalentes na cronologia do
desenvolvimento – o desenvolvimento do indivíduo ou, de maneira mais precisa, o
da libido tendo como fim sua convergência no objeto genital.
Em
outras palavras, não se esperou Lacan para situar na psicanálise a função do
objeto, mas esses dois objetos foram inscritos em estágios do desenvolvimento.
É um fato histórico da psicanálise que enquanto o ponto de vista diacrônico,
cronológico da relação de objeto comandou a perspectiva o objeto vocal ficou
despercebido. O objeto vocal só apareceu na psicanálise quando a perspectiva
foi ordenada com relação a um ponto de vista estrutural.
O
que é o ponto de vista estrutural em psicanálise? É o ponto de vista que Lacan
inaugurou – não foi o único que ele adotou –, fornecendo o estatuto ao
inconsciente a partir da estrutura da linguagem, tal como foi apresentada por
Saussure e desenvolvida por Jakobson. Ele consiste, de entrada, em anular as
questões de gênese e operar uma separação na teoria do desenvolvimento da
libido. De um lado ficará o que comporta o ponto de vista genético, ou seja, a
teoria dos estágios, incessantemente utilizada; de outro lado aquilo para o
qual os estágios serviam de roupagem, os dois objetos que ali se encontram,
caídos dessa catástrofe.
Desde
então, o ponto de vista estrutural nos obriga igualmente a remanejar a noção de
indivíduo, suporte do desenvolvimento, para substituí-lo por um conceito diferente,
o de sujeito – que não é o suporte do desenvolvimento, nem mesmo o suporte da
estrutura. É exatamente o que supõe a estrutura. Nisso, o sujeito é o sujeito
do significante; é a única coisa que dele sabemos; ele é suposto pela estrutura
da linguagem. As teses de desenvolvimento genético dão lugar, então, à tese de causação
estrutural do sujeito e o objeto se vê então, pela mesma via, arrancado do
quadro diacrônico no qual primeiro se viu inscrito na psicanálise por ter que
se encaixar nas operações de causação do sujeito. O problema deixa de ser um
problema temporal. Ele não é mais formulado em termos de sucessão – de
progressão ou de regressão –, mas em termos estruturais.
Então,
como a função de objeto, tal como é trabalhada na psicanálise desde Freud,
consegue se inserir nas relações de sujeito e da estrutura da linguagem? Essa questão
é problemática em dois pontos.
Primeiro,
como pode ser formulada a relação do objeto com a estrutura linguística? Como,
visto que o objeto – inclusive o objeto oral e o objeto anal – não é um
elemento da estrutura linguística, a partir do momento em que ele não é nem
significante, nem significado? Se Lacan escreve o objeto com a letra a, é para
distingui-lo de todas as notações do significante ou do significado, para as
quais ele usa diferentes tipos de S – maiúsculo, minúsculo, itálico, etc. Lacan
coloca o objeto à parte da estrutura linguística escrevendo-o com uma letra que
ele não declinará.
Em
seguida, como será que, apesar disto, existe uma relação entre esse objeto que
não é significante e um sujeito, definido inversamente como suposto pela
estrutura da linguagem, ou seja, um sujeito definido como sujeito do significante?
É um problema completamente matricial no ensino de Lacan, sobre o qual ele
trabalhou durante longos anos para fazer concordar essas duas exigências que
podem parecer habitadas por uma antinomia.
Justamente
no caminho da resolução desses problemas Lacan encontrou o que podemos chamar
de dois novos objetos na psicanálise: o objeto vocal e o objeto escópico, a voz
e o olhar, que generalizam o status do objeto na medida em que não são
situáveis em nenhum estágio. Não existe nem estágio vocal, nem estágio
escópico.
Para
o objeto escópico, para o olhar como objeto a Lacan reservou um
desenvolvimento hoje famoso em seu seminário Os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise, aproveitando a publicação do livro póstumo de
M. Merleau-Ponty, O visível e o invisível. Existe, para isso, uma razão
que não só a do acaso, embora o acaso tenha tomado parte nisto. Lacan, de fato,
tratando do objeto olhar, aproveitou para corrigir o sentido daquilo que ele
mesmo tinha introduzido, o também muito famoso estágio do espelho.
De
fato, na mesma medida em que a relação especular do “eu me vejo me vendo”,
suporta as identificações imaginárias – e, no fundo, o espelho está aí para materializar
a imagem –, ela dissimula a distinção que deve ser feita entre visão e olhar;
entre a visão como função do órgão da vista e o olhar, seu objeto imanente,
onde se inscreve o desejo do sujeito (e que não é um órgão, nem função de
biologia alguma).
Não
temos no ensino de Lacan um desenvolvimento comparável sobre o objeto vocal.
Esse desenvolvimento pode, no entanto, ser esboçado tendo como modelo a
articulação entre o olho e o olhar, sem que seja necessário introduzir uma
mediação como a do espelho. O espelho é necessário para produzir o “se ver a si
mesmo”, enquanto que o “se ouvir a si mesmo” já está presente no mais íntimo da
subjetividade – ou, para expressá-lo como Husserl, na “presença a si do presente
vivo da subjetividade”.
Mas,
seguindo o modelo da “esquize”, da oposição, da antinomia entre olho e olhar,
por que não introduzir uma antinomia entre a orelha e a voz? Isso já basta
para, de relance, deixar claro que a voz como objeto a não pertence de
maneira alguma ao registro sonoro – da mesma maneira que o olhar como objeto a,
no Seminário 3 pode se exemplificar bem pelo barulho que surpreende o
voyeur na análise que Lacan toma emprestada de Sartre. Evoco os nomes de
Merleau-Ponty e de Sartre, pois todas as construções de Lacan estão de fato em
constante relação com as análises fenomenológicas.
Apesar
da voz como objeto a em nada pertencer ao registro sonoro, isso não
impede que as considerações que podem ser feitas sobre a voz, por exemplo, a
partir do som como distinto do sentido ou sobre todas as modalidades de entonação,
só possam se inscrever na perspectiva de Lacan se forem ordenadas a partir da
função da voz, se assim posso dizê-lo, como a-fônica. Isso é sem
dúvida um paradoxo, mas que diz respeito ao fato dos objetos ditos a só
poderem se afinar com o sujeito do significante se perderem toda
substancialidade, se estiverem centrados por um vazio que é a castração.
Enquanto
eles são oral, anal, escópico, vocal, os objetos situam-se em torno de um vazio
e é nesta condição que diversamente o encarnam. Ou seja, cada um desses objetos
é sem dúvida especificado por certa matéria, mas é especificado por essa
matéria na medida em que a esvazia. E é por isso que o objeto a na verdade
é, para Lacan, uma função lógica, uma consistência lógica que consegue se encarnar
naquilo que cai do corpo sob a forma de diversos dejetos. Ou seja, é
fundamental um critério para poder assinalar essa letra a a objetos;
podemos enunciar esse critério nos termos do Homem dos lobos: que seja uma pequena
coisa separável do corpo.
O
que fez Lacan prolongar a lista freudiana de objetos com a voz e o olhar? A
resposta é simples: a experiência clínica. Não é uma meditação na solidão do
monólogo do sujeito consigo mesmo, no caso do objeto voz. É uma experiência
clínica, na qual o olhar e a voz se manifestam sob formas separadas, com um
evidente caráter de exterioridade em relação ao sujeito.
Ou
seja, foi a experiência clínica da psicose que levou Lacan a estender a lista
freudiana. Podemos dizer que, de algum modo, estes objetos eram conhecidos
pelos psiquiatras e que a teoria da voz e do olhar como objetos a vem do
cruzamento da experiência psiquiátrica de Lacan e da teoria dos estágios de
Freud, influenciada pela estrutura da linguagem de Saussure. É do delírio de
observação que Lacan extraiu o objeto escópico, pois esse delírio torna manifesta
a presença separada e exterior de um olhar sob o qual cai sujeito. Da mesma
forma, é dos fenômenos do automatismo mental – assim nomeado desde Clérambault,
que Lacan reconhecia como seu único mestre em psiquiatria – que Lacan extraiu o
objeto vocal. Ali, fala-se de vozes mesmo sendo elas todas imateriais e que nem
por isso deixam de ser para o sujeito perfeitamente reais. Elas até chegam a ser
aquilo do qual ele não pode duvidar, sem que ninguém consiga registrá-las. Não
é a materialidade sonora delas que está no primeiro plano.
Há
lógica, portanto, que seja em seu escrito sobre a psicose onde encontremos a
mais desenvolvida articulação da relação do sujeito e da voz. Ela comporta,
como, aliás, aquilo que desenvolveu em seu seminário5 sobre a articulação do
sujeito e do olhar, uma confrontação com Maurice Merleau-Ponty – na escrita ela
permanece implícita – e precisamente uma confrontação com a Fenomenologia da percepção,
na qual encontramos uma teoria bastante desenvolvida da alucinação verbal
motora.
Existe
uma necessidade lógica – que mereceria o desenvolvimento da confrontação de
Lacan e Merleau-Ponty sobre a questão da alucinação verbal motora – para o fato
de Lacan ter encontrado a voz antes do olhar, dado que tomou a função da fala
no campo da linguagem como ponto de partida para entender a experiência
psicanalítica. Eu diria que a instância da voz merece inscrever-se como um
terceiro entre a função da fala e o campo da linguagem.
Podemos
começar pelo fato de que a função da fala é que confere um sentido às funções
do indivíduo. Essa fala amarra um ao outro: o significado – ou melhor, o “a significar”,
aquilo que se deve significar – e o significante. Esse enlaçamento comporta um
terceiro termo, que é o da voz. Se estabelecermos que podemos falar sem voz,
apenas por afirmar isso, podemos inscrever no registro da voz o que constitui
resíduo, resto de subtração da significação ao significante. E, em uma primeira
abordagem, podemos definir a voz como tudo que, do significante, não concorre
para o efeito de significação. É o que comporta um esquema muito simples de
Lacan.
__________________Castração
Gozo do /
Vivente /
/
____________________Voz
Significante
/
Intenção de significação
Esse
esquema apresenta a operação da fala a partir do cruzamento de dois vetores: o
da intenção de dizer, da intenção de significação, que só pode se realizar
cruzando o vetor do significante. A voz é tudo aquilo que, do significante, não
concorre para o efeito de significação. O que, então, comporta o ponto de vista
estrutural é que a intenção de significação só se realiza se encontrar, no vetor
do significante, o que constitui sua estrutura tanto como léxico quanto como
sintaxe. Inscrever a voz aqui a instala, de saída, em uma posição de resto.
O
segundo vetor que Lacan inscreve neste esquema encarna a dinâmica do vivo e,
simetricamente, o que é o gozo do vivente, que, ao atravessar a estrutura,
aparece sob os auspícios da castração. É pertinente, aqui, refletir sobre as
posições simétricas da voz e da castração.
A
voz lacaniana, a voz no sentido dado por Lacan, não somente não é a fala, como
em nada é o falar. Temos visto se desenvolver uma linguística da entonação, que
para muitos linguistas parece ser um exercício limítrofe. Ela busca definir o
que seriam os significantes da entonação segundo os efeitos de sentido dos
quais eles se encarregam. A esse respeito, a linguística da entonação nada tem
a ver com a voz lacaniana que não é entonação, já que sua posição é
essencialmente fora do sentido. Pode-se pensar que o que Lacan chama de voz
seja aparentado com a entonação e suas modalidades. Não creio que seja este o
objetivo dele na medida em que essa linguística da entonação só é possível se
encontrarmos de maneira definitiva os efeitos de sentido aí produzidos.
Neste
sentido, a voz, no uso muito especial que Lacan faz desse termo, é sem dúvida
uma função do significante – ou melhor, da cadeia significante como tal. “Como
tal” implica que não é somente a cadeia significante como falada ou entendida,
também pode muito bem ser enquanto lida e escrita. O ponto crucial dessa voz é
que a produção de uma cadeia significante – eu lhes digo nos termos mesmos de Lacan
– não está ligada a este ou aquele órgão dos sentidos, a este ou aquele
registro sensorial.
É
bem verdade que encontramos em Lacan um esboço da fenomenologia da fala que tem
como objetivo mostrar os paradoxos da percepção da palavra. Estes paradoxos consistem
em que o sujeito se mostra ali essencialmente paciente, ou seja, suporta os
efeitos dela. Sem desenvolvê-lo, assinalo que essa fenomenologia, antes de mais
nada, tem que dar lugar à análise da percepção que o sujeito tem da fala do
outro, no sentido que toda fala do outro inclui uma sugestão fundamental. Isso
é bem ilustrado pelo fato de todo mundo poder ficar quieto durante um dia
inteiro ouvindo a fala de outro – ouvir ou dormir. Isso não quer obrigatoriamente
dizer que a ela obedeçamos. Essa sugestão inclui eventualmente uma desconfiança
com relação à fala do outro: “Ele está dizendo isso, mas o que realmente quer dizer? Ele diz isso, mas foi mesmo ele que
chegou a essa conclusão?”. Essa desconfiança se inscreve na linha dessa sugestão,
como um estado de alerta no qual o sujeito fundamentalmente se coloca com
relação à sugestão que vem bem naturalmente da fala do outro.
Por
outro lado, a percepção da própria fala pelo sujeito inclui também certo número
de paradoxos. Um exemplo entre os paradoxos que Lacan assinala é que o sujeito
não pode falar sem também se ouvir, ou seja, sua própria fala inclui uma
reflexividade espontânea, digamos assim, uma auto-afetação que sempre encanta o
analista acerca dos fenômenos da consciência. Mas esse ‘ouvir-se’ é diferente do
‘escutar-se’ – em que uma atenção aplicada corrige, vem retomar essa
refletividade espontânea. Quanto a isso, podemos notar que o sujeito não pode
se escutar sem se dividir. Numerosas experiências mostram como, por exemplo, se
através de fones de ouvidos fizermos o sujeito ouvir sua própria fala com uma
pequena defasagem de tempo, ele se enrola completamente no que diz.
No
mesmo capítulo da percepção da própria fala pelo sujeito, temos que inscrever o
que é devido à observação psiquiátrica, ou seja, que à alucinação corresponde
no sujeito o esboço de movimentos fonatórios, o que, eventualmente, pode ser
observado. Tratando do que nos ocupa, da alucinação verbal, isso nos leva a
afirmar que ela repousa, por parte do sujeito, em um desconhecimento de sua
própria atividade, ou seja, da imputação feita ao sujeito, de ser constituinte,
de ser responsável pela alucinação.
A
perspectiva estrutural, na qual está inscrito o conceito de voz em Lacan, é
completamente diferente. É a perspectiva segundo a qual o sujeito do
significado é constituído a partir da cadeia significante – ele não é constituinte,
mas sim, constituído. É a cadeia significante e sua estrutura que aqui dominam.
Neste ponto, podemos formular que a voz é uma dimensão de qualquer cadeia significante,
na medida em que qualquer cadeia significante – sonora, escrita, visual, etc. –
comporta uma atribuição subjetiva, ou seja, designa um lugar para o sujeito. E
essa atribuição subjetiva, na regra, diz Lacan, é distributiva, ou seja, não é
de maneira alguma unívoca.
Na
regra, uma cadeia significante designa vários lugares subjetivos. Isto não
escapou a uma linguística que considera que todo discurso comporta fundamentalmente
menções, que todo discurso é, neste sentido, fundamentalmente um discurso
indireto, que não existe discurso sem que, na própria enunciação, o sujeito não
esteja recuado, e não se organize, não tome distância com relação àquilo que
diz. Vocês sabem que chegamos a ponto de fazer da negação tal menção – é
necessário que haja antes a posição do termo, e em seguida, a negação do termo
préposto. É exatamente aí que Lacan usa inicialmente o termo voz: toda
cadeia significante é “a várias vozes” – o que de fato faz equivaler voz e
enunciação.
Esta
análise precede, em seu escrito sobre a psicose, suas considerações sobre uma
famosa alucinação trazida por uma paciente do hospital Sainte-Anne que ouviu do
vizinho a injúria “porca”. Lacan destaca que ele conseguiu obter desta paciente
o que precede a injúria: a frase, completa – “estou vindo do salsicheiro”.
Qual
é o ponto crucial da análise de Lacan? É que ele considera o conjunto formado
pelo insulto e por essa frase como uma cadeia significante que foi quebrada, ou
seja, em que se produziu uma distribuição de designação subjetiva. O “estou
vindo do salsicheiro” é atribuído ao sujeito, que pode então reconhecer que ele
o pensou, enquanto que a palavra “porca” foi arrancada dessa cadeia
significante para ser atribuída ao Outro. Podemos sem dúvida aqui reconhecer,
na frase “Porca, eu venho do salsicheiro”, a fantasia de despedaçamento desta
paciente que assim, na palavra “porca”, ouve ecoar a fala de seu ser.
É
a carga afetiva ou, digamos, libidinal da palavra “porca” que opera uma ruptura
na continuidade da cadeia significante e uma rejeição para o real. Quanto a
isso, Lacan chama voz um efeito de foraclusão do significante, que de
maneira alguma é redutível, como a vulgata desejaria, à famosa foraclusão do
Nome-do-Pai. Na medida em que um pedaço de cadeia significante, quebrado por
aquilo que por enquanto chamamos de carga libidinal, não pode ser assumido pelo
sujeito, ele passa para o real e é atribuído ao Outro. A voz aparece em sua
dimensão de objeto quando é a voz do Outro.
O
que realmente deve ser levado em consideração aqui? Seria o tom de voz do
insulto? Afinal de contas, se tivesse sido dito ao pé do ouvido e baixinho,
isso não deixaria de ser para o sujeito um insulto. O que importa é que essa
voz venha do Outro. Neste sentido, a voz é a parte da cadeia significante que
não pode ser assumida pelo sujeito como “eu” (je), e que é
subjetivamente atribuída ao Outro. Mas, no fim das contas, “porca” é também uma
palavra, um significante que produz um efeito de significado, que chamamos
insulto. Estaríamos, então, ainda no registro propriamente do significante e do
significado? Não devemos obliterar o que rapidamente chamamos de “carga
libidinal” desse termo. Ela comporta, dizendo em outras palavras que só
deslocam ligeiramente aquilo vocês aceitaram até agora, uma carga de gozo –
faço aqui uma verdadeira equivalência entre gozo e libido – que
não pode ser integrada à cadeia significante.
Quanto
a isto, a voz entra no lugar daquilo que, do sujeito, é propriamente indizível
e que Lacan chamou de seu “mais-de-gozar”. A castração, da qual falei
rapidamente um pouco significa que não ouvimos voz alguma no real, que ali somos
surdos. Onde então se encontra a instância da voz quando falo? Não é o tom no
qual falo, mesmo se posso variá-lo segundo os efeitos de sentido que quero
produzir. Não é simplesmente que minha voz gravada me parecerá como sendo de
outro. A instância da voz está sempre presente a partir do momento em que tenho
que achar minha posição com relação a uma cadeia significante, na medida em que
esta cadeia se mantém sempre relacionada ao objeto indizível. Neste sentido, a
voz é exatamente aquilo que não se pode dizer.
É
por isso que podemos dizer do psicótico, este que está sujeito ao automatismo
mental, que ele é um homem livre. Ele é o homem livre do Outro, porque a voz do
Outro já se encontra com ele, porque o Outro já lhe respondeu.
Para
os que nela se inscrevem, a castração quer dizer que serão para sempre
pedintes. É por isso que são os objetos tomados na demanda – o objeto oral e o
objeto anal – que na análise apareceram no primeiro plano, antes da voz, este
objeto do desejo.
Há
voz pelo fato do significante girar em torno do objeto indizível. E a voz, como
tal, emerge toda vez que o significante se quebra, e vai se reunir a esse
objeto no horror.
Se
eu tivesse que formular a invocação de toda a cadeia significante, eu a diria
assim: “Não me dê o que te peço, pois não é o que desejo”. Mas talvez possamos
dizê-lo ainda mais brevemente, sob a forma de uma injunção dirigida ao Outro:
“Cala-te!”.
Não
nos servimos, portanto, da voz. Ela habita a linguagem, ela a assombra. Basta
que se diga para que emerja, para que apareça a ameaça daquilo não se pode dizer.
Se falamos tanto, se fazemos colóquios, se conversamos, se cantamos e ouvimos
os cantores, se fazemos e ouvimos música, a tese de Lacan comporta que é para calarmos
aquilo que merece ser chamado de voz como objeto a.
Tradução:
Lourenço Astua de Moraes e Renata Ceccheti
Versão
final: Marcus André Vieira
Fonte: Opção Lacaniana, n.11
Site:EBP
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