quarta-feira, outubro 13, 2010

Conviete do Professor Denilson

Amigos,
O livro que organizamos - Cinema,Globalizacao e Interculturalidade -sera lancado no Rio de Janeiro no dia 18 de outubro (segunda-feira), 19 h, na Blooks Livraria ( dentro do Arteplex Unibanco de Cinema ) Praia de Botafogo 316 (tel: 25598776). Acreditamos ser uma contribuicao para compreender o cinema, e talvez não só, para alem do nacional. 
O livro também pode ser adquirido diretamente pelo site www.unochapeco.edu.br/argos.
Claro, se puderem repassar a quem possa se interessar agradecemos.
Abraços e contamos com sua presença,


Andréa França e Denilson Lopes

quinta-feira, outubro 07, 2010

Complexo de Édipo

  • Sófocles – Édipo Rei
Freud transforma o drama edípico em um drama universal.
Todo ser humano se vê diante da tarefa de superar o complexo de Édipo”. (Freud)

  •  1897 – carta a Fliess – A primeira vez que Freud faz menção a tragédia e Sófocles.
  •   1910 – Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens. Neste texto, aparece pela primeira vez o termo complexo de Édipo.

  •  Na teoria freudiana, a noção de complexo de Édipo não fala da sexualidade infantil. Ela fala da entrada do sujeito nas leis da linguagem. A sexualidade só vai adquirir o seu estatuto teórico conceitual em os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, de 1905.

  •  Podemos pensar o complexo de Édipo sob duas variáveis:
 1. A construção antropológica do sujeito.
Conforme Claude Lévi-Strauss, a diferença entre natureza e cultura é determinada pelo interdito. Enquanto o natural é aquilo que é constante e universal para todos os indivíduos da espécie, o cultural é caracterizado pela regra, pela norma, e pertence ao domínio dos costumes e das instituições. A proibição do incesto é um interdito que possui a universalidade do que é natural mas que enquanto lei, é estritamente social. Assim, para Lévi Strauss, o interdito - a proibição do incesto - por seu caráter universal, é uma espécie de síntese da natureza e da cultura e um lugar privilegiado da passagem de uma para a outra.
Para a psicanálise, falar em complexo de Édipo não é a mesma coisa que falar na proibição do incesto. Não é só uma transposição da lei cultural. A proibição do incesto é uma regra referente às alianças e às trocas no interior do grupo social, enquanto o complexo de Édipo diz respeito ao desejo. Uma coisa é a mulher entendida como objeto de troca, outra é a mulher entendida como objeto de desejo. O que está em jogo no complexo de Édipo não é a troca, mais a mulher enquanto objeto de amor.


2. Um processo de produção do ser falante inserido num complexo campo de intersubjetividade. Isto é, a construção do sujeito na Cultura.
Sob esta perspectiva, o complexo de Édipo constitui-se no conjunto de relações que a criança estabelece com as figuras parentais e que compõem uma rede em grande parte inconsciente de representações e de afetos, fundamentais ao processo da construção da subjetividade.
Assim, o complexo de Édipo torna-se a estrutura que organiza o devir humano – o vir a ser - em torno da diferença dos sexos e da diferença das gerações.

  • O complexo de Édipo assume toda sua dimensão de conceito fundador quando Freud o articula com o “complexo de castração”. Este último, ao provocar a interiorização da interdição dos dois desejos edipianos (incesto materno e assassinato do pai), abre o acesso à cultura pela submissão e a identificação com o pai portador da lei que regula o jogo do desejo.


  • No primeiro momento, é em torno do modelo masculino que Freud elabora sua teoria do Édipo. A formulação do complexo de Édipo é então a seguinte: o desejo sexual pela figura parental do outro sexo e o desejo assassino pela figura do mesmo sexo (forma positiva). O desejo erótico pela figura parental do mesmo sexo e o ódio ciumento à do outro sexo (forma negativa).

  • A partir dos anos 20, a teoria da castração o leva a romper com toda simetria entre o Édipo do menino e o Édipo da menina. O conflito edipiano se constitui no momento do estádio fálico, quando um só órgão sexual é reconhecido pelas crianças dos dois sexos: o pênis, que classifica os seres humanos em fálicos e castrado(a)s. A partir de então, instaura-se uma dissimetria radical entre o desenvolvimento psicossexual do menino e o da menina. O menino sai do complexo de Édipo pela angústia da castração e nele o supereu (superego) é o herdeiro do complexo de Édipo (interiorização da interdição paterna). A menina ingressa no conflito edípico pela descoberta de sua castração e a inveja do pênis, o supereu se constitui com dificuldade nela, que tem de fazer do pai o objeto de seu desejo, e o tornar-se mulher é um percurso obscuro.
Texto de Freud:
Cartas a Wilhelm Fliess
A interpretação dos Sonhos
Totem e Tabu
Bate-se numa Criança
O eu e o isso
A dissolução do Complexo de Édipo
A Feminilidade

quinta-feira, agosto 19, 2010

FREUD - TEXTOS CLÍNICOS

Textos de Freud sobre a teoria psicanalítica


Volume – VII

O Método psicanalítico de Freud. 1904 [1903]

Sobre a psicoterapia. 1905 [1904]

Tratamento psíquico (ou mental). 1905


Volume XI

As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica. 1910

Psicanálise ‘silvestre’. 1910


Volume XII

Sobre o início do tratamento (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I). 1913

Sobre a psicanálise. 1913 (1911)


Volume XIII
O interesse científico da psicanálise. 1913
Observações e exemplos da prática psicanalítica. 1913
Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar. 1914


Volume XIV

A história do movimento psicanalítico. 1914



Volume XV

Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. 1916-1917

I. Parapraxias
II Sonhos


Volume XVI
Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (continuação)

Parte III - Teoria Geral das neuroses. 1917


Volume XVII

Uma dificuldade no caminho da psicanálise. 1917

Linhas de progresso na terapia psicanalítica. 1919 [1918]

Sobre o ensino da psicanálise nas universidades. 1919 [1918]


Volume XVIII

Uma nota sobre a pré-história da técnica de análise. 1920


Volume XIX

Uma breve descrição da psicanálise. 1924 [1923]

As resistências à psicanálise. 1925 [1924]


Volume XX

Um estudo autobiográfico. 1925 [1927]

Psicanálise. 1926 [1925]


Volume XXII

Novas conferências introdutórias sobre psicanálise. 1933 [1932]


Volume XXIII

Análise terminável e interminável. 1937

Esboço de psicanálise. 1940 [1938]

Algumas lições elementares de psicanálise. 1940 [1938]

Freud – casos clínicos

Volume II

Casos clínicos

1. Fraulein Anna O. (Breuer)

2. Frau Emmy Von N.

3. Miss Lucy R.

4. Katharina
5. Fraulein Elisabeth Von R.


Volume VII
Fragmento da análise de um caso de histeria 1905 (1901)
(O caso Dora)


Volume X

Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. 1909

Notas sobre um caso de neurose obsessiva. 1909

(O Pequeno Hans e o Homem dos Ratos)


Volume XII
Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia. (Caso Schreber) 1911


Volume XVII

História de uma neurose infantil. 1918 [1914]
(O Homem dos Lobos)


quarta-feira, agosto 11, 2010

CONVITE



Caros amigos,

Quero convidá-los para o concerto que acontecerá nesta sexta-feira - dia 13 - às 21:00h no Teatro Pedro Ivo Campos. No programa, o concerto Tríplice de Beethoven (assim chamado por ter três solistas junto à orquestra - no caso: piano, violino e violoncelo) e minha mais nova composição: um concerto para piano, violino, viola e orquestra sinfônica. O título dessa obra é Aurora consurgens, alusão a um antigo tratado alquímico (cada um dos quatro movimentos representa uma das fases da alquimia: Nigredo, Albedo, Citrinitas e Rubedo). O violinista, o violista e o violoncelista vieram da Itália especialmente para participar desse evento, são excelentes musicistas (tocam na Sinfônica de Roma).
Nas duas obras farei a parte do piano, e a regência será do maestro Jeferson Della Rocca.

Espero que possam vir.

Alberto Heller

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Aurora Consurgens


Concerto para piano, violino, viola e orquestra


Alberto Andrés Heller


O título ‘Aurora Consurgens’ (que pode ser traduzido por aurora nascente, ou aurora surgente) faz referência a um antigo tratado alquímico (por muito tempo atribuído a Tomás de Aquino) cujo manuscrito original remonta ao século XV. Em linguagem hermética, o texto (constituído em grande parte por passagens bíblicas) revela uma profunda mística espiritual, característica da maioria dos escritos alquímicos.

A antiga alquimia caracteriza-se por uma combinação entre ciência e religiosidade ou, mais especificamente, entre química, física, medicina, astrologia, filosofia, arte e religião. Entre seus objetivos principais destacavam-se a transmutação dos metais inferiores ao ouro (a busca pela pedra filosofal), a obtenção de um remédio que curasse todas as enfermidades e garantisse a vida eterna (o elixir da longa vida) e a criação de vida humana em laboratório (os “homunculus”). Hoje se sabe que essas expressões devem ser compreendidos metafórica e simbolicamente, e que esse tipo de linguagem foi utilizada principalmente por medidas de segurança (em vários momentos da história os alquimista foram perseguidos, por exemplo pela Igreja Católica) e para confundir os leitores “indignos” e leigos ou não iniciados, já que nem todos estariam aptos ou preparados para determinados tipos de informação. Por detrás de experimentos aparentemente bizarros ocultava-se, portanto, a busca pelo desenvolvimento humano e pela transformação do espírito: por meio das operações alquímicas – que visavam a ‘grande obra’ (o “opus alchemicum”) – o alquimista não purificava o metal, mas a si mesmo.

Apesar de haverem obviamente discordâncias e divergências, a maioria dos tratados alquímicos previa para a transformação do metal inferior (geralmente chumbo) em ouro quatro operações, denominadas respectivamente Nigredo, Albedo, Citrinitas e Rubedo. Baseei os quatro movimentos deste concerto nessas operações, razão pela qual falarei um pouco sobre cada uma delas.

1. Nigredo

Toda transformação se inicia (simbolicamente) com a morte ou deterioração daquilo que se tornou antigo e ultrapassado, que não mais nos serve e que nos impede de mudar e crescer, e que precisa portanto “morrer” para dar lugar ao novo (pense-se na aparente morte da lagarta antes de sua transformação em borboleta). Os alquimistas falam aqui em dissolução da matéria ou em putrefação, razão da associação com a cor negra – daí o nome nigredo e da operação ser também conhecida por “operação negra” (ou melanosis). A associação com o chumbo é porque esse seria um metal “inferior” ou “adormecido” – e que precisa ser “despertado”. O estágio inicial é, assim, de crise; e sair dessa crise significa entrar em contato direto com elementos tais como angústia, medo, raiva e desilusão.

2. Albedo

A substância precisa agora ser “purificada”, de onde vem a associação com a cor branca – albedo ou “operação branca” (ou leukosis), representando o poder iluminador da luz sobre a prima matéria. Fala-se muito neste estágio na “lavagem” da substância, onde surgem com freqüência a água, o banho, a imersão e outras figuras análogas (e também a prata e o prateado, bem como a luz lunar). Assim como o cirurgião precisa higienizar suas mãos antes de uma operação, assim também deve proceder a pessoa que deseja entrar em contato com o sagrado.
Não se trata, porém, de um banho “relaxante”, mas de uma experiência intensa e difícil, quase como numa espécie de exorcismo (e me vêm agora à mente as figuras de monstros e demônios presentes à entrada de algumas catedrais européias).
Em relação ao albedo, uma associação que me veio de imediato foi um ritual de purificação comum em muitas tribos indígenas, no qual a pessoa fica por muitas horas (às vezes dias) dentro de uma pequena tenda sob alta temperatura e vapor (quase uma espécie de sauna); submetido assim à elevada pressão e temperatura, o corpo sua, e nesse suor se eliminariam toxinas e outras substâncias, purificando a carne e o espírito. No México esse ritual é conhecido como ‘Temazcal’ – e pensei o segundo movimento do concerto como uma espécie de Temazcal, onde tento, através da música, provocar a taquicardia e a sudorese (especialmente através do uso forte e ininterrupto da percussão - dois atabaques e tímpanos).

3. Citrinitas
Uma vez “putrificada” e depois “lavada”, finalmente a substância está apta a ascender a um grau mais elevado de energia, chegando às vibrações mais sutis – o ouro. O metal foi transmutado do chumbo à prata, e agora da prata ao ouro (da luz da lua à luz solar), o grande despertar. Encontramos aqui todo tipo de associação à luz solar e ao dourado, daí o nome citrinitas – ou “operação amarela” (ou xanthosis).
Elevar uma freqüência exige, porém, intensidade e esforço; a intensidade das operações anteriores ainda se faz sentir aqui.

4. Rubedo
Aparentemente, uma vez alcançado o ouro, não mais se faria necessária outra operação. Mas se faz, sim, pois o ouro, apesar de nobre, é frio. E esse frio precisa ser aquecido, precisa de calor, precisa do vermelho – de onde passamos ao rubedo ou “operação vermelha” (ou iosis).
Penso aqui especialmente na história de Buddha, que após uma semana de meditação sob a árvore Boddhi alcançou finalmente a iluminação; mas ele não permaneceu no Nirvana: após a experiência da beatitude, ele retorna ao mundo dos homens, ao calor humano. É desse calor que trata o rubedo: do calor do coração, do amor (cristão), da graça, da vida.
O quarto movimento representa esse amor.

O título ‘Aurora Consurgens’ aponta, em última instância, para um desejo de renovação. Às vésperas de 2012, quando se comenta de um possível fim dos tempos, presenciamos em nível mundial um período de grandes crises (humanas, naturais e outras); que seja apenas um período de “nigredo”, e que a humanidade possa sair purificada e renovada desse processo, iniciando então uma era mais dourada e calorosa.





quinta-feira, agosto 05, 2010








Princesa Marie

Sobrinha-neta de Napoleão, Marie Bonaparte à beira da depressão e acreditando-se frígida, procura Freud. Durante o processo de análise com o psicanalista nasce entre eles uma grande amizade, até ela se tornar também uma psicanalista renomada e divulgadora das teorias de Freud. Ele a salvou de suas neuroses e Marie o salvou dos nazistas.


segunda-feira, agosto 02, 2010

O obsessivo e seu desejo, segundo o Seminário V de Lacan.


A Dialética da Demanda e do Desejo....


O desejo para o obsessivo se apresenta de forma evanescente, diz Lacan no Seminário V. Essa evanescência do desejo é efeito da dificuldade, do sujeito obsessivo, na relação com o Outro; na medida em que o campo do Outro é o lugar onde se ordena o desejo.
Se, conforme Lacan, o desejo se ordena pelo significante. É no interior do campo Simbólico que o sujeito é obrigado a se exprimir e produzir um efeito de significante, isto é, um significado. Esse é o pacto da constituição do sujeito da linguagem, fora de qualquer imanência. É no interior da experiência que o sujeito tem com a linguagem que vem se formular sua relação com o desejo.

A relação do sujeito com o Outro, e com a vida, é simbolizada por um engodo, uma isca, cujo ponto de referência é o significante do falo. O falo como simbólico tem por tarefa orientar o ser humano com relação a um significado, assim sendo orienta o desejo, e por esta razão se encontra numa posição privilegiada.

Para a teoria lacaniana, a inserção do sujeito no desejo é sempre problemática, pois o desejo se insere através da dialética da demanda, e a demanda sempre pede algo a mais que a satisfação a que ela apela. “Daí o caráter problemático e ambíguo do lugar onde se situa o desejo.” Esse lugar está para além da demanda, na medida em que esta visa à satisfação: o desejo busca algo a mais, algo para além. Mas, por outro lado, o desejo está aquém da demanda considerando que ela, por ser articulada em significantes “vai além de todas as satisfações para as quais apela, é demanda de amor que visa ao ser do Outro, que almeja obter do Outro uma presentificação essencial – que o Outro dê o que está além de qualquer satisfação possível, seu próprio ser, que é justamente o que é visado no amor”. Assim, o desejo visa este aquém da presentificação do significante, aquém da presentificação do ser.

Ou seja, enquanto a demanda de amor visa o ser o desejo visa à falta a ser, isto que estaria aquém da presentificação do significante, aquém da presentificação do ser. “É no espaço virtual entre o apelo da satisfação e a demanda de amor que o desejo ocupa seu lugar e se organiza”.

Desse modo, só podemos situar o desejo a partir de sua dupla relação à demanda. Aquém ou além, dependendo do aspecto que considerarmos a demanda. Além da demanda em relação a uma necessidade, ou aquém da demanda estruturada em termos significantes. Ou seja: além da necessidade, aquém das palavras.

Como tal, o desejo não se reduz a satisfação da demanda e ao mesmo tempo necessita da articulação desta. “O outro como lugar da fala, como aquele a quem se dirige a demanda, passa a ser também o lugar onde deve ser descoberto o desejo, onde deve ser descoberta sua formulação possível. É aí que se exerce a todo instante a contradição, porque esse Outro é possuído por um desejo – um desejo que, inaugural e fundamentalmente, é estranho ao sujeito.”

Daí a dificuldade da formulação do desejo nas estruturas neuróticas. O sujeito histérico fica preso no desejo enquanto insatisfação da demanda. Não é isto o que deseja, o que deseja é sempre outra coisa. Este algo a mais, que está para além de toda satisfação da demanda, caracteriza seu desejo como desejo de insatisfação. O sujeito histérico se identifica com o outro insatisfeito, e a identificação histérica aponta para o além da demanda.

Por sua vez, o sujeito obsessivo fica na dependência do Outro para obter acesso ao seu desejo, precisa que o Outro diga o que ele quer para que ele possa ser. Lembramos que esse aquém do desejo aponta para a falta a ser: o desejo do Outro aponta para esta falta que ele não consegue interpretar.

Assim, se por um lado, o sujeito obsessivo fica preso na demanda do Outro, tentando ser o que ele demanda; por outro, busca com afinco desvencilhar-se dessa identificação dada pelo Outro para poder desejar. “Poderíamos dizer que o obsessivo está sempre pedindo alguma permissão. ... Pedir permissão é, justamente, ter como sujeito uma certa relação com a própria demanda. Pedir permissão, na medida mesma em que a dialética com o Outro – o Outro falante – é posta em causa, posta em questão, ou até posta em perigo, é dedicar-se, afinal de contas, a restaurar esse Outro, é colocar-se na mais extrema dependência dele. Isso já nos indica a que ponto esse lugar é de manutenção essencial para o obsessivo. É exatamente aí que vemos a pertinência do que Freud sempre chama de Versagung, a recusa. Recusa e permissão implicam uma na outra. O pacto é recusado sobre o fundo da promessa, o que é melhor do que falar em frustração”.

O impasse do desejo no sujeito obsessivo se demonstra com o fato que para ele desejar, isto é, ter acesso a falta a ser que o desejo exige, é necessário se desvencilhar do ser do Outro do significante que é lhe imposto com a demanda. Para isso, procura destruir o Outro: o desejo do obsessivo implica na destruição do Outro. Quando ele detém o objeto do seu desejo nada mais existe, e na destruição do Outro, quando ocorre, o próprio desejo vem a desaparecer. No entanto, se essa destruição não ocorre torna-se servo da demanda. Preso na demanda de amor tenta ser para o Outro, e, simultaneamente, preserva o Outro na sua toda potência.

Numa análise, o analista deve sustentar esse impasse entre a falta e a potência do Outro, abstendo-se do furor terapêutico. Único modo de construir um espaço onde o sujeito obsessivo poderá colocar em questão, por um lado, suas identificações, o seu ser, para deixar aparecer o sujeito dividido; e, por outro lado, reencontrar-se na ex-sistência, na sua falta a ser, lá onde é apesar de não ser. O que provoca uma nova inserção do sujeito no mundo com o trabalho que nunca acaba e com respeito ao amor, não mais visto como uma solução, uma possibilidade de se livrar da falta, mas como resultado da impossibilidade da queda do Outro.


• LACAN, Jacques, O Seminário – livro 5 – as formações do inconsciente.
(Parte 4 – A Dialética do desejo e da demanda
 na clínica e no tratamento das neuroses.)






quinta-feira, julho 29, 2010

Como ler Lacan - Slavoj Zizek



Nunca defendi a ideia de que ler Lacan é uma tarefa fácil. Mas, acho que algumas leituras de Lacan são fascinantes. Entre elas, a do filósofo esloveno Slavoj Zizek.



Em seu último livro editado no Brasil – Como ler Lacan, da editora Zahar – Zizek, novamente, acerta o ponto de sua estranha alquimia. Num estilo claro, mas nada despretensioso, o filosofo erudito e pop, nos leva a uma bela viagem ao mundo lacaniano através do modelo de leitura do próprio Lacan.


“Lacan era um leitor e intérprete voraz; para ele, a própria psicanálise é um método de leitura de textos, orais (a fala do paciente) ou escritos. Não há maneira melhor de ler Lacan, então, que praticar seu modo de leitura e ler os textos de outros com Lacan. Assim, cada capítulo desse livro vai confrontar uma passagem de Lacan com um outro fragmento (de filosofia, de arte, de cultura popular r ideologia). A posição lacaniana será elucidada através da leitura lacaniana do outro texto.”


quarta-feira, março 31, 2010

Cinema




O Fórum de Ciência e Cultura (FCC) em colaboração com a Escola de Comunicação e o curso de Direção Teatral da UFRJ têm a alegria de convidá-los para o início da mostra. A Cena do Cinema que pretende discutir as relações entre cinema, teatro e performance em filmes brasileiros contemporâneos, talvez como alternativas à hegemonia da tradição da telenovela e de um teatro naturalista.
Teremos entre os convidados David França Mendes, Susana Ribeiro, Kiko Goifman, Jean-Claude Bernardet, Mario Bortolotto, José Eduardo Belmonte entre outros. No dia 6 de abril, às 19 h., no Salão Moniz de Aragão do FCC será exibido. A Falta que nos Move. (100 min.) seguido de um debate com a diretora Christiane Jatahy e os atores Marina Vianna e Pedro Brício.
Para qualquer dúvida sobre a localização consultar www.forum.ufrj.br Contamos com sua presença e divulgação para eventuais interessados.



Denilson Lopes, Superintendente de Difusão Cultural do FCC/UFRJ


quarta-feira, março 10, 2010

Curso: O Alienista, as Psicoses e a Fenomenologia





Ministrante: Prof. Dr. Marcos José Müller-Granzotto



Semestre: 2010 /1 - 15 semanas - Créditos: 4 (quatro)
Horário: 3a feira, 13:30 às 16:30

Programa


I – INTRODUÇÃO: LOUCURA E FICÇÃO

1. A ficção no limiar entre a teoria e a loucura
2. A ficção fenomenológica sobre a loucura: lapso intencional
3. A ficção psicanalítica sobre a loucura: falta da falta
4. A ficção gestáltica sobre a loucura: ajustamento de busca
5. A ficção ético-política sobre a loucura: “Simão Bacamarte em Casa Verde”


II – FENOMENOLOGIA DA PSICOSE

1. Fenomenologia filosófica: na encruzilhada entre a psicose e o naturalismo
2. Fenomenologia filosófica e fenomenologia psiquiátrica: a psicose entre o transcendental e o empírico.
3. História da fenomenologia psiquiátrica: da fenomenologia psiquiátrica descritiva às fenomenologias psiquiátricas genéticas
4. Diferença entre fenômeno psicótico e sintoma psiquiátrico segundo a fenomenologia psiquiátrica
5. Fenomenologia como “saber psiquiátrico” e a intervenção psiquiátrica como “discurso do mestre”

I – PSICODINÂMICAS DA PSICOSE

1. Psicose na literatura freudiana
2. A psicose na “primeira clínica” lacaniana
3. A psicose na “segunda clínica” lacaniana
4. Prejuízos estruturalistas às psicodinâmicas psicanalíticas da psicose

IV – PSICOSE À LUZ DA GESTALT

1. Psicose na literatura de base da GT
2. Gênese da Psicose a partir da teoria do self: comprometimento da função id
3. Psicose como ajustamento
4. Diferença entre ajustamento psicótico e surto: o sofrimento ético-político no campo da psicose

V – SIMÃO BACAMARTE EM CASA VERDE

1. A invenção teórica da loucura
2. A terapêutica da alienação da loucura
3. A alienação da terapêutica na loucura
4. O surto da hipocrisia


Avaliação

Os alunos deverão, a partir de uma obra de arte escolhida a critério de cada qual, produzir uma monografia de disciplina, o qual deverá ser lido por um colega e pelo professor.


Referências bibliográficas

ASSIS, Machado de. O alienista. SP: FTD, 1994 (Grandes Leituras)

BENETI, Antônio. 2005. Do discurso do analista ao nó borromeano: contra a metáfora delirante.Opção lacaniana Online. Maio, p.1-17

BUARQUE, Sérgio. 2007. Verbete “Psicose”, In: D’ACRI, Gladys; LIMA, Patrícia (Ticha); ORGLER, Sheila (org.). Gestaltês. Dicionário de Gestalt-terapia. Summus, p. 177-180.

CABAS, Antônio Godino. 1988. A função do falo na loucura. Trad. Cláudia Berliner. Campinas: Papirus.

CALLIGARIS, Contardo. 1989. Introdução a uma clínica diferencial das psicoses. Porto Alegre: Artes Médicas.

FREUD, 1924. A perda da realidade na neurose e na psicose, In: Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Estabelecida por James Strachey e Anna Freud. Trad. José Otávio de Aguiar Abreu. SP: Imago. VOL. XIX

LACAN, Jacques. 1956. O seminário. Livro 3: as psicoses. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Trad. Aluísio Menezes. 2.ed.Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

______. 1964. O seminário. Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Trad. M. D. Magno. 2.ed.Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

_____. 1972. O seminário. Livro 20: mais, ainda. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Trad. M.D. Magno. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

MERLEAU-PONTY, Maurice(1964a) . Le visible et l'invisible. - Paris: Gallimard.

_____. (1992) O visible e o invisível. Trad. J. A. Gianotti. SP: Perspectiva


_____ (1964b) . L'oeil et l’esprit. - Paris: Gallimard.

_____. (2004) O olho e o espírito. Trad. Paulo Neves e Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. SP: Cosac & Naify.

_____ (1969) . La Prose du monde. - Paris: Gallimard.


MÜLLER-GRANZOTTO, M.J. & R.L. 2007. Fenomenologia e Gestalt-terapia. SP: Summus.

______. Clínica dos ajustamentos psicóticos: uma proposta a partir da Gestalt-terapia. IGT NA REDE. 8 (1), 2008. http:/www.mullergranzotto.com.br

QUINET, Antônio. Psicose e laço social – esquizofrenia, paranóia e melancolia. RJ: Jorge Zahar, 2006.

STEVENS, Alexandre. 2000. Por uma clínica mais além do pai. A renovação da clínica de Lacan. Agente. Revista de psicanálise. VII, (13), 30-35, nov 2000.

TATOSSIAN, Arthur. 2006. Fenomenologia das psicoses. Trad. Célio Freire. São Paulo: Escuta.

terça-feira, março 09, 2010

A escrita é uma zona erógena





É preciso escrever para reinventar continuamente a ilusão. Escrever é também, de certo modo, recusar ao pensamento a seriedade dos sistemas e permitir assim a livre circulação dos fantasmas. (...) Somente a escrita tem o poder de denunciar o saber e de fazer aflorar no texto a vida pulsional do pensamento. (...) A superfície produzida no ato de escrever é a da pele: a escrita é uma zona erógena.


Pierre Fédida

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

O Objeto de arte

Romildo do Rêgo Barros


Vocês certamente conhecem a história de Apeles, o célebre pintor da antiguidade que, escondido atrás de uma cortina, escutou o comentário feito por um sapateiro a respeito das sandálias que tinha pintado. Apeles aceitou a crítica e modificou as sandálias. No dia seguinte, o mesmo sapateiro criticou a
forma da perna. O artista respondeu então com a frase que se tornou famosa:
e sutor ultra crepidam, “o sapateiro não deve ir além das sandálias”.

Essa frase, sem dúvida um pouco brutal – e que até poderia ser aplicada a mim próprio esta noite –, não quer dizer que um sapateiro não pode opinar sobre uma obra de arte, mas que quando se trata de um assunto diferente da sua atividade profissional, é preciso ter outros critérios: ou seja, um sapateiro, como sapateiro, somente pode falar sobre sandálias.

Como vocês sabem, os objetos são geralmente qualificados de acordo com sua utilidade. Eles servem para algo. Uma caneta, por exemplo, serve para escrever. A caneta é uma condição para nossa escrita: não é sua causa, que está em nós, mas um instrumento. Uma caneta não pressupõe a inspiração para o texto que escreve, nem precisa saber o que vai escrever (a menos que alguém, como Edgar Alan Poe, por exemplo, nos conte a história de uma caneta que escreve sozinha). Mas isto não impede que deixe uma marca sobre uma superfície de papel, que interpretamos como escrita. Para dizê-lo bem resumidamente, os objetos servem para alguma necessidade do corpo, do corpo de um sujeito, já que um objeto sempre supõe um sujeito: nossas roupas servem para abrigar os nossos corpos, os sapatos nos protegem da dureza do chão, canetas servem para escrever, etc. É o que pensamos..., quando não pensamos muito.
 
A utilidade é, pois, uma das condições para o encontro entre um corpo e um objeto. Muitas vezes a utilidade até determina a forma do objeto. Através do design, por exemplo, podemos tornar compatível a forma com a utilidade. O design, como sabem, não se restringe a isso, embora seja também isso, ou seja, uma maneira de juntar a forma que um objeto deve ter com sua finalidade prática.
 
Em princípio, um sapato deve ter uma forma oposta à do pé, de tal modo que possa servir de continente para o pé, que se tornará conteúdo. Um pé calçado é uma unidade, formada por um continente e o seu conteúdo. Isso pode dar impressão de que há complementaridade entre os corpos e os objetos que se acrescentam aos corpos. Efetivamente, se permanecemos no plano da utilidade, parece possível pensar em termos de complementaridade. Um conteúdo somente pode ser visto como conteúdo se encontrou o continente adequado: se temos um pé de número 40, não podemos usar um sapato de número 39. A dor que sentiremos indicará que há um gap, uma distância entre o conteúdo e o continente. A dor é o aspecto sensitivo desse gap. Como Freud costumava dizer referindo-se à angústia, a dor servirá como um sinal. Ela nos mostrará que há algo que excede o encontro entre o corpo e o objeto. Há algo a mais. Já não estamos no terreno da relação complementar, mas no plano dos suplementos. A dor é o sinal do caráter suplementar do encontro entre o orpo e o objeto: se antes havia o pé e o sapato, temos agora também a dor, que não pertence propriamente nem ao pé nem ao sapato.
 
Porém, não é apenas a dor que se situa no terreno do suplemento: também os prazeres, sobretudo certos prazeres que escapam às necessidades imediatas do corpo, e que não podemos considerar facilmente como funcionais. Podemos  pensar no prazer do sexo, que não tem um objeto preciso, e no chamado prazer estético, que se espera de nossos encontros com o belo. O que excede ao complemento excede igualmente à função, à necessidade e à utilidade.
 
Algo mais...


Tomemos como ilustração  um quadro famoso de Van Gogh, conhecido de todos e comentado por vários pensadores e teóricos, por exemplo, Heidegger em seu artigo “A origem da obra de arte”. O quadro representa o par de sapatos de uma camponesa. São sapatos usados, têm as marcas do uso, quer dizer, nos mostram que há um sujeito que, aliás, não aparece no quadro, que usou ou está talvez usando os sapatos. A cena se situa num intervalo entre dois momentos do uso dos sapatos. Há, portanto, um objeto, um sujeito, pelo
menos suposto, e uma utilidade, unindo os sapatos e a camponesa. Podemos também pensar que os tamanho do sapato e do pé da camponesa estão de acordo.

Porém, o que acontece, que transformação ocorre quando esse objeto tão banal é representado por Van Gogh em um quadro? Esta é a questão que gostaria de explorar um pouco com vocês esta noite.


Poderíamos fazer a mesma pergunta sobre o cachimbo que Magritte pintou em
1929, escrevendo abaixo: “isto não é um cachimbo”. Realmente, o artista tem azão ao dizer que não se trata de um cachimbo, já que não se pode fumar um quadro. Por mais fiel que seja a reprodução, a pintura não consegue dar à imagem a utilidade do objeto que ela está reproduzindo. Alguma coisa se modifica entre o objeto que serviu de modelo para a obra de arte e a própria obra de arte; nessa passagem algo se acrescenta ou, ao contrário, se subtrai. Finalmente, a mesma questão poderia ser colocada desde que Andy Warhol, um dos artistas americanos mais conhecidos do século XX, pintou nos anos 70
uma série representando um objeto que não poderia ser mais comum: as latas de sopa Campbell's. 
 
As latas de sopa do artista são reproduções fiéis das latas que encontramos nos supermercados, e que qualquer um compra quase sem pensar. Além disso,
como Warhol pintou objetos em série (fez o mesmo com fotos de Jacqueline Kennedy, Marilyn Monroe, etc.), sua obra reproduz também um aspecto fundamental dos objetos de consumo contemporâneos, quer dizer, o de serem
vistos sempre em série, e nunca individualmente. Uma lata de sopa Campbell's é sempre uma das milhões de latas de sopa que alimentam milhões de pessoas que não precisam ter um rosto, uma história, ou experiências singulares. Basta que tenham o comportamento repetitivo de pegar as latas nos supermercados. E, naturalmente, pagar na saída.

Warhol não apenas isolou um objeto do conjunto – puramente ideal – das coisas do mundo, como também procurou dar um caráter singular ao que há de menos singular, isto é, o coletivo dos objetos de consumo, fabricados, expostos e consumidos em série, dia após dia, pessoa após outra, lata após outra lata.


Como ocorre com freqüência na arte, Warhol nos coloca diante de um paradoxo: a reprodução, por mais perfeita que seja – a imitação, a mímesis, como dizia Aristóteles em sua “Poética” – inclui sempre algo que ultrapassa a forma, a necessidade e a função, sem que saibamos muito bem o que é. Na história da arte, os criadores buscaram sempre transmitir esse algo, às vezes se aproximando mais da forma, como fez Andy Warhol, às vezes tomando distância, como fizeram os impressionistas, ou, de maneira ainda mais radical, os artistas que, em seus trabalhos, romperam com a forma das coisas do mundo.

Isso que não sabemos muito bem o que é, parece ser o que caracteriza o objeto da arte, no sentido de que a arte expõe, dá a ver o que não pode ser contido na forma ou dito por inteiro.


Como escreveu Walter Benjamin em 1935, “mesmo na reprodução mais  perfeita, um elemento está ausente: o hic et nunc da obra de arte, sua existência única [...]. É nessa existência única, e somente nela que se desdobra a história da arte”1. Benjamin chamou de “aura”, esse elemento único da obra, “a aparição única de uma coisa distante, por mais próxima que esteja”. Benjamin pensava que a aura desapareceria com a possibilidade de reprodução técnica das obras de arte, sobretudo no cinema e na fotografia, contudo, não é muito certo que isso esteja ocorrendo. Há algo que pôde vir no
lugar da aura tradicional e sustentar a unicidade das obras de arte de nossos tempos.
 
Psicanálise e arte

Penso que a psicanálise e a arte têm em comum, cada uma à sua maneira, a intenção de dar um destino a esse algo mais, que, embora não encontre lugar na forma nem nas palavras, é certamente o essencial, quer dizer, é a causa de
todo o resto que conseguimos dizer em palavras ou expressar formalmente. Como podemos situar esse algo a mais, sem cair no domínio da religião, que trata justamente dos objetos sublimes, situados, por suposição, além do humano? Como situar como humano, essencialmente humano, o que ultrapassa as palavras?


Benjamin dizia também que aquilo que chamamos de objeto de arte, antes de
expressar o belo, começou historicamente como instrumento de culto; no início mágico, e logo após religioso. Somente com o esvaziamento da sua função ritual, os objetos de arte se tornaram objetos de exposição, coisas para serem vistas. Podemos pensar que, ao se tornar objeto de exposição, o objeto de arte perdeu – pelo menos em parte – sua eficácia mágica e passou a representar algo, no lugar de ser esse algo. Parece-me que aqui a psicanálise se encontra  com a arte, no ponto em que a eficácia dos objetos já não é imediata, mas exige uma mediação simbólica.

Muitos trabalhos e posições artísticas, particularmente no campo das artes plásticas, parecem conduzir a arte para fora do campo estrito do Belo. Parece-me importante notar que essa tendência a sair do Belo impele a arte para a Ética, na medida que o ato ou o gesto do artista se inclui na própria definição
de sua arte, passando a fazer parte da obra. Podemos tentar enumerar algumas dessas tendências:


• No lugar da busca do Belo,  do “esplendor da forma”, como dizia Santo Tomás de Aquino, muitos trabalhos resgatam a dimensão do resto. Não se trata de uma elevação do resto para cima – este “para cima” tem forçosamente uma inspiração religiosa –, e sim da revelação de uma dignidade própria dos restos como restos. Penso em alguém como Franz Krajcberg, que faz sua arte com restos da natureza amazônica do Brasil, como raízes mortas e árvores caídas. Penso igualmente em Andy Warhol, que anulou com suas latas de sopa a distância sagrada que separava os objetos reconhecidos como artísticos dos objetos comuns oferecidos pela indústria de massa. Isso obriga os psicanalistas a precisarem melhor o que entendem por sublimação, que não é uma domesticação da arte, cujo objetivo seria a aceitação pela opinião média da sociedade, mas, como nos ensinou Lacan, a extração de um certo núcleo de ser que parece inacessível fora da arte.


• Surgiu igualmente um novo estatuto para o corpo que,  em alguns casos, se oferece como objeto ou como suporte artístico, apagando assim a separação entre o corpo e os objetos que nos guiou durante séculos. Não me refiro tanto às mutilações do corpo humano como base para a criação, nem à exposição de seus dejetos – isso mereceria uma discussão a parte –, mas simplesmente, por exemplo, às obras que são propostas como continente para o corpo, e que, para serem vistas, necessitam que o espectador passe ao seu interior, de onde somente pode olhá-las. Cada corpo, então, que passa ao interior se constitui, durante sua curta permanência, em parte da obra.


• E finalmente, observa-se uma crise, ou um certo declínio,  da autoria, que se manifesta não apenas sob a forma da criação coletiva, mas também nos casos em que a obra não tem como objetivo a eternidade, como dizia Benjamim sobre as estátuas gregas. Ou seja, as obras efêmeras, cuja autoria desaparecerá juntamente com os trabalhos.
 
Para um psicanalista, a arte é um campo privilegiado do encontro sujeito/objeto, no sentido de uma convergência entre a obra e seu criador. Não exatamente por força de uma identificação imaginária do sujeito com os seus objetos, senão porque o sujeito pode encontrar, no objeto, a exterioridade que é desde sempre a sua.


Neste ponto preciso, há um encontro entre as conseqüências da prática da psicanálise e os efeitos da criação.


Romildo do Rêgo Barros

Tradução do original em espanhol: Maria Angela Maia
in: Latusa digital - ano 4 - no. 28 -maio de 2008

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Saber e Experiência

Por que visitamos museus?
Procuramos experiência estética
ou queremos nos cultivar?

Cotardo Calligaris

NA SUA próxima visita a um museu de arte, esqueça-se das obras e considere apenas os visitantes.

Um bom número, talvez a maioria, não para diante de uma tela (por exemplo) sem antes ter lido a pequena placa com nome do artista, título e data. Bom, eles querem se cultivar, saber quem pintou, quando e o quê. Mas, dessa forma, muitos acabam, sobretudo, limitando sua experiência: ao constatar que o autor lhes é desconhecido, eles mal olham para a tela e passam à obra seguinte, enquanto, se o pintor for uma celebridade, contemplam com dedicação - as más línguas dirão que eles sentem-se assim "autorizados" a parar e contemplar.
Os mais divertidos são os que adotam estratégias bizarras para dar uma espiada na placa sem que o amigo que os acompanha se dê conta e logo exclamam em voz alta, como se tivessem reconhecido a obra sem auxílio algum: "Aqui está o quadro de...".
E há os grupos de turistas, forçados a correr de uma "obra-prima" a outra, atropelando obras menores, que talvez fossem para eles (quem sabe, só para eles) decisivas.
De fato, o saber pode aprimorar nossa experiência estética; por exemplo, é bom apreciar uma tela de El Greco tendo conhecimento do fato de que ele pintou no século 16, pois talvez, sem isso, sua incrível ousadia expressionista nos comova menos.
Inversamente, se privilegiarmos demais o saber, tenderemos a nunca sair de caminhos trilhados e, pior, a forçar nossa experiência no molde do pouco que sabemos.
A primeira vez que visitei o Museu do Prado, em Madri, aos 14 anos, eu só queira ver a pequena sala onde estavam os quadros de Hieronymus Bosch.
Ao entrar, fui hipnotizado pelo azul estranho e intenso do céu numa paisagem de Joachim Patinir, um pintor flamengo da mesma época, que eu desconhecia. Não li a placa, "atribuí" a Bosch o quadro de Patinir e saí feliz de ter descoberto "meu Bosch preferido", que era tão diferente dos quadros de Bosch mais conhecidos e reproduzidos.
Se tivesse lido a placa, provavelmente eu teria me sentido na obrigação de esquecer o céu de Patinir e destinar minha atenção só aos quadros de Bosch; em obséquio ao meu saber, que era modesto e trivial, eu teria renunciado a uma experiência cuja lembrança ainda me encanta.
Recentemente, visitei a exposição "In-Finitum", no Palazzo Fortuny, em Veneza, que reúne obras e objetos de todas as épocas ao redor de um tema, "In-finitum", que, cá entre nós, é suficientemente vago para que qualquer coisa possa ser incluída na exposição.
Instalações e quadros emprestados por museus e coleções particulares são assim misturados com objetos que enfeitavam a casa de Mariano Fortuny, quando ele estava vivo. Há de tudo: de um "conceito espacial" de Lucio Fontana a um banal ovo de avestruz.
A regra (inusitada e atrevida) das exposições do Palazzo Fortuny quer que os objetos não sejam identificados por placa alguma, como se a gente estivesse visitando a casa de alguém. Para quem não aguenta o tranco, está disponível uma espécie de mapa que deveria permitir identificar os objetos expostos, mas cuidado: a duras penas.
Para alguns, a visita se torna assim uma caça ao tesouro (as crianças adoram). Outros rejeitam o mapa e testam sua própria capacidade de atribuir algumas das obras a seus respectivos autores. Outros ainda, fiéis ao espírito da exposição, percorrem os andares do palácio permitindo-se uma experiência estética e meditativa, sem se preocupar em saber direito quais são os objetos nos quais eles esbarram.
O catálogo obedece ao mesmo princípio da exposição: começa com as reproduções das obras expostas, sem nada que as identifique. Seguem os ensaios e, só em apêndice, a lista das reproduções.
Antes de deixar o palácio, li o caderno em que os visitantes são convidados a escrever suas impressões. O leque vai de "Experiência única, por uma vez pensei e senti, em vez de querer saber quem fez o quê" até a (mais frequente) "Os curadores estão bêbados? Não se entende nada no mapa. Que tal uma plaquinha de vez em quando?".
Pergunta: o que aconteceria em nós, visitantes, se os museus escondessem toda informação sobre as obras expostas?
Moral da história: o debate entre saber e experiência, por mais que seja um clássico do pensamento pedagógico, é sem solução. A falta de saber compromete e empobrece a experiência, mas, sem a liberdade da experiência imediata, o saber se torna chato, estupidamente repetitivo e, no fundo, frívolo.

terça-feira, janeiro 26, 2010

Sobre a escrita



  • Escrever nada tem a ver com significar,
  • mas com agrimensar, cartografar,
mesmo que sejam regiões ainda por vir.

Deleuze e Guattari, in: Mil Platôs


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  • Uma ascese da escrita não me parece ser aceitável
senão ao se unir a um "está escrito"
mediante o qual se instauraria
a relação sexual.


Jacques Lacan, in: Lituraterra


quarta-feira, dezembro 23, 2009


Aos amigos próximos e distantes.
Aos amigos de toda parte, de todas as cores,
de todas as crenças e de todos os tamanhos;
os nossos votos de BOAS FESTAS
e de um FELIZ ANO NOVO.

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Amigo é coisa para se guardar

No lado esquerdo do peito

Mesmo que o tempo e a distância digam "não"

Mesmo esquecendo a canção

O que importa é ouvir

A voz que vem do coração

Pois seja o que vier, venha o que vier

Qualquer dia, amigo, eu volto

A te encontrar

Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.

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sábado, dezembro 12, 2009

CERTIFICADO DO CURSO




Por solicitação do DAEx, vou precisar do CPF dos alunos que participaram do Curso,
para emissão dos certificados.



Então, por favor, envie o seu CPF para o meu email:

malholthausen@hotmail.com

terça-feira, dezembro 01, 2009

CONVITE



Querida Maria,


Gostaria de convidá-la para o 4º e último recital do Ciclo Completo das Sonatas para Piano de Mozart que estarei realizando nesta quarta-feira dia 02 de dezembro às 20:00h no Teatro Álvaro de Carvalho (TAC).



As sonatas deste recital são conhecidas como as “sonatas de Viena”, todas escritas nessa cidade onde Mozart passou seus últimos anos de vida. Trata-se das sonatas nº 14 em dó menor (precedida pela belíssima Fantasia em dó menor), a nº 15 em fá maior (obra bastante contrapontística e com influências bachianas), a nº 16 simplicidade por razões didáticos), a nº 17 em si bemol maior e a nº 18 em ré maior.

Como das vezes anteriores, os ingressos custam R$20,00 e R$10,00 e podem ser adquiridos diretamente na bilheteria do teatro.


Espero poder contar com sua presença!

 Um grande abraço,


Alberto Andrés Heller

quinta-feira, novembro 26, 2009

CONVITE








Local: Café Cultura
Endereço: Praça XV de Novembro - Centro - Florianópolis-SC
Dia: 12 de Dezembro de 2009 - sábado
Horário: 18H00

clarissa alcântara – clóvis domingos 
 matheus silva – nicolas corres


Quatro performers instauram individualmente o processo de invenção de suas histórias pessoais, subtraindo sua experiência única da multiplicidade a ser constituída.

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Vamos fechar o ano com a performance do grupo de Belo Horizonte, e, no mesmo movimento, abrir nossos laços de trabalho para 2010.


segunda-feira, novembro 16, 2009



Sempre que se produz um fenômeno em dois tempos, na obsessão por exemplo, o primeiro tempo é a angústia, e o segundo é a culpa, que aplaca a angústia no registro da culpabilidade.


Jacques Lacan
O simbólico, o imaginário e o real


domingo, outubro 18, 2009

"Não"



A dificuldade de dizer não (ou sim)
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Contardo Calligaris
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DURANTE TODA minha infância, eu dizia "não" mesmo quando queria dizer "sim".

Usava o não como uma palavra de apoio, uma maneira de começar a falar. Minha mãe: "Vou sair para fazer compras; algo que você gostaria para o jantar?". Eu, enérgico: "Não", acrescentando imediatamente: "Sim, estou a fim de ovos fritos (ou sei lá o quê)".

Os adultos tentavam me corrigir: "Então, é sim ou não?". "Não, é sim", eu respondia.

Entendi esse meu hábito muito mais tarde, quando li "O Não e o Sim", de René Spitz (ed. Martins Fontes). No fim da faculdade, Spitz era um dos meus autores preferidos, o único, ao meu ver, que conciliava a psicanálise com o estudo experimental do desenvolvimento infantil. No livro, pequeno e crucial, Spitz nota que, nas crianças, o uso do "não" aparece por volta do décimo oitavo mês de vida, logo quando elas costumam falar de si na terceira pessoa, como se precisassem (e conseguissem, enfim) se enxergar como seres distintos dos outros.
Para Spitz, a aquisição da capacidade de dizer "não" é um grande evento da primeira época da vida: a conquista da primeira palavra que serve para dialogar e não só para designar um objeto.Mas, cuidado, especialmente no segundo ano de vida, o "não" teimoso da criança não significa que ela discorde do que está lhe sendo proposto ou imposto: a criança diz "não" para afirmar que, mesmo ao concordar ou obedecer, ela está exercendo sua própria vontade, a qual não se confunde com a do adulto.
Em suma, durante muito tempo, eu persisti na atitude de meus dois anos. Mais tarde, consegui me corrigir. Mas em termos; sobrou-me uma paixão pelas adversativas: mal consigo dizer "sim" sem acrescentar um "mas" que limita meu consentimento. É um jeito de dizer que aceito, mas minha aceitação não é incondicional. "Vamos ao cinema?". "Sim, mas à noite, não agora."
O uso do sim e do não, no discurso de cada um de nós, pode ser um indicador psicológico valioso.
Mas, para isso, é preciso distinguir entre "sim" e "não" "objetivos", que têm a ver com a questão da qual se trata (quero ou não tomar café ou votar nas próximas eleições), e "sim" e "não" "subjetivos", que são abstratos, ou seja, que expressam uma disposição de quem fala, quase sem levar em conta o que está sendo negado ou afirmado.
Se o "não" subjetivo é um grito de independência, o "sim" subjetivo é uma covardia, consiste em concordar para evitar os inconvenientes de uma negativa que aborreceria nosso interlocutor.
Alguns exemplos desse "sim" covarde (e, em geral, objetivamente mentiroso). "Respondeu à minha carta?" "Sim, já mandei." "Gostou de minha performance?" "Sim, adorei." "Quer me ver de novo?" "Sim, te ligo amanhã." Mas também: "Você vai assinar a petição para expulsar os judeus do ensino público?" "Claro, claro, estou assinando."
Acontece que dizer "não" é arriscado. A confusão com o outro, aquela confusão que ameaça a primeira infância e contra a qual se erguia nosso "não" abstrato e rebelde, é substituída, com o passar do tempo, por mil dependências afetivas: "Desde os meus dois anos, não sou você, não me confundo com você, existo separadamente, mas, se eu perder seu amor (sua amizade, sua simpatia, sua benevolência), quem reconhecerá que existo? Será que posso existir sem a aprovação dos outros?".
Em suma, o sim subjetivo é um consentimento abstrato (o objeto de consenso é indiferente e pode ser monstruoso), pois o que importa é agradar ao outro, não perder sua consideração. A necessidade narcisista de sermos amados nos torna covardes e nos leva a assentir.
Por sua vez, nossa covardia fomenta explosões negativas, tanto mais violentas quanto mais nossa concordância foi preguiçosa. À força de dizer "sim" para que o outro goste de mim, eu corro o perigo de me perder e, de repente, posso apelar à negação abstrata, espalhafatosa e violenta, só para mostrar que não me confundo com o outro, penso com a minha cabeça.
Bom, Spitz tinha razão, o uso do não e do sim permitem o diálogo humano. Mas é um diálogo que (sejamos otimistas) nem sempre tem a ver com as questões que estão sendo discutidas; ele tem mais a ver com uma necessidade subjetiva: digo "não" para me separar do outro ou digo "sim" para obter dele um olhar agradecido. Nos dois casos, tento apenas alimentar a ilusão de que existo.

EXPRESSIVIDADE FEMININA: TRANSFORMANDO MEDO EM AÇÃO

  As mulheres e o medo de agir por  Karen Horney Tradução  |  Larissa Ramos da Silva   Palestra proferida em 1935 na National Federation of ...