Alain Didier-Weill*
Tradução: Marco
Antonio Coutinho Jorge**
A decisão tomada pela France Culture
de propor a Michel Onfray uma tribuna cotidiana, durante este verão, para
reforçar sua “crítica” de Freud, coloca diferentes questões. A primeira é
lembrar que uma crítica pode proceder de uma démarche eminentemente criativa:
quem contestaria que as críticas em relação a Freud que puderam ser formuladas,
por exemplo, por Sartre, Foucault, Levinas, e até mesmo Lacan, trouxeram uma
poderosa emulação junto a todos aqueles, especialistas ou não especialistas,
que tinham razões de estar interessados na psicanálise?
Por que a crítica produzida por um pensador detém o poder de nos despertar? Porque a maneira pela qual nós a atestamos ou a contestamos faz, em todos os casos, ressoar em cada um de nós a relação conflituosa que ele mantém com a verdade.
É nesse ponto, em que devemos nos
perguntar se o livro de Michel Onfray tem a dimensão de uma crítica, que respondemos
categoricamente: não.
Esse livro não é, de fato, concebido para colocar a questão epistemológica da veracidade da invenção freudiana, mas sim para dizer que Freud seria um pecador com uma moral duvidosa: que busca ele nos dizer senão que Freud não cessou de frequentar o mal, pois teria dormido com mulheres de sua família, extorquido indevidamente quantias colossais de seus pacientes e pactuado com o diabo (o nazismo)?
Através dessa busca da denúncia de um
pecador – e não da questão colocada pela enunciação de um pesquisador – temos a
impressão de que Michel Onfray, que dispende tanta energia para denunciar a
Igreja, se conduz como um padre dos tempos antigos: tão fascinado pelo pecado
que é levado, sem temer o ridículo, a inventar fábulas tão loucas quanto
aquelas que eram inventadas pelos inquisidores para autentificar sua condenação
das bruxas.
Do mesmo modo que elas eram cúmplices do diabo, Freud, segundo o inquisidor moderno que é Michel Onfray, era cúmplice desse mal diabólico encarnado em sua época pelo nazismo. É nessa perspectiva que podemos dizer que o discurso de Michel Onfray, tal como o do inquisidor, não critica: ele nega.
O que o inquisidor nega ao dizer que a bruxa pactua com o diabo será muito diferente do que Onfray nega ao dizer que Freud pactua com o demônio sexual ou o demônio nazista? A esse respeito, eu diria que o ponto comum entre eles é a obediência a esse Mestre que é o supereu que, incapaz de pensar de outro modo senão através da perseguição, torna possível tais contra-verdades aberrantes, por exemplo, situar Freud como simpatizante do nazismo.
Em relação a essa acusação precisa, é
necessário agradecer a France Culture por ter de alguma forma respondido
a Onfray ao transmitir, em 10 de julho passado, o texto “Freud e Einstein – Por
que a Guerra?”, interpretado por Michel Bouquet e Pierre Forest. Lembremos, com
efeito, que a correspondência entre esses dois homens – a partir da qual escrevi
o diálogo que foi transmitido pelo rádio – lhes foi encomendada em 1933 pela Sociedade
das Nações, que, conhecendo perfeitamente sua posição radical em relação a Hitler, lhes solicitou intervir sobre a
questão do perigo nazista.
Voltemos à diferença entre a crítica e
a negação: quando Sartre critica o inconsciente freudiano, pois este lhe parece
introduzir um limite infranqueável à liberdade, ele coloca os psicanalistas na
posição de responder o que é, segundo eles, a liberdade. Quando Levinas critica o inconsciente
freudiano, que lhe parece barrar o horizonte da transcendência, ele demanda do
mesmo modo uma resposta à sua questão. Quando Lacan critica o Édipo de Freud,
ele propõe ir mais além daquilo que Freud concebeu, pelo fato de sua própria
história, de sua própria neurose.
A negação não tem nada a ver com a
crítica, pois ela não é efeito da razão, mas do supereu: ela é o meio pelo qual
o fato de acusar uma pessoa exonera de ter que acusar recebimento da mensagem
que esta pessoa porta. Da mesma maneira que o inquisidor nega o que a
feiticeira dá a entender do desejo humano, Michel Onfray, acusando Freud, é
exonerado de acusar recepção do dizer de Freud sobre o inconsciente.
Nessa perspectiva, eu não diria, como
alguns colegas, que se trata aí de um ódio em relação a Freud, mas sim de um ódio
estrutural, que, apesar da aparência, visa um real que ultrapassa
muitíssimo a pessoa de Freud. Esse ódio estrutural é aquele que anima o Mestre
tal como Lacan propôs defini-lo: ele é aquele que, sustentando um discurso que
é “o avesso da psicanálise”, está fadado, por isso mesmo, a consagrar sua vida
e sua energia a foracluir, a negar, a odiar, a própria existência do
inconsciente.
Devido à existência de tal ódio
estrutural, não devemos nos surpreender ao tomar conhecimento de que, lendo o
livro de Michel Onfray, as pessoas que têm uma experiência de análise, são
levadas imediatamente a reconhecer – sem ter que conhecer profissionalmente a teoria
ou a história da psicanálise – que este livro não fala nunca do que é a
psicanálise em ato.
A abertura para a ética própria ao reconhecimento do
inconsciente é necessária e suficiente para reconhecer um discurso negador.
IN: Psicanálise & Barroco em
revista v.8, n.2: 175-178, dez.2010 177
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