Realização:
Andréa Carvalho Mendes de Almeida, Bela M. Sister, Danielle Breyton, Deborah
Cardoso, Silvio Hotimsky e Susan Markuszower.
Tradução: Stella Maris Schebli.
Por mais de trinta anos, Marta Gerez
Ambertín, psicanalista argentina, rastreou de maneira exaustiva o conceito de
supereu na teoria psicanalítica, retomando os textos de Freud e Lacan para
tentar desfazer os inúmeros mal-entendidos que surgiram nas leituras
pós-freudianas.
Instância polêmica, assim ela nos
apresenta o supereu: “não é individual nem social; não é interior nem exterior;
não é própria nem alheia e, mais ainda, não é somente mera identificação ao
pai, tampouco uma simples herdeira do complexo de Édipo. Nem materno nem
paterno, nem feminino nem masculino, nem precoce nem maduro… seus enigmas invadem
com interrogações a teoria e a clínica psicanalíticas” .
Nos vários livros que escreveu, alguns
já publicados em português – As vozes do supereu (Ed. de Cultura e EDUCS, 2003)
e Imperativos do supereu – Testemunhos clínicos (Escuta, 2006) e nos inúmeros
artigos escritos para revistas especializadas, na Argentina e no exterior,
Marta Ambertín sustenta a correspondência entre supereu, masoquismo e pulsão de
morte. Enfatiza a paradoxal formulação do supereu como herdeiro do Isso e do
Complexo de Édipo e corrobora a sua implacável crueldade, como imperativo de
gozo, avesso do desejo inconsciente.
A partir do referencial lacaniano, toma
o supereu como ordenador para uma clínica diferencial da neurose, psicose e
perversão, e propõe algumas direções para o desenvolvimento da clínica
analítica.
Suas formulações ao redor da
problemática do super eu e da culpa lançam luz para se pensar questões ligadas
à problemática da modernidade, assim como de fenômenos sociais que dizem
respeito ao mal-estar na cultura nos dias de hoje.
É em seu último livro publicado no
Brasil, Entre dívidas e culpa: sacrifício (Cia de Freud, 2009) que explicita as
duas vertentes do sacrifício: as que permitem o laço social, o encontro dos
sujeitos, e aquelas que aniquilam, podendo levar, entre outros, ao assassinato
ou ao suicídio. Nele, Marta Ambertín se indaga sobre o que a psicanálise tem a
dizer sobre o fascínio que as práticas sacrificiais podem adquirir tanto no
sujeito como nos grupos sociais e que contribuições pode trazer para a economia
do sacrifício.
Consequente com suas investigações,
Marta Ambertín, também há muitos anos, participa de pesquisas com sociólogos,
advogados e psicanalistas, no Centro de Investigações Sociológicas da Faculdade
de Direito da Universidade de Tucumán, em pesquisas que abordam o entrecruzamento
do discurso jurídico e o discurso psicanalítico para pensar o problema do
crime, da culpa, da responsabilidade e os efeitos da sanção penal na
subjetividade, assim como o lugar que cabe ao sujeito ator do delito. Trata-se
de uma busca por ferramentas de abordagem para um possível campo de operação
conjunta, que cada vez mais vem obtendo reconhecimento na área judicial .
Sua longa trajetória na psicanálise,
marcada pela perseguição política nos tempos da ditadura militar Argentina,
estende-se por diversos países, passando pela França e alguns países na América
Latina. Sua história com o Brasil, em particular, vem dos anos de 1990, quando
foi convidada a ministrar cursos em diversas universidades, culminando com a
realização de seu pós-doc na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É
integrante da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia
Fundamental e participa ativamente no intercâmbio de trabalhos envolvendo
principalmente Brasil e Argentina.
Esta entrevista foi feita por escrito,
em julho de 2009. Agradecemos a disponibilidade e gentileza com que Marta
Ambertín respondeu a nossas perguntas, e esperamos que o leitor que já tenha
tido a oportunidade de conhecer um pouco de seu pensamento possa se atualizar
sobre suas mais recentes produções, e que aquele que toma contato pela primeira
vez com suas ideias possa se interessar por sua instigante e genuína
contribuição à transmissão da psicanálise.
PERCURSO Em seu livro Imperativos do Supereu, a
sra. afirma que nele procurou recuperar o peso teórico e clínico do conceito
freudiano de supereu. O que se passou com esse conceito após sua formulação?
Por que a necessidade de recuperá-lo?
MARTA AMBERTÍN Entendo que as formulações pós-freudianas erraram no caminho da formulação do supereu. Foi por isso que insisti em As vozes do Supereu sobre a necessidade de abandonar os lugares comuns onde muitos dos pós-freudianos colocaram o supereu, ou seja, vinculando-o à relação entre o sujeito e a realidade – um absurdo; ao bom funcionamento da consciência moral – impossível; à preservação do sujeito contra as transgressões – errôneo; ou à sua redução à identificação paterna – ridículo. Em meu livro Imperativos do Supereu acrescentei mais duas objeções: uma para aquelas concepções que pretendem homologar, facilmente e sem expor seu desencontro, supereu e inconsciente – aberração – e outra para aquelas que o situam como garantia narcísica – descabido. Ao realizarmos um PERCURSO minucioso pela obra de Freud no que se refere ao supereu, podemos constatar que, na formulação paradoxal do supereu como herdeiro do Isso e do Complexo de Édipo, confirma-se que o supereu fustiga mais além do princípio de realidade; instiga a consciência moral exigindo sempre mais; nada assegura contra as transgressões – às vezes as potencializa –; trata-se do pai, mas não da dialética da identificação paterna. E além do mais, corrói toda formação do inconsciente – impossibilitando-a e/ou destruindo-a – e, finalmente, não concede nenhuma segurança narcísica dado que, como instância da “crítica”, tende sempre à insensatez da hiper-reprovação.
PERCURSO Como a sra. pensa a questão do supereu
no mundo atual, no qual observamos uma carência de ideais culturais coletivos?
MARTA AMBERTÍN A partir do estatuto que Lacan outorga ao supereu, sabemos que ele desagrega todo laço social. Precisamente na “Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia”, Lacan destaca que não se pode inferir do supereu individual um suposto supereu social e mais ainda que, se houvesse a possibilidade de se conformar um supereu coletivo, produzir-se-ia uma “desagregação molecular integral da sociedade”. De fato, com a queda dos ideais, o assédio do supereu dissolve os laços sociais, produzindo a dessubjetivação – a perda da subjetividade – que produz um resultado grave na clínica psicanalítica e na vida cotidiana.
PERCURSO Se para a sra. o supereu não faz laço
social, como a sra. entende aquilo que Freud colocou em termos de supereu
cultural em O mal-estar na civilização (cap. VIII)?
MARTA AMBERTÍN Como já afirmei, o supereu dissolve os laços sociais. Essa noção de “supereu cultural” em Freud produziu de fato algumas confusões. Para ele, fazer laço social, perseguir a felicidade cultural e pessoal é para o sujeito um tormento constrangedor. Entre o desideratum cultural e a singularidade do desejo e do gozo, mais de uma libra de carne fica no caminho… Pode-se então falar de um supereu cultural? Freud hesita. Será possível homologar a instância como posição estrutural do sujeito, ao conjunto maior da sociedade? “Outro ponto de acordo é que o supereu da cultura, em um todo como aquele do indivíduo, coloca severas exigências ideais cujo não cumprimento é castigado mediante uma “angústia da consciência moral” . A partir disso, pode-se presumir que, na realidade, aquilo que Freud denomina de “supereu da cultura” e que opera sobre a massa está mais para o lado das insígnias ideais, ou seja, do Ideal do Eu como instância que incita a partir de Eros, convocando unidades cada vez maiores. E isso sem invalidar a ação corrosiva e dissociadora do supereu em cada um dos membros da massa. Desse modo, “os preceitos” do supereu na cultura deveriam ser entendidos como derivados do Ideal da Cultura que clama por alcançar suas aspirações, ainda que deixe como saldo o efeito dissolvente do supereu na singularidade do sujeito, no um a um de cada sujeito. O supereu não faz massa, não faz conjunto, nem religião, tampouco laço social; como é demonstrado pela sua incidência singular nos crimes das massas e nos obstáculos da transferência.
PERCURSO A sra. descarta a ideia de um supereu
feminino ou masculino. Existiria algum sentido em pensarmos a diferença entre o
supereu das mulheres e o dos homens?
MARTA AMBERTÍN Sim, de fato não se pode falar do supereu feminino ou masculino, o supereu em Lacan como objeto a, como imperativo de gozo não tem nem sexualidade nem gênero. No entanto, é possível referir-se à incidência do supereu nas mulheres e nos homens. Em Sobre a sexualidade feminina, Freud destaca as hipóteses acerca da incidência do supereu nas mulheres, ratificando que ele é menos cruel e desapiedado do lado feminino. Insistimos em nossa proposta: existe incidência do supereu nas mulheres; negar isso seria rejeitar a posição estrutural da instância em toda subjetividade, mas é necessário acrescentar que as mulheres têm melhores recursos para negociar com a cruel instância no trâmite e herança edípica – o que não ocorre com a herança do Isso. A mascarada feminina é um bom recurso para colocar limites ao supereu.
Por outro lado, as vicissitudes do Édipo nos homens e a herança do Isso deixam como saldo uma disposição de cruel dureza do lado masculino. O varão, pelo interesse narcísico em conservar sua masculinidade, se vê obrigado a reciclar a incorporação originária ao pai. Na modelação superegoica, o “eco de ameaça” de castração se faz ouvir ali onde declara amor e hostilidade pelo pai, agora voltado contra o próprio sujeito. Tal é o saldo hiper severo do supereu do lado masculino e tal é a inserção singular do varão na miséria da cultura.
Nas mulheres, em geral, o saldo é mais benevolente pois, ao não declinar definitivamente do Édipo, mantêm o laço amoroso com o pai – que não está do lado do incesto pelo efeito substitutivo do corpo da mãe – e mais enfraquecida a remodelação da incorporação intrusiva. Entende-se, portanto, porque “[…] as consequências culturais de sua dissolução são menores e menos importantes [….] (o que) dá seu cunho especial ao caráter das mulheres como seres sociais” .
Na dissolução inconclusa do Édipo, as mulheres permanecem ligadas por um laço amoroso ao pai, de quem continuam esperando uma reparação ou um dom. Desse modo, o que lhes interessa é conservar esse amor, ficam mais à mercê da demanda do Outro e aplacam a exigência superegoica que, em função desse álibi, torna-se menos severa.
Talvez por isso seja possível afirmar que a consciência moral das mulheres é mais passível de suborno; o seu dever, menos kantiano, e sua ética, mais leve. A mentira histérica e o achado freudiano da proton-pseudos-histérica nos falam do importante recurso simbólico com o qual contam as mulheres no apelo ao pai; recurso criativo para atenuar não só o “eco do castigo da castração” como também o “pecado original” do crime parricida. São mais influenciadas pela voz modulada que pede ao pai e aos seus substitutos o encanto-trovador, do que pela voz átona do eco do castigo da castração; porta aberta ao desejo que lhes impede de usufruir em demasia do gozo superegoico.
Levando em consideração a importância dos estudos de gênero na atualidade e as fórmulas de sexuação de Lacan, prefiriria falar de lado masculino ou de lado feminino em vez de mulheres ou homens. Cada sujeito pode ocupar algum desses lados para além de seu sexo anatômico, mas sabemos que o “lado homem” padece muito mais da voracidade superegoica do que o “lado mulher”.
PERCURSO Qual seria a importância do humor
frente à constelação superegoica?
MARTA AMBERTÍN No livro As vozes do Supereu, dediquei um capítulo para a relação do humor
negro com o supereu. Uma faceta insólita de crueldade amável no supereu se
apresenta com o “problema econômico do humor”, o qual se esquiva dos dardos da
instância e deixa um saldo ganancioso de prazer através da criatividade.
É necessário estabelecer claramente as diferenças entre o chiste, o cômico e o humor, do mesmo modo que seu estatuto tópico e metapsicológico, posto que a face amorosa e quase “benevolente” do supereu no humor (de qualquer modo negro) se sustenta no complicado inter jogo de ressexualização que torna frouxa, cruel e burlesca a dureza do supereu, ao transformar a luta de poderes entre as instâncias em mera caricatura de poder e a fustigação do pai cruel em farsa – produto de um verdadeiro ato de invenção.
O humor não é defesa nem renegação, tampouco triunfo narcisista ou recurso identificatório e nem careta maníaca. É factível retomar a questão do humor desde o fantasma e a sublimação.
No que diz respeito ao humor e à direção da cura, pode-se pontuar que o analista pode tirar partido deste para fazer semblante quando fracassa a “sombra do objeto” na melancolização, porque este ardil permite ao analisando contornar o objeto do fantasma. Já a ausência de humor na psicose é um impedimento para sua estabilização, ainda que, às vezes, a produção do sinthome na psicose consiga a produção do humor.
É necessário estabelecer claramente as diferenças entre o chiste, o cômico e o humor, do mesmo modo que seu estatuto tópico e metapsicológico, posto que a face amorosa e quase “benevolente” do supereu no humor (de qualquer modo negro) se sustenta no complicado inter jogo de ressexualização que torna frouxa, cruel e burlesca a dureza do supereu, ao transformar a luta de poderes entre as instâncias em mera caricatura de poder e a fustigação do pai cruel em farsa – produto de um verdadeiro ato de invenção.
O humor não é defesa nem renegação, tampouco triunfo narcisista ou recurso identificatório e nem careta maníaca. É factível retomar a questão do humor desde o fantasma e a sublimação.
No que diz respeito ao humor e à direção da cura, pode-se pontuar que o analista pode tirar partido deste para fazer semblante quando fracassa a “sombra do objeto” na melancolização, porque este ardil permite ao analisando contornar o objeto do fantasma. Já a ausência de humor na psicose é um impedimento para sua estabilização, ainda que, às vezes, a produção do sinthome na psicose consiga a produção do humor.
PERCURSO Ainda que o supereu seja voz imperativa
do lado do gozo, não seria possível considerar que, em algumas circunstâncias,
exista nessa voz imperativa alguma dimensão de alerta e mesmo de proteção?
MARTA AMBERTÍN De modo algum. O supereu é um imperativo de gozo, a voz afônica do supereu é cruel. É preciso tentar regatear a incidência de gozo do supereu através da intervenção do significante dos Nomes-do-Pai, buscando que a voz possa assumir a forma de mandamento. Esse mandamento, ao ser modulado e vocalizado, supõe a introdução de uma ordem diferente que se estrutura, não em torno do buraco do Outro, mas sim em torno da castração do Outro. Nesse caso, a voz poderá transformar-se em palavras e, graças a sua mediação, que possibilita sua significação, será possível atenuá-la. A partir da instância da palavra, é possível fazer laço social. Caminho possível dos discursos (histérico, do amo, do analista e do universitário) formulados por Lacan e da criação do quarto nó, o sinthome.
PERCURSO Que lugar o supereu ocupa na condução de uma análise? Como pensar aí a questão do supereu do analista?
MARTA AMBERTÍN É muito importante posicionar o lugar a ser outorgado ao supereu na clínica. De fato, se me baseio nas premissas freudianas desenvolvidas anteriormente, não creio ser possível tornar benevolente a instância cruel, a não ser fechando os olhos diante da correspondência: supereu-masoquismo-pulsão de morte. Tampouco é viável pretender liberar a subjetividade do supereu, que, como instância, dá conta do inevitável pagamento masoquista do sujeito por seu acesso à lei. De qualquer modo e em relação à resposta anterior, trata-se de regatear o gozo pelas vias do desejo, apelando aos Nomes do Pai. Sabemos que a resistência mais terrível que pode se instalar em uma análise – a resistência do supereu – é a reação terapêutica negativa. Quanto ao supereu do analista, espera-se que sua análise e a travessia de seu fantasma permitam a primazia de seu desejo. Sem essa primazia não é possível para um analista conduzir uma análise.
PERCURSO Há muitos anos a sra. participa de
pesquisas no entrecruzamento da Psicanálise e do Direito, que basicamente giram
em torno do tema da culpabilidade e dos efeitos da sanção penal na
subjetividade. Os frutos dessa pesquisa inclusive foram publicados em vários
volumes organizados pela sra. A sra. poderia nos falar a respeito dessa
pesquisa?
MARTA AMBERTÍN Nos textos mencionados por vocês, Culpa, responsabilidade e castigo no discurso jurídico e psicanalítico, demos conta de nossas indagações sobre o delito: motivos, contexto e sociedade na qual esse ato se realiza, imaginário social de seus espectadores, sofrimento das vítimas a partir da análise discursiva dos processos judiciais e abordando as respostas da subjetividade ao crime: culpa, castigo e/ou responsabilidade. Apresentamos a análise de casos através da análise de processos judiciais que são sumamente esclarecedores sobre a relação entre crime, culpa e responsabilidade.
Interessa-nos responder sobre os ensejos enigmáticos que precipitam o ato criminoso; o que do sujeito entra em jogo em tal ato; as maneiras e concepções a partir das quais é julgado; as sanções que lhe são imputadas e os efeitos subjetivos – nos algozes e nas vítimas.
PERCURSO A sra. tem assinalado a importância de
o réu se responsabilizar pelo seu ato infracional, para que a penalidade tenha
significação e efeitos subjetivos. Caso contrário o castigo somente
potencializa o delito. Como promover essa implicação do sujeito e quais seus
limites?
MARTA AMBERTÍN Com relação ao supereu e a culpa, sabemos que o único resultado do castigo é o gozo masoquista, ou seja, gozo pulsional. Portanto, quanto maior o castigo, maior o delito ou a criminalidade. Trata-se de que o réu possa assumir seu crime, subjetivar sua falta e dar dimensão à sanção penal. Por isso, promovemos uma sanção penal com economia de castigo. Se o sujeito assume em seu discurso o lugar que lhe compete no banco dos acusados, é possível que assuma com responsabilidade suas faltas e se reintegre, purgando suas culpas, à sociedade que o condenou; mas se expulsa de seu discurso qualquer implicação subjetiva, deixando a punição para o juiz e para as instâncias sociais, provavelmente pode vir a potencializar seu ato criminoso. Mas devemos esclarecer que é absurdo pretender que um delinquente se “responsabilize” por seu ato se é tratado como um monstro, preso em lugares infernais, onde é permanentemente envergonhado e humilhado.
PERCURSO Como tem sido a repercussão desse trabalho na área jurídica?
MARTA AMBERTÍN Somos cada vez mais lidos e cada vez mais somam-se advogados e juízes aos nossos projetos de pesquisa. Creio que a repercussão mais efetiva é que em muitos processos judiciais nossas pesquisas são citadas e nas alegações dos juízes e promotores pede-se a intervenção do psicanalista, e é dada importância à subjetivação da falta. Esse será o assunto de minha palestra na IX Jornada da Escola Lacaniana de Psicanálise – Brasília, onde abordarei os temas “O sujeito, a lei e o gozo” e “Culpa e supereu na clínica”. Obviamente que os delitos com maior incidência em nossas pesquisas são aqueles tipificados na Argentina como “delitos contra a integridade sexual”, porém o interesse cada vez maior dos agentes judiciais na psicanálise obedece, a meu ver, à cilada do próprio Direito Penal ocidental, porque um de seus objetivos centrais é a “reabilitação” do condenado. Como pensar uma sanção penal “reabilitadora” se são ignorados os efeitos subjetivos da sanção e os meandros da culpa e do gozo?
PERCURSO Em setembro, a sra. lançará no Brasil
um livro inédito: Entre dívidas e culpas: sacrifícios. A sra. poderia nos
adiantar alguns aspectos desse trabalho?
MARTA AMBERTÍN Como disse, no dia 25 de setembro será apresentada, na embaixada Argentina em Brasília, a reedição do livro As vozes do Supereu e Entre dívidas e culpas: sacrifícios, ambos publicados pela Companhia de Freud do Rio de Janeiro.
A pergunta inicial do livro é: e… por que o sacrifício? A partir daí seguem as respostas: pela reincidência de manifestações sacrificiais extremas em nossas sociedades, pela “miséria psicológica das massas”, pelo persistente testemunho na clínica psicanalítica de sacrifícios tênues a severos (alguns deles chegando até o assassinato ou o suicídio), pelos atos de autoaniquilação que ferem os corpos, a vida amorosa e o trabalho ou ameaçam o laço social… tudo isso numa inquietante cotidianidade. E ainda, práticas sacrificiais no Ocidente cada vez mais esvaziadas de mitos e rituais e por isso mesmo dessacralizadas e aviltadas.
Proporciono diferentes versões do
sacrifício na clínica, na vida contemporânea e na criação artística imemorial
que permitem abordar essa questão. Por exemplo, o acting-out do paciente que
dispara um tiro “acidental” em sua cabeça, considerado por nós como um suplício
sacrificial; o sacrifício de Evita Perón ou de Ifigênia que, tal e qual muitos
filhos de hoje, oferecem sacrificialmente suas vidas para alimentar o gozo do
pai, e o que dizer da prostração das massas diante do amo atroz que precipitou
as matanças mais brutais no século passado ou no atual?
As práticas sacrificiais têm um ponto
em comum: sua produção é atribuída ao destino inclemente e funesto que castiga
e martiriza, o que dificulta, quando não impede, o questionamento de suas
causas e da implicação do sujeito ou dos grupos sociais nessas práticas; uma
boa razão para tornar o tema um nó crucial dos obstáculos na clínica e na vida.
O que precipita sujeitos e povos nessas práticas? Por que são tão fascinantes?
O que pode a psicanálise dizer acerca dessa fascinação? E que contribuições à
psicanálise pode dar no sentido de não ceder a essa fascinação e alcançar a
economia do sacrifício? Essas são as respostas que procuramos.
O sacrifício degradado da atualidade
recolhe somente fragmentos, resíduos, dejetos de mitos e ritos do passado. Eles
já não contêm nossos povos e sujeitos. É por isso que atualmente o sacrifício
dessacralizado e aviltado nem sempre é instituinte de comunidade; muito pelo
contrário, suas expressões esvaziadas de sacralidade ameaçam a sustentação do
laço social e as formações do inconsciente e produzem sempre um plus de
violência e de gozo.
Através da leitura de cada capítulo, pode-se obter ganhos teóricos e clínicos. Seja dos paradoxos dos Nomes do Pai no mito de Abraão e Isaac; da vitória no Holocausto de Ifigênia; do sacrifício na vida amorosa e no luto; da relação entre o sacrifício e a ingratidão; do sacrifício de Eva Perón e da fascinação sacrificial das massas que Freud nomeia como “miséria da massa”, verdadeiro reverso da “rebelião das massas” que leva ao trabalho sobre o tema do Holocausto e da Shoah.
Através da leitura de cada capítulo, pode-se obter ganhos teóricos e clínicos. Seja dos paradoxos dos Nomes do Pai no mito de Abraão e Isaac; da vitória no Holocausto de Ifigênia; do sacrifício na vida amorosa e no luto; da relação entre o sacrifício e a ingratidão; do sacrifício de Eva Perón e da fascinação sacrificial das massas que Freud nomeia como “miséria da massa”, verdadeiro reverso da “rebelião das massas” que leva ao trabalho sobre o tema do Holocausto e da Shoah.
Por tudo isso, Entre dívidas e culpas: sacrifícios,
pode interessar a uma ampla diversidade de leitores: aqueles que buscam uma
indagação detalhada da questão na teoria ou na clínica, ou aqueles que, mesmo
não tendo formação psicanalítica, se interessam pelos temas abordados.
FONTE: SITE REVISTA PERCURSO
2 comentários:
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Muito obrigado
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