O filósofo e historiador da arte francês Georges Didi-Huberman é o
convidado principal do projeto "Histórias de fantasmas para gente grande", que promove a partir desta sexta-feira, no Rio, uma
série de eventos em torno da obra do historiador alemão Aby Warburg
(1866-1929). O projeto inclui duas conferências de Didi-Huberman (hoje, às 19h,
no Palácio Capanema, e segunda-feira, às 19h, na ECO/UFRJ), um simpósio
internacional nos dias 28 e 29, no Museu de Arte do Rio (MAR), e a exposição
"Atlas, suíte", também no MAR, com curadoria do filósofo francês e do
fotógrafo austríaco Arno Gisinger. As inscrições para as conferências e o
simpósio já foram encerradas, mas haverá lista de espera nos dias dos eventos,
que serão transmitidos em streaming no site do MAR.
Nesta entrevista, concedida por e-mail,
Didi-Huberman fala sobre "Atlas, suíte", que será aberta dia 28 e é
uma versão da exposição "Atlas", exibida pela primeira vez em 2010 no
Museu Reina Sofía, em Madri. Discute também o pensamento de Warburg, que
estudava a recorrência das formas em diversas épocas e deixou obras como
"Atlas Mnemosyne", um conjunto inacabado de painéis onde reunia imagens
de autores e períodos distintos. Didi-Huberman compara a contribuição de
Warburg para a História da Arte e a filosofia da imagem ao legado de Freud para
a psicologia.
— Para Warburg, uma obra, seja ela qual for, é muito mais complexa e
contraditória do que o simples resultado de uma "inspiração" ou
"tradição". A memória é também inconsciente: como fazer História da
Arte a partir dessa hipótese fundamental? — diz o filósofo, que define a obra
de Warburg como uma "arqueologia das imagens".
Como parte do evento, Didi-Huberman lançará também o livro “A imagem
sobrevivente: História da Arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg”,
neste sábado, às 19h, no MAR, junto com os livros "A renovação da
Antiguidade pagã", clássico de Warburg publicado no Brasil pela primeira
vez, e “Aby Warburg e a imagem em movimento”, do historiador da arte
Philippe-Alain Michaud, curador da coleção de filmes do Centro Georges
Pompidou, de Paris, que também estará presente. Os três livros são publicados
pela coleção ArteFíssil, da editora Contraponto, coordenada pelo professor da
EBA/UFRJ Tadeu Capistrano, organizador do evento "Histórias de fantasmas
para gente grande".
Qual
é a concepção central da exposição "Atlas, suíte"? Quais são as
principais diferenças entre a exposição que chega ao Rio e a do Museu Reina
Sofía?
A exposição do Museu Reina Sofía, em 2010, foi realizada em uma
arquitetura prestigiosa, o antigo prédio do museu, e reunia um grande número de
obras importantes e, por isso, difíceis de fazer circular pelo mundo, tudo isso
com um custo considerável. Era um grande luxo, ainda por cima com a
inteligência conceitual de Manolo Borja, diretor do museu, que compreendeu
perfeitamente meu projeto. A exposição viajou depois para Karlsruhe e Hamburgo,
onde foi preciso adaptá-la às características locais e também ao fato de que
não era possível transportar obras de porte como "On ne joue plus",
de Giacometti (que fica no MOMA) ou a grande escultura, muito frágil, de Marcel
Broodthaers, "Pense-bête". "Atlas" era uma exposição
fundada em um pensamento teórico — epistemológico, estético, antropológico,
político — da imagem. Por isso, naturalmente, interessou como, aqui, Tadeu
Capistrano. Quando ele evocou a ideia de que a exposição viajasse ao Brasil,
senti que era impossível por toda sorte de razões práticas. Então a resposta
foi muito simples: por que não usar a fotografia — que é o meio fundamental do
atlas de imagens desde o século XIX — para fazer viajar a exposição? A resposta
foi fácil também porque eu conhecia o trabalho de Arno Gisinger, que está no
lado oposto à concepção de uma "fotografia-quadro" e que, portanto,
usa a plasticidade do meio fotográfico para adaptá-lo a cada condição de
exposição. Gisinger fotografou "Atlas" com seu olhar singular, e
depois fizemos escolhas de corpus, escolhas de montagem, e então foi possível
transformar uma exposição monumental — 2.500 metros quadrados em Madri, quase 5
mil em Hamburgo — em uma forma experimental que pode ser abrigada no espaço de
uma futura biblioteca de arte.
Você já descreveu o
atlas como "uma forma visual de conhecimento" e "um trabalho de
montagem", onde tempos diferentes convivem e se chocam. Qual é a
importância da forma-atlas e do método de montagem para a obra de Aby Warburg?
Warburg compreendeu — como Eisenstein na mesma época — que uma imagem é
sempre um organismo complexo, sempre resultado de uma montagem de espaços
heterogêneos (por exemplo, quando vemos uma Anunciação, que ocorreu na
Palestina, situada ao lado de uma paisagem da Toscana) e montagem de tempos
heterogêneos (por exemplo, quando, no espaço de uma história do Novo
Testamento, vemos o retrato de santo Antonio de Florença, que viveu no século
XIX). Warburg compreendeu que os eventos mais "no presente", ou seja,
os gestos humanos, são eles próprios montagens temporais. Era preciso então que
seu método pudesse dar conta de tal natureza de montagem (ana-tópica e
ana-crônica) nas imagens. "Atlas Mnemosyne" simplesmente põe em
prática essa constatação fundamental sobre as imagens compreendidas como
organismos complexos e não naturais.
Você
compara a contribuição de Warburg para a História da Arte, sobretudo no
"Atlas Mnemosyne", à contribuição de Freud para o campo da
psicologia, notadamente com "A interpretação dos sonhos". Qual é a
analogia possível entre esses dois pensadores?
Warburg entendeu que as imagens são ao mesmo tempo objetos físicos (as
imagens têm um corpo) e objetos "anímicos", digamos assim. Analisar
uma imagem é analisar a complexidade de uma estrutura psíquica feita de
memórias imbricadas umas nas outras e de desejos eventualmente contraditórios.
Memória, desejo, conflito: tudo isso é exatamente o que Freud estava à altura
de compreender a partir do momento em que formulou a hipótese do inconsciente,
do recalque, do retorno do reprimido etc. O grande paralelismo entre a teoria freudiana
do desejo e a teoria warburguiana da imagem é que o inconsciente é reconhecido
por sua capacidade de trabalhar sob ou através dos discursos manifestos. Isso
quer dizer, no que concerne a História da Arte, que uma obra, seja ela qual
for, é muito mais complexa e contraditória do que o simples resultado de uma
"inspiração" ou "tradição". A memória é também
inconsciente: como fazer História da Arte a partir dessa hipótese fundamental?
Tudo está aí.
Você já definiu o método de Warburg
como uma "arqueologia das imagens". Em "A imagem
sobrevivente", você escreve que a obra dele tem a capacidade de
"desorientar a História". Que concepção de História emerge da obra de
Warburg?
É uma concepção mais nuançada, mais sutil — mas também mais violenta e conflituosa — do que uma simples linha evolutiva. Um historiador que pensa só em termos de "evolução", ao dizer por exemplo que o Renascimento é um "progresso" em relação à Idade Média, é um pensador limitado, idealista e simplificador. Lembremos que o grande teórico da evolução no século XIX, Darwin, já falava de todos os paradoxos possíveis a que a evolução é suscetível: ele os chama de "heterocronias" ou "missing links", por exemplo. Esses fenômenos são ainda mais perceptíveis na história cultural: eles desorientam a História se por "História" entendemos o ideal de um relato orientado. Ao dizer isso, obviamente, não estou me colocando "contra" a História enquanto disciplina. Pelo contrário, defendo para ela uma complexidade de uma ordem um pouco distinta daquela introduzida, na França, pela Escola dos Annales, com seus "tempos breves, médios e longos".
É uma concepção mais nuançada, mais sutil — mas também mais violenta e conflituosa — do que uma simples linha evolutiva. Um historiador que pensa só em termos de "evolução", ao dizer por exemplo que o Renascimento é um "progresso" em relação à Idade Média, é um pensador limitado, idealista e simplificador. Lembremos que o grande teórico da evolução no século XIX, Darwin, já falava de todos os paradoxos possíveis a que a evolução é suscetível: ele os chama de "heterocronias" ou "missing links", por exemplo. Esses fenômenos são ainda mais perceptíveis na história cultural: eles desorientam a História se por "História" entendemos o ideal de um relato orientado. Ao dizer isso, obviamente, não estou me colocando "contra" a História enquanto disciplina. Pelo contrário, defendo para ela uma complexidade de uma ordem um pouco distinta daquela introduzida, na França, pela Escola dos Annales, com seus "tempos breves, médios e longos".
Que
aberturas a obra de Warburg pode oferecer para a compreensão de nossa
contemporaneidade?
Warburg era movido, de um lado, por uma questão central, que ele chamava
de "a sobrevivência da Antiguidade". Mas não era um
"antiquário". Pelo contrário, era extremamente inquieto em relação ao
presente e ao futuro. Testemunho disso está na grande série de fotografias da
Primeira Guerra Mundial, exibidas pela primeira vez na exposição
"Atlas" e que reaparecem parcialmente, no Rio, por meio das imagens
de Arno Gisinger. O melhor meio de compreender essa abertura ao contemporâneo é
ler Warburg com as palavras e ideias e Walter Benjamin, que era bem próximo
dele em alguns pontos.
Suas
conferências no Rio vão tratar de Pasolini e Malraux. Que aspectos da obra
deles você vai discutir?
A relação entre memória cultural e uma situação política contemporânea. Em Malraux, no "Museu imaginário", esse tema é endereçado a partir da fotografia. Em Pasolini, a posição política — até suas urgências mais extremas — não ocorria jamais sem uma reflexão sobre a memória cultural.
A relação entre memória cultural e uma situação política contemporânea. Em Malraux, no "Museu imaginário", esse tema é endereçado a partir da fotografia. Em Pasolini, a posição política — até suas urgências mais extremas — não ocorria jamais sem uma reflexão sobre a memória cultural.
Por Guilherme Freitas
FONTE: BLOG Prosa e Verso
2 comentários:
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