Famílias
sintomáticas
by: Fabian Fajnwaks
O desejo de “formar família” encontrou uma
espécie de interpretação na resposta recente de nossos governantes: “família
para todos”. A que real essa interpretação responde?
O debate atual colocou em evidência os
preconceitos dos psicanalistas. Escuta-se, principalmente, uma ideologia edipiana.
Lembremos o que Jacques-Alain Miller dizia, num colóquio em Nice, em 2003,
sobre os gays em análise: a prática com os sujeitos homossexuais nos obriga a
suspender todo preconceito. Seria possível dizer exatamente a mesma coisa da
ideia que cada uma das orientações analíticas faz da família.
Portanto, as novas
reivindicações nos convidam não apenas a revisar nossos preconceitos, como
também a repensar alguns dos fundamentos da teoria psicanalítica: a relação do
drama edipiano com as funções do “Nome-do-Pai” e do “Desejo da Mãe”, a relação
do desejo com a Lei, o próprio estatuto da Lei: ela está do lado do Nome-do-Pai
ou no seu para-além, quer dizer, na relação do sujeito com o gozo? E
finalmente, é a direção do tratamento que está em questão: deve ser pensada nos
termos do complexo de Édipo ou na perspectiva do sinthoma?
Ser homossexual implicava,
outrora, assumir a marginalização que a repressão social impunha a uma prática que
era, até recentemente, punida como um delito. É possível então compreender,
aceitar e mesmo sustentar a reivindicação dos casais homossexuais que querem
ver seu estatuto oficializado pela Lei, na perspectiva de fundar uma família.
Quanto a isso, a
psicanálise não tem nada de novo a dizer. Ela mesma está na origem das
reivindicações que almejam ver os estilos de vida existentes reconhecidos pela legislação.
O que caberia interrogar é o desejo de institucionalizar os modos de vida que,
até então, não tinham necessidade de nenhuma legislação para existir. O “Famílias,
eu vos odeio”, proferido outrora por Gide, foi substituído por um “Famílias, eu
vos amo e quero criar uma”, que pode apenas interpelar aqueles que acreditavam que
a homossexualidade era subversiva por si mesma. Por exemplo, essa era a posição
de um Michel Foucault que, no início dos anos 80, esperava que a
homossexualidade desse lugar a novas formas de vida e de amizade entre os parceiros.
Quando nos interessamos
por esses debates, não podemos deixar de voltar os olhos para a Califórnia dos
anos 80. Encontra-se, então, um ar de déjà-vu. Realmente, a Queer Culture e os
Gender studies eram o fato de militantes reagirem à vontade dos movimentos gays
e lésbicos de se institucionalizar, segundo a norma heterossexual.
Lacan se perguntava, no
final de suas “Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina”, se
seria por causa da “instância social da mulher” que se mantinha o estatuto do
casamento no declínio do paternalismo. “Questão irredutível”, acrescentava ele,
“em um campo ordenado pelas necessidades”. Efetivamente, é a partir de um
desejo que, no seu próprio estatuto de desejo ignora completamente o campo
ordenado pelas necessidades, que casais excluídos do casamento o demandam hoje,
onde mais nenhum Nome-do-Pai resiste. Eles não o demandam em nome da “instância
social da mulher”, pois essa demanda não se baseia na lógica do “nãotodo”, mas
principalmente na lógica do todo: pede-se para ser incluído no direito, logo,
no grande “Todo”.
O movimento gay permitiu
fazer laço social. O queer o criticou: os gays aspiravam, segundo eles,
reabsorver, homogeneizar o gozo num universal, na medida em que seu gozo não se
submete a uma norma calcada na norma heterossexual. Como explorava J.-A. Miller
: “o queer ressalta, no fundo, que o gozo é rebelde a toda universalização, à
Lei, e ele barra, ao gay, a permanência nos limites do significante-mestre
massificador, portanto, nos limites do Édipo”.
A formalização mínima que
Lacan dá em sua “Nota sobre a criança”, de 1969, responde às inquietações dos analistas
nostálgicos do Édipo. Na “constituição subjetiva”, Lacan evoca a articulação
entre “um desejo que não seja anônimo, o de um interesse particularizado, que o
foi pelas próprias faltas da mãe”, e um Nome que seja “o vetor de uma
encarnação da Lei no desejo”. Lacan resume assim o Édipo, e lhe dá sua
estrutura, para além de toda referência ao imaginário. A diferença sexual dos
pais não é evocada aqui. Se alguns psicanalistas receiam pelo desaparecimento
da castração no caso de same-sex marriage, é que eles imaginarizam essa função.
De fato, é na relação ao Um do gozo e ao seu para além que a castração tomará
seu lugar.
A socióloga Michaela
Marzano observava, nas colunas do Libération, que, mesmo que se case cada vez
menos, forma-se essencialmente família, com o projeto de ter filhos. O filho
está no centro do que reúne dois parceiros, que se nomeiam pais,
independentemente de seu sexo. É o que designa o termo “parentalidade”.
Um outro sociólogo,
Zygmunt Bauman, no livro Amor líquido, descreve o lugar do filho hoje, como
aquele de um “objeto de consumo emocional”, termo que se refere ao caráter
fetiche que a criança pode ter nas sociedades de mercado. Mas isso é deixar de
lado o valor de sinthoma que o filho pode ter para certos casais.
Seria até mesmo possível
se divertir em dizer como mostra M. Godelier, que no projeto de filhos que um
casal homoparental constrói, é
preciso pelo menos três elementos, quando não três genitores: os dois parceiros
e um terceiro, doador de esperma ou de óvulos. A criança se apresenta, então,
como o quarto termo que reúne esses sujeitos.
Lacan isola em sua “Nota
sobre a criança” as funções da criança: “sintoma do casal familiar” e “fetiche”
do gozo materno. É preciso agora incluir a função inédita da criança sinthoma,
como atualmente permitem a ciência e o direito. Não que essa função não tenha
existido no passado, mas hoje ela é proposta no mercado do desejo. Será preciso
examinar que retorno terá essa abordagem direta do desejo materno, por exemplo,
sobre os sintomas da criança.
“Não estamos entre os que
se afligem com um pretenso afrouxamento do laço de família”, enunciava Lacan
muito cedo, desde 1938, em “Os complexos familiares”. Talvez ele não soubesse
ainda o que viria como afrouxamento. Ou então, se esta afirmação tem justamente
um caráter estrutural: ela é completamente válida, atemporal.
Portanto, a questão hoje
não é somente saber como o analista poderá operar com os sintomas produzidos
por essas mutações familiares, mas também que efeitos de retorno acontecerão
sobre a própria psicanálise, com essas mutações nas famílias: as famílias
pós-edipianas, sinthomáticas.
Extraído de uma conferência feita a convite
da Seção clínica de Estrasburgo, em 12 de janeiro de 2013 e publicado em Lacan Quotidien
n. 270. Tradução: Ana Paula Sartori Lorenzi.
Fonte: Revista Opção
Lacaniana Online
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