Amores Expressos
Jurandir
Freire Costa
O Paradoxo
Amoroso – Ensaio sobre as Metamorfoses da Experiência Amorosa, de
Pascal Bruckner, é mais um trabalho sobre o amor. O autor aborda o tema em modo
de ensaio, ou seja, sem sistematizar a armadura conceitual histórica,
filosófica, psicológica, semântica etc. da leitura escolhida. Nesse sentido, o
livro tem o perfil de uma meditação moralista à la Montaigne, Pascal,
La Rochefoucauld ou outros do gênero. A pretensão é absolutamente legítima, mas
paga o preço da escolha do método.
Primeiramente, os pontos
fortes. Bruckner observa a distância o panorama amoroso contemporâneo,
revelando suas linhas de força. A tese é, grosso modo, a seguinte: somos filhos
inconscientes do Maio de 1968. A revolução amoroso-sexual daquele período triunfou.
Não, porém, como previam
os protagonistas do acontecimento. As astúcias da história transformaram a
fantasiada liberação sexual em pesadelo amoroso. Somos livres para amar como
nunca fomos, mas jamais fomos tão solitários, infelizes, tristes e queixosos em
matéria de amor. A liberdade conquistada descambou num ideal amoroso tirânico:
prazer perene, à prova do desgaste do tempo e do hábito.
O resultado é a
insatisfação crônica; a busca masoquista pelo “defeito” em si ou no outro,
responsável pela obsolescência precoce de tantos sonhos de amor.
Bruckner não se deixa
iludir pelo catastrofismo do “tudo está perdido”. Tampouco endossa a açucarada
receita dos manuais de autoajuda sobre o “verdadeiro amor” ou o jacobinismo
militante de certas minorias sexuais. De forma cortante, diz em certo trecho:
“Não somos nem heróis nem santos, somos simples humanos com capacidade de
dedicação limitada”.
Até aí, tudo corre
macio. Num segundo momento, entretanto, surge a tentativa de entender as razões
do imbróglio amoroso, e começam os tropeços do estudo. A desenvoltura
histórica, filosófica ou psicológica assumida impede o autor de ver o fosso
entre a descrição e a explicação do “paradoxo amoroso”.
Bruckner afirma que a
infelicidade amorosa de hoje se deve a uma “idealização do sentimento”, cuja
fonte é a despropositada injunção cristã do “amai-vos uns aos outros”. A
religião, às caladas, continuaria a orientar as expectativas amorosas.
Idealização
Fazer da tradição judaico-cristã bode expiatório das mazelas ocidentais não é novidade no pensamento crítico. Bruckner, sob esse aspecto, apenas engrossa a fileira dos que sempre têm à mão um “cristianismo” apropriado às suas necessidades ideológicas.
Fazer da tradição judaico-cristã bode expiatório das mazelas ocidentais não é novidade no pensamento crítico. Bruckner, sob esse aspecto, apenas engrossa a fileira dos que sempre têm à mão um “cristianismo” apropriado às suas necessidades ideológicas.
Por exemplo, ao falar
sobre o despotismo do ideal amoroso, ele diz que cristianismo e stalinismo
mataram e oprimiram milhões de seres humanos “em nome do amor”.
E, prossegue, não é por
acaso que “os últimos intelectuais comunistas na Europa, Alain Badiou e Slavoj
Žižek, entre outros, tenham todos eles evocado São Paulo, o cristianismo e o
poder transfigurador do amor”.
Em suma, o rígido ideal
do amor cristão e do amor à humanidade socialista resultou em brutalidades
inomináveis. O que engasga nessa explicação? Antes de tudo, o equívoco entre
esperança messiânica e amor. É verdade, cristianismo e socialismo, de formas
diferentes, pregam a ideia de redenção futura da humanidade.
Bruckner considera-se
livre desse vírus cultural, que, a seu ver, corrompe a realização amorosa. Mas
parece ignorar a natureza messiânica contida em suas demandas democráticas de
progresso e pluralidade morais. O respeito ao próximo, que ele propõe como
substituto do nefasto “amor ao próximo” cristão ou marxista, é tão cristão como
tudo que ele rejeita.
O moralista não é
obrigado a se curvar ao rigor da análise sistemática dos termos que utiliza,
mas deve oferecer a seu público algo além do lugar-comum sobre ética cristã e
ideais de amor. Bruckner toma como equivalentes o “amor romântico” e os
mandamentos judaico-cristãos do “amor ao próximo”.
Por isso, explica as desditas
do amor ora pela idealização míope da credulidade cristã, ora pela própria
natureza da emoção amorosa. Num certo trecho, ele diz: “Quanto ao sofrimento
amoroso, ele é indissociável da felicidade, nosso desgosto nos agrada e nos
faria falta se desaparecesse… Talvez a paixão esteja fadada ao infortúnio, mas
é um infortúnio muito maior nunca ter se apaixonado”.
A mistura de conceitos
logicamente diversos – o amor romântico e o amor cristão à dignidade do outro –
redunda em incongruência. Pois, se o sofrimento amoroso é inevitável, por que
imputar à suposta obtusidade cristã a responsabilidade pela idealização
martirizante do amor? Se levarmos a sério o que é dito, com ou sem
cristianismo, estaremos destinados a sofrer por amor e gozar com esse sofrimento.
Enfim, o que vale é a explicação psicológica sobre os riscos de amar
ou a explicação histórica sobre o ideal religioso humanamente inatingível?
ou a explicação histórica sobre o ideal religioso humanamente inatingível?
O valor do ensaio
moralista está na exposição às claras da perspectiva do autor. Bruckner, no
entanto, quer fundar teoricamente uma asserção baseada na autoridade pessoal de
quem a enuncia. Deixemos de lado esse propósito ambivalente. Guardemos do autor
o que ele tem de melhor, em especial a frase com que termina o livro: “Amamos
tanto quando podem os homens amar, ou seja, imperfeitamente”.
Lido nessa chave, o
trabalho de Bruckner é um belo trabalho.
In:
Revista Cult
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