O
sujeito e seus parceiros libidinais: do fantasma ao sinthoma
Trata-se de se
colocar em tensão três proposições. A primeira, formulada por Lacan nos anos
sessenta, apreende a mulher pelo lado do objeto do fantasma do homem e não pelo
lado do seu sintoma. A segunda, formulada nos anos setenta, apreende a mulher
enquanto sintoma do homem. A terceira, antecipada por J.-A. Miller no seu
seminário de 1998, deduzido das versões lacanianas do parceiro subjetivo,
propõe a fórmula do parceiro-sintoma. Esta versão designa o real como um
impossível de ser suportado. O real pode se manifestar através dos pensamentos
nos sujeitos obsessivos, através do corpo nas histéricas e também por um
parceiro da vida amorosa ou familiar. Nesta perspectiva, o parceiro-sintoma
pode designar uma mulher para um homem, assim como um homem para uma mulher.
Como então compreender esses deslocamentos sucessivos?
A mulher como objeto
do fantasma do homem
A
fórmula “a mulher é o sintoma do homem”, contemporânea da elaboração do sinthoma, foi precedida por uma
concepção mais restrita. A fórmula do fantasma foi suficiente durante um
momento, ao situar a posição da mulher em relação ao homem. Lacan formulou
efetivamente que a mulher era o objeto do fantasma do homem em sua dimensão
imaginária e não o seu sintoma. Nesse tempo de elaboração, que encontrará o seu
desenvolvimento com a “Proposição de 1967”, a análise é concebida como uma
experiência de saber que se apoia sobre o sujeito como um ser do desejo. Este
encontra duas soluções para o problema do desejo. Uma solução negativa (–φ), hiância da função fálica no complexo de castração, e uma solução positiva, o objeto a,
objeto obturador, objeto causa do desejo, causa do fantasma, segundo Lacan. Por
essas vias, o sujeito descobre como o fantasma, alicerce do seu desejo, se
articula com o objeto causa.
Em “observação sobre
o relatório de Daniel Lagache”, Lacan situa a mulher na posição de objeto a,
objeto do fantasma para o homem. Ele escreve:[1]
“Para ter
acesso a esse ponto, situado para-além da redução dos ideais da pessoa, é como
objeto a do desejo, como aquilo que ele foi para o Outro em sua
ereção de vivente, como o wanted ou o unwanted de
sua vinda ao mundo, que o sujeito é chamado a renascer para saber se quer
aquilo que deseja... [...] Esse é um campo em que o sujeito, com sua pessoa,
tem que pagar sobretudo pelo resgate de seu desejo. [...] É visível [...] que,
para fugir dessa tarefa, há quem se preste a todos os abandonos, inclusive a tratar
[...] os problemas da assunção do sexo em termos de papel!”[2]
Lacan critica aqui o
engodo contemporâneo em moda, o do sex and gender na abordagem
da assunção do sexo. Trata-se de nada mais, nada menos do que do abandono do
real da castração e de deixar cada um representar o seu papel na comédia dos
sexos, papel reduzido à sua dimensão sociológica.
Neste texto, Lacan se
opõe a esta perspectiva e escreve o desejo do macho como F(a). Grande phi, é evocado em termos de função. Este
designa, em lógica, um operador que remete a uma variável. A variável remete a
um furo na linguagem. É o que observamos quando substituímos, por exemplo, a
proposição “todo homem é mortal” por “todo a é b”. Para Lacan, a variável
remete o furo ao significante perdido e a função recupera a perda. Dentro da
perspectiva do grande phi, o
significante perdido é “ser homem”. Não há identificação possível ao
significante positivo fálico. Não há identificação possível que permitiria
dizer “eu sou o falo que convém a uma mulher” porque existe a castração. Para
Lacan, não há possibilidade de se identificar a isto. Ele contradiz o desejo
daqueles que querem pensar a assunção do sexo em termos de papéis. Seria um
culturalismo do papel masculino.
Lacan propõe uma
interpretação freudiana radical. Poderíamos formulá-la da seguinte forma: não
existe uma maneira ideal de se identificar ao papel masculino porque existe a
castração. Como existe um furo, aquele da identificação fálica positiva,
variável em suma, a função F, a função fálica, aquela que diz que
“somos todos submetidos à castração”, implica que estes precisamente estão à
procura da parte perdida deles mesmos, para recuperá-la. Eles recuperam a parte
perdida deles mesmos, o que seria a identificação fálica positiva, no corpo do
outro, o outro enquanto parceiro-sexual, sob os auspícios do objeto a,
quer seja oral, anal, escópico ou invocante. Recuperar o objeto a no
corpo do outro se faz ao preço do sacrifício do falo na relação sexual. Em
outros termos, o sujeito masculino coloca em jogo o falo para livrar-se da
questão e recuperar desta forma o significante identificatório “ser um homem”.
A fórmula do desejo do macho designa o lugar da mulher como sendo o do objeto a
do fantasma.
Contudo, o parceiro
essencial que Lacan revela a partir da estrutura do fantasma é o objeto a.
Não é, como observa J.-A. Miller, o Outro sujeito. Também não é mais a imagem
ou o falo, mas um objeto destacado no corpo do sujeito, recuperado no corpo do
outro sexual. O parceiro essencial do sujeito elaborado neste período é o
objeto a. Este é a substância não apenas da imagem do outro, mas do
grande Outro. Neste sentido, Lacan poderá dizer “que ele é assexuado”.
Esses anos são
pontuados pela interrogação sobre a relação ao Outro sexual. Em
“Posição do inconsciente”, a pulsão representa a sexualidade no inconsciente.[3]
Posteriormente, Lacan
retomará esta formulação precisando que ela não a representa enquanto
referência ao Outro sexual, mas enquanto redução à relação com o objeto a.
A pulsão representa a sexualidade no inconsciente a partir do objeto a, e
não enquanto referência ao parceiro sexual. A representação da sexualidade no
inconsciente, a partir da pulsão, quer dizer que a sexualidade não tem
representação no inconsciente. Esta perspectiva encontrará a sua última
formalização a partir dos desenvolvimentos do seminário Mais ainda.
No lugar propriamente dito da relação sexual impossível que não cessa de não se
escrever, e se revela como uma não relação, como uma fórmula que não está no
real, o fantasma como axioma escreve para cada um uma relação de
gozo regulado pelo objeto.
Em “Observação sobre
o relatório de Daniel Lagache” e os textos que se seguem, a fórmula do desejo
do macho se apropria da mulher, como objeto do fantasma, dito de
outro modo, como objeto a causa do desejo vindo completar a
parte faltante do sujeito.
Neste texto, Lacan
escreve o desejo da mulher a partir de Ⱥ(φ)[4]. Ⱥ indica
que o significante d’A mulher não existe, para ler esta fórmula nos termos
vindos do seminário Mais ainda. Ⱥ escreve
que a mulher não tem inscrição no Outro ou, retomando os termos freudianos, não
existe libido feminina. A escritura Ⱥ(φ) significa que a mulher está à procura do falo, mesmo se
profundamente ela o é.
Ela o destaca no outro na relação sexual. Phi faz a função
de parte recuperada que a torna Outra para ela mesma.
As fórmulas da
sexuação, escritas quinze anos mais tarde, radicalizam esses desenvolvimentos
escrevendo para a vertente feminina, por um lado, que não existe mulher que não
seja submetida à castração e, por outro lado, que as mulheres se organizam como
não-todas na função fálica.
Lacan acrescenta que
o A de A mulher, a partir do momento em que ele se enuncia como um
não-todo, não pode se escrever[5]. Daí a escrita
de Ⱥ.
Dito de outra forma, não existe significante que diga o que é a mulher. Este Ⱥ tem
relação, por um lado, com S(Ⱥ),
e por outro lado, com F.
S(Ⱥ),
significante do Outro enquanto barrado, deve ser situado não apenas como lugar
da verdade, mas como aquilo com o que a mulher tem fundamentalmente uma relação
de gozo, e que procede do que não se pode dizer do inconsciente. “A mulher tem
relação com o significante desse Outro, como Outro, e que não pode senão
permanecer sempre como Outro”[6]. S(Ⱥ),
significante do gozo, é correlativo de um novo estatuto que Lacan destina ao
Outro. Enquanto que em seu primeiro ensino, o Outro mortificado significante
estava vazio de gozo, com Mais ainda, é pensado a partir do gozo. S
(Ⱥ)
é o próprio signo do gozo que não tem nome situado no lugar do Outro. Sob a
inspiração deste desenvolvimento, Lacan irá reconsiderar o lugar do sujeito
barrado ($) e de sua relação com o Outro a partir do ser falante. Voltaremos a
esse tema.
A mulher também tem
relação com F. Phi designa o falo
como significante que não tem significado. Ele se sustenta no homem como gozo
fálico. Os matemas isolados por Lacan neste quadro inscrevem, poderíamos dizer,
os trilhamentos da análise. Esta deve permitir distinguir, para a mulher, a
redução do pai ao valor de uma função: aquela do significante-mestre que não é
um nome de gozo. Também será preciso que ela permita nomear o gozo do Outro
através de um significante, dito de outra forma, o gozo da mãe para além do falo,
destacado a partir da construção do fantasma e da relação com o objeto. A
análise também deve direcionar o sujeito à forma pela qual se apresentou a
questão fálica para ele.
O quadro das fórmulas
da sexuação inscreve do lado masculino que, se todo homem está submetido
à função fálica, esta encontra o seu limite na existência de um certo x - tal que a função Fx seja negada. Este
limite ressalta a função do pai. O quadro indica também que o homem só alcança
o “seu parceiro-sexual, que é o Outro, por intermédio daquilo que ele é a causa
do seu desejo. [...] O sujeito só tem implicação enquanto parceiro, com o
objeto a. [...] A conjunção pontuada desse $ e de a não
é outra coisa senão o fantasma”[7]
Os termos de Mais
ainda, retomam os matemas desenvolvidos em “Observação sobre o
relatório de Daniel Lagache” de forma mais complexa. Eles articulam de forma
diferente a mulher como sendo objeto do fantasma do homem na relação sexual.
A mulher sintoma do
homem e o parceiro-sinthoma
Como compreender a
fórmula de Lacan em “Joyce o sintoma” – “Uma mulher, por exemplo, ela é sintoma
de um outro corpo”[8] – ou
então em “RSI” – “O que é uma mulher? Um sintoma.?”[9] A mulher
sintoma do homem supõe a nova definição de sinthoma como aborda Lacan em seu
último ensino.
Seguindo o
desenvolvimento metódico de J.-A. Miller, há alguns anos, pudemos acompanhar a
forma pela qual foi colocada em primeiro plano a conexão entre significação e
gozo a partir do seminário Mais ainda. Desde “De uma questão
preliminar”, e de “As formações do inconsciente”, a conexão da significação e
do gozo foi estabelecida sob os auspícios do Falo, primeiramente apreendido em
termos de significado e depois em termos de significante. A dupla o Nome-do-Pai
e o Falo recobrem o x do desejo da mãe. Quando o Nome-do-Pai funciona, a
questão “o que ela deseja?” encontra a sua resposta no Falo. Nos termos do Mais
ainda, a questão sobre o desejo da mãe torna-se o enigma de seu gozo: “de
que ela goza?”. O Nome–do-pai passa a ser concebido como aquele que localiza o
gozo[10]. Aparecendo
desta forma, cheio de significado, quer dizer, de significação fálica. Isto
permite ao sujeito que não é psicótico, responder ao: “o que sou?” enquanto
homem ou mulher, vivo ou morto[11]. Com Mais
ainda, a propriedade do significante fálico se estende a todos os
significantes. A conexão do gozo e do significante está ligada ao corpo. “Só é
possível o gozo do corpo através do significante, e só é possível o gozo do
significante enquanto ser da significação enraizado no corpo”[12]. É
da coabitação com lalíngua, que se
define o ser falante, e o ser é um corpo[13]. A função do
inconsciente, segundo lalíngua, “é
que o ser, ao falar, goze”[14].
A mudança de
perspectiva que Lacan opera, consiste em apreender o significante não mais como
mortificado, mas como agente de gozo. A partir deste ponto, o corpo não é mais
pensado como mortificado pelo significante do qual o objeto a escapa,
mas enquanto corpo que goza intensamente da ação do significante.
A introdução do sinthoma é contemporânea desse novo
desenvolvimento. O sintoma é apreendido como fenômeno de verdade, quer dizer,
pensado no significante, e concebido daqui por diante a partir do aparelho de
gozo. O sinthoma designa o efeito do
gozo do significante no corpo. Ele vem no lugar em que Freud inscreve a pulsão.
O mito da pulsão freudiana, como interface do psíquico e do somático, dá lugar
ao sintoma de Lacan enquanto conexão real do significante e do corpo[15].
O aparelho sinthoma, assegurando uma articulação
entre a operação significante e suas consequências para o gozo do sujeito,
permite considerar de maneira nova o Nome-do-pai da metáfora paterna. Ele é um
aparelho sinthoma enquanto que sua
incidência libidinal é uma localização de gozo apreendido a partir da
significação fálica. A saída da cura analítica, apreendida a partir desta
última perspectiva, descortina para o sujeito uma identidade de gozo em que o sinthoma (fantasma e sintoma) foi o
instrumento. A construção do fantasma, ao operar uma redução de múltiplas
significações em uma frase, unifica e isola o quadro sintomático do sujeito. O
fantasma destaca a lei da composição interna que organiza e articula os
sintomas entre eles. Esta lei se organiza a partir daquilo que retorna sempre
ao mesmo lugar, dentro da variedade sintomática, quer dizer, a prevalência de
um certo objeto parcial, um certo modo de gozo pulsional. No lugar propriamente
dito da relação sexual, o fantasma como axioma escreve para cada um uma relação
de gozo regulado ao objeto. O fantasma não é nada mais do que um
esforço de ligação do significante e do gozo. Ele é o produto da mestria do
inconsciente com lalíngua[16].
A formulação “a
mulher é o sintoma do homem” é para ser escutada a partir desses avanços. A
formulação anterior, “uma mulher no lugar do objeto causa do desejo, objeto a do
fantasma para o homem”, é contemporânea de um conceito de desejo pensado como
uma transcrição da libido freudiana em termos de significado. Ela é dedutível
de uma articulação significante. A fórmula do fantasma obedece à mesma
perspectiva. O sujeito barrado, efeito da articulação significante,
mortificado, sem corpo, e em correspondência com o objeto a como
complemento libidinal, escapando à mortificação. O fantasma é a escrita de uma
articulação significante e de um investimento libidinal apreendido em termos de
significado. Se o objeto, ele mesmo, não é um significante, ele pertence,
contudo, ao regime de dominância do significante sob o qual se organizam o
fantasma, o objeto, a pulsão, aparecendo como um investimento libidinal de uma
significação. Para que o sujeito barrado, mortificado, tenha acesso à libido, ao
objeto causa do seu desejo, ele precisa ter um corpo vivo. A inversão que
Lacan opera em seu último ensino se inscreve aqui. O significante passa a ser
investido por um outro efeito, o da produção de um mais de gozar, um efeito de
gozo sobre o corpo. O que J.-A. Miller fez valer como fórmula do jouissance[17], utilizado
por Lacan em “Televisão”[18], se
inscreve na mesma perspectiva. O “gozo” (jouis) indica a dimensão de
investimento libidinal e a palavra “sentido” (sens) está do lado da
articulação significante considerada a partir do significado[19]. Ele também
propôs escrever a equivalência de a e s. A mulher sintoma do
homem deve ser compreendida a partir do sinthoma,
concebido como uma conexão da significação e do gozo e, desde então, uma
concepção do fantasma como um modo de gozar. As expressões “ser objeto do
desejo” ou “sintoma” do homem querem dizer a mesma coisa a partir do sens-jouis (sentido
gozado) do objeto a. Quando uma mulher se constitui como objeto
causa do desejo para o homem, se alojando dessa forma no fantasma masculino,
ela se faz, então, objeto de gozo para este homem. Ao ser objeto a, ou
o sintoma que o homem recupera no seu corpo ao preço do Falo na relação sexual,
a mulher localiza o gozo fálico deste homem.
O que ele significa
para ela, do ponto de vista do seu fantasma e do seu gozo? A versão lacaniana
diz: que no momento em que ela é reconhecida como objeto a pelo
homem, ela está em contato com S(Ⱥ).
O consentimento ao gozo fálico passa por uma relação com S(Ⱥ)
e à posição de objeto que ela ocupa na relação com ele. Nesse sentido, podemos
dizer que o homem é apenas o instrumento, ou o mediador do acesso a este gozo
que transborda o gozo fálico. Mas, para que ele seja o mediador, será preciso
uma certa adivinhação e ajustamento, para o homem e para a mulher, da posição
de objeto que ela ocupa. Temos um elo que gira em torno da versão-do-pai. Isto
supõe o um por um do fantasma e não obedece a nenhum
regulamento universal. O que está em jogo, no père (pai)-versamente
orientado, é o encontro e a conjunção de S(Ⱥ)
com o traço de perversão masculino - que deseja na mulher um fetiche que a
designa, quer ela queira ou não. Nesta perspectiva, no homem, o gozo é
localizado, limitado ao Falo, e na mulher, está do lado do sem limite, no
sentido de não localizável. Ela não está limitada ao gozo fálico.
A relação ao limite,
para a mulher, é contingente e releva da certeza do amor. Em “Propostas para um
congresso sobre a sexualidade feminina”, Lacan observa no laço heterossexual a
forma erotomaníaca do apego da mulher pelo homem que ela escolheu. O laço
erotomaníaco, se partilhado, fixa a mulher numa relação vital. Para isto, será
preciso que o homem consiga se inscrever no fantasma da mulher, quer dizer,
ocupar um lugar no discurso que toque no seu gozo para além do falo. O amor,
estando aparelhado à exigência do blá-blá-blá do discurso amoroso, não deve
cessar de se dizer, ao fazer suplência, àquilo que a relação sexual desnuda,
quer dizer, a incapacidade para o significante fálico de significantizar todo o
gozo feminino. A mulher, na versão freudiana do ato sexual, quer o órgão,
porém, mais profundamente, o que ela deseja é o Falo como significante do
desejo, quer dizer, que o objeto que fala diga sobre o seu ser e decifre o seu
gozo. Nesse sentido, o desejo feminino não se articula somente ao Falo, mas a Ⱥ. Esse outro do desejo deve falar
para que o sujeito o reconheça como objeto.
J.-A. Miller mostrou
que o termo parceiro-sintoma, advindo do ensino de Lacan como simétrico ao ser
falante, substitui o par $ à A. A introdução da categoria do ser
falante no lugar de $ modifica o estatuto do Outro do significante em aparelho
de gozo. Enquanto que $ estava mortificado e marcado com o selo da falta-a-ser,
o ser falante acompanhado de um novo estatuto do Outro, introduz o corpo vivo
tomado pela estrutura de lalíngua que
respeita a falta-a-ser.
Poderíamos dizer que
a noção do parceiro-sintoma leva em conta a noção de sinthoma, numa generalização da ideia de parceiro, introduzida por
Lacan desde o início de seu ensino. O parceiro-sintoma é “a instância com a
qual o sujeito está enlaçado de forma essencial”.
O sujeito não
consegue suportá-lo, homeostasiá-lo e, ao mesmo tempo, goza repetitivamente[20].
Para chegarmos à
fórmula do “parceiro-sintoma” declinamos a forma pela qual Lacan situou o laço
com o parceiro sexual na relação heterossexual. Mostramos também como, para o
sujeito feminino, o parceiro da vida amorosa confrontado ao ilimitado do gozo feminino,
podia introduzir um limite ao ocupar um lugar no discurso que toca o seu gozo,
para além do Falo, dito de outra forma, o seu fantasma. Nesta perspectiva,
poderíamos dizer que ele é o seu parceiro-sintoma no sentido do sinthoma. Poderíamos então acrescentar
que todo parceiro da vida amorosa, é tomado na dimensão de parceiro-sintoma?
Da mesma forma, não
poderíamos dizer que todo parceiro-sintoma é susceptível de se transformar em
parceiro-devastação? O sujeito feminino é particularmente exposto a isso pelo
fato de não se inscrever todo na função fálica. Basta observar o estado, no
qual ela se deixa voluntariamente ser aspirada pela pulsão de morte, quando os
signos do amor, ou do desejo se distanciam. Porém, do lado masculino, o que
acontece? Certamente, o limite fálico não o confronta da mesma forma que a mulher
ao ilimitado. Mas ele pode ser devastado por uma mulher quando esta toca, de
uma forma ou de outra, no seu parceiro fundamental que é o objeto a.
Gide é um exemplo disto. Ao queimar as cartas que Gide lhe havia escrito,
Madeleine visa atingi-lo. Ela destrói o que era mais caro a Gide. Ele havia
encontrado o sentido do mundo, ao avistar esta jovem mulher chorando, e tentou
encontrar palavras para consolá-la. É esta parte dele mesmo extraída e perdida,
da qual ela era destinatária, que ela destruiu.
Dominique Laurent
Graduada em Medicina
Psiquiatra
Psicanalista Membro da École de La Cause Freudienne
Membro da Associação Mundial de Psicanálise
Graduada em Medicina
Psiquiatra
Psicanalista Membro da École de La Cause Freudienne
Membro da Associação Mundial de Psicanálise
Tradução: Kátia Moskal Danemberg.
Revisão Técnica: Tania Coelho dos Santos.
Lacan, J.
“Remarque sur le rapport de Daniel Lagache”. Em: Écrits. Paris:
Seuil, 1966, p. 682-683.
[2] Lacan, J. “Observação sobre o relatório de
Daniel Lagache”. Em: Escritos. RJ: JZE, 1998, p. 653-691.
[11] Lacan, J. “D’une question
préliminaire à tout traitement possible de la psycose”. Em: Écrits.
Op.Cit., p. 549.
[12] Miller, J.-A. L’orientation lacanienne. Le
partenaire symptôme, 1997/98, inédito. Curso
ministrado no quadro do Département de Psychanalyse de Paris VIII, aula do dia
13 de maio de 1998.
[17] N.R.T.: Por meio de uma homofonia, a palavra jouissance (gozo)
pode dar lugar a j’oui sens (ouço sentido).
[20] Miller, J.-A. L’orientation
lacaniene. L’autre qui n’existe pas. 1996-1997. Inédito Curso
pronunciado no Département de Psychanalyse de Paris VIII, Aula de 19 março 1997.
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