Marcado pela herança filosófica de Husserl e procurando se deslocar dos impasses teóricos colocados pela filosofia da consciência, Merleau-Ponty indicou desde o início de seu percurso a necessidade de tematizar a abertura originária da consciência para o mundo e para o outro. Nesse contexto, o estudo da percepção ocupou um lugar central em sua pesquisa. Apesar de a categoria de consciência implicar a idéia de intenção da fenomenologia de Husserl, isto é, a consciência ser sempre consciência de algo que a transcende e estar inserida num corpo, a consciência ainda é o campo da referência fundamental da fenomenologia de Merleau-Ponty. Vale dizer, mesmo sendo consciência perceptiva, ainda é no campo da consciência que se realizam as indagações teóricas de Merleau-Ponty. A categoria de inconsciente não poderia ter lugar nesta concepção filosófica, de maneira que, no momento inaugural deste discurso, o pensamento freudiano foi criticado em seu fundamento, sendo considerado um modelo mecanicista de psicologia.
Entretanto, no desenvolvimento de seu percurso, Merleau-Ponty realizou uma aproximação efetiva com o discurso freudiano, conferindo um lugar consistente ao conceito de inconsciente. Passou, então, a tematizar o corpo como “carne”, de forma que o registro do inconsciente passou a ser identificado ao “sentir” mesmo da coisa, pelo corpo do sujeito. O que implicou a transformação fundamental do cogito cartesiano no pensamento de Merleau-Ponty, que do “eu penso” de Descartes se transformou no “eu quero”, nessa ontologia do corpo. Enfim, o inconsciente foi tematizado no registro do desejo, na apropriação sensível e erótica, pelo corpo, das coisas constitutivas do mundo.
Joel Birman, in: Psicanálise, Ciência e Cultura.
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