Para especialistas, novo guia da psiquiatria trata comportamentos hoje
considerados normais como doenças
12 de fevereiro de 2012
Milhões de pessoas saudáveis, incluindo crianças
tímidas ou rebeldes, adultos abatidos e pessoas com fetiches, poderão ser
erroneamente diagnosticadas como doentes mentais, de acordo com o novo manual
de diagnóstico internacional, alertam especialistas na área.
Numa análise contundente da nova revisão do
importante Manual de Diagnósticos e Estatísticas de Doenças Mentais (DSM, na
sigla em inglês), psicólogos e psiquiatras afirmam que as novas categorias de
doenças mentais identificadas no manual são, no melhor dos casos,
"absurdas", e, no pior, "preocupantes e perigosas".
"Muitas pessoas tímidas, abatidas moralmente,
com um comportamento extravagante ou com vidas românticas pouco convencionais
poderão ser consideradas mentalmente doentes", disse Peter Kinderman,
chefe do Instituto de Psicologia da Universidade de Liverpool. "É
desumano, não é científico e não vai ajudar ninguém."
O DSM é publicado pela Associação Americana de
Psiquiatria e inclui sintomas e outros critérios para o diagnóstico de doenças
mentais. É utilizado internacionalmente e considerado a "bíblia" dos
médicos da área.
No entanto, os excessos do novo manual têm gerado
críticas e preocupações. Mais de 11 mil profissionais da saúde já assinaram uma
petição (disponível no site dsm5-reform.com) pedindo que a revisão da quinta
edição do manual seja suspensa e reavaliada.
Alguns diagnósticos - como no caso do
"transtorno de rebeldia resistente" e a "síndrome da
apatia" - correm o risco de minimizar a seriedade das doenças mentais e
tratar como problema médico comportamentos que as pessoas consideram normais ou
um pouco extravagantes, afirmam os especialistas.
Além disso, o novo DSM, que deve ser publicado no
próximo ano, pode oferecer diagnósticos médicos no caso de criminosos ou
estupradores em série, inseridos em rótulos como "transtorno coercitivo
parafílico" - permitindo que os agressores escapem da prisão ao oferecer o
que pode ser visto como uma desculpa para o seu comportamento.
Radical. Simon Wessely, do Instituto de Psiquiatria
do King's College de Londres, afirmou que, se remontarmos à história, os
especialistas podem questionar se tais rótulos são necessários. Segundo ele, o
Censo de 1840, nos Estados Unidos, incluía apenas uma categoria de transtorno
mental, mas em 1917 a Associação de Psiquiatria já reconhecia 59 tipos de
transtorno. Este número aumentou para 128 em 1959 e para 227 em 1980. Ele
chegou a 360 nas revisões de 1994 e 2000.
Allen Frances, da Duke University e presidente da
comissão que supervisionou a revisão anterior do manual, disse que o DSM-5
"expandirá de maneira radical e irresponsável as fronteiras da
psiquiatria", o que resultará no "tratamento médico da normalidade,
das diferenças individuais e da criminalidade".
David Pilgrim, da Britain's University de Central Lancashire,
ressalta que "é difícil não evitar a conclusão de que o DSM-5 vai
colaborar para os interesses das empresas farmacêuticas".
"Corremos o risco de tratar a experiência e a
conduta de pessoas como se fossem espécimes de botânica sendo identificadas e
catalogadas em caixas." Ele afirma que a mudança "é uma forma de
loucura coletiva e um exercício pseudocientífico contínuo".
Luto. Nick Craddock, do departamento de Neurologia
e Medicina Psicológica da Cardiff University, cita a depressão como um exemplo-chave
dos erros envolvidos no manual. Nas edições anteriores, uma pessoa que perdeu
um ente querido e está abatida estaria expressando uma reação normal de dor,
mas os critérios adotados no novo guia ignoram a morte do ente querido e se
concentram somente nos sintomas. Assim, a pessoa será classificada como tendo
uma depressão.
Outros exemplos citados pelos especialistas como
problemáticos incluem o "jogo compulsivo", "o vício na
internet" e o "transtorno de rebeldia resistente" - quando uma
criança "recusa-se a atender aos pedidos da maioria" e "pratica
ações para incomodar os outros".
"Isso significa que são crianças que dizem
'não' aos pais mais que um determinado número de vezes. Com base nesse
critério, muitos de nós acharíamos que nossos filhos estão mentalmente
doentes."
REUTERS.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Fonte:
Jornal O Estado de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário