DO ENTE
PSICOLÓGICO
QUESTÕES
HISTÓRICAS E EPISTEMOLÓGICAS
Gustavo Capobianco Volaco
Ser ou não ser,
eis a questões
Shakespeare
Não
faz muito tempo, mais ou menos dois anos, fui convidado a ocupar-me de uma
disciplina que, até onde sei, é onipresente nos cursos de Psicologia. Falo,
claro, de sua História a que eu, é preciso confessar, sem conseguir contar os
anos, estava completamente afastado por razões que agora não vem ao caso.
Pus-me então, à princípio e com pressa, a folhear livros cheios de pó nas estantes
de minha biblioteca e, conforme as folhas e os volumes se sucediam, conforme a
poeira dava espaço ao branco do papel recheado de letras negras e eu me
afundava nos textos, ficava-me a impressão, nada confortável, e cada vez mais
contundente de que aquilo que lia em vários autores e em num espantoso
uníssono, não passava de uma mitologia, bem entendido, aquilo que nas palavras
de Lévi-Strauss serve “para fornecer um modelo lógico para resolver uma
contradição” (LEVI-STRAUSS, 2012, p. 329), ou seja, uma narrativa que pretende
aparar as arestas pontiagudas das oposições, das contrariedades, dos
antagonismos até torná-los planos, lisos e, se for bem sucedida, circular.
Como
disse, essa impressão foi ficando cada vez mais forte pois, eu me interrogava,
como poderia ser verdade que, por exemplo, a Psicologia fosse derivada da
Filosofia, que encontrasse, realmente, aí, sua genealogia, sua origem, seu
ponto de partida, como teorizam muitos historiadores? É mesmo possível afirmar,
como faz, por exemplo, Coon, que “a psicologia começou há muito tempo como
parte da filosofia, (com) o estudo do conhecimento, da realidade e da natureza
humana” (COON, 2006, p. 06)? Essa forma de pensar, de que a “psicologia tem um
longo passado” (GOODWIN, 2005, p. 44) e que não é rara, não acaba por
desembocar na “metáfora da árvore (onde) de um só tronco e de um só sistema de
raízes” (Idem, p. 525) num ponto único onde tudo derivaria e, assim, alimentar,
um sistema delirante, só podemos chamá-lo assim, como o de Muller, que vê na época
de Hipócrates uma “psicologia médica” (MULLER, 2001, p. 38), um pouco mais
tarde uma “psicologia de Platão” (Idem, p. 57) e, deixando de lado os gregos,
pulando alguns séculos, encontrar até uma “psicoterapia cartesiana” (Idem, p.
222.) no Discurso do Método? Não
teríamos, antes, uma total ruptura com “a arte do bem pensar” (CONDILLAC, 1973,
p. 71) teorizada pelo primo de D’Alembert e, exatamente por isso, um novo, um
outro nome, com todas as suas consequências foi proposto no “século XIX como
marco (de uma) disciplina” (FERREIRA, 2011, p. 13)?
A
essas questões somava-se mais uma: o comum é que se diga, basta abrir os
compêndios, que esse novo campo do saber – estamos, portanto o tomando aqui
como novo e outro – é uma ciência, que a Psicologia circunscreve “um campo
(...) essencialmente científico” (SCHULTZ, 1981, p. 18) onde o “conhecimento
sistematizado, objetivo, fruto de pesquisas e com referência clara no mundo
empírico” (BOCK, 2008, p. 36) se configura. Mas, eis aqui a pergunta, como
fazer ciência, literalmente “uma tentativa (...) de compreender o mundo, de
controlar as coisas, de ter domínio sobre nós mesmos, de seguir um rumo seguro”
(SAGAN, 2006, p. 44) daquilo, ou melhor, daqueles que escapam a todo instante à
captura, à apreensão, à definição? Dito de outra maneira: se a psicologia é o
abandono do “pré-científico” (GOODWIN, 2005, p. 81) ela seria mesmo capaz de,
saindo de sua própria sombra, retificar o(s) ponto(s) de interrogação(s) até
torná-lo(s) exclamativo(s)? Seria mesmo possível fazer de? !? Ou teríamos, aí e
uma vez mais, uma mítica já que o ser, do humano, é , para brincar com a ideia
de cientificidade, e-x-a-t-a-m-e-n-t-e o que escapa? Voltaremos a isso daqui à
pouco.
Por
hora, continuemos a interrogar aquilo que parece ser unanimidade: se existe,
como afirmam alguns pensadores que consultamos até aqui, uma relação de
contiguidade entre Platão e Skinner, entre Aristóteles e Freud e mais, de
cronologia progressista, de “construção evolutiva para níveis cada vez mais
elevados”(SCHUTZ, 1981, p. 412) entre os autores desse vasto campo, nesta linha
traçada, nessa direção pleiteada, não deveríamos encontrar um ponto comum? Dito
de outra maneira: se há um tronco sólido nutrido pelas mesmas raízes calcadas
num solo conjunto é necessário, absolutamente necessário, encontrarmos essa
linha mestra que se apregoa por aí com ares de certeza. Mas vejamos: a “ciência
empírica” (ARAÚJO, 2010, p. 27) que visa um homem máquina tem a mesma estrutura
e consequentemente o mesmo objeto que o “voluntarismo (...) a vontade como
processo psíquico fundamental” (Idem, p. 35) de Titchener?
E
elas, pois já são duas, não destoam daquela de Pearls, ocupado essencialmente
“com aquilo que é percebido” (MORAES, 2010, p. 60) das figuras e dos fundos? E
esta fenomenologia não acaba por contradizer a “engenharia comportamental”
(SKINNER, 1975, p. 15) baseada num “ética experimental” (Idem, p. 176) do
mestre do behaviorismo? Nem apresentarei a famosa e antiga querela entre o
comportamentalismo e a psicanálise bastando, para concluir esse argumento,
evocar a psicologia de Vigotski que conceitua “o homem (como) um agregado de
relações sociais encarnadas num indivíduo” (SANCOVSCHI, 2010, p. 133) e a de
Piaget que visa, com seus estudos “as relações entre a organização biológica e
as funções cognitivas” (ALVAREZ, 2010, p. 116). Empirismo, Volição, Fenômeno,
Comportamento, Inconsciente, Gregariedade e Biologia são mesmo ramificações,
apenas, de um mesmo projeto? Ou seu objeto e sobretudo cada ética dele
decorrente são completamente diferentes? A conclusão parece óbvia e é dada por
vários pensadores, entre eles Weiten ao escrever que a “psicologia é marcada
pela diversidade teórica” (WEITEN, 2011, p. 21). Assim, a Psicologia, no
singular e com letra maiúscula, é também um mito, vale dizer, “uma fórmula
discursiva a qualquer coisa que não pode ser transmitida na definição de
verdade” (LACAN, 1981, p. 47) pois sua pluralidade, desde a forma de ler o
humano até em suas propostas de incidência, terapêuticas ou não, a fragmenta em
Psicologias e no lugar do Um originário, de um pai ou pais iniciáticos
encontramos, antes, uma espécie de babelismo fundante. As Psicologias,
portanto, são partículas ex-cêntricas e discordantes que não formam um todo,
nem aqui, nem na China. Como escreveu Dufour, o “Um não existe e nunca existiu,
é pura construção de ficção” (DUFOUR, 2005, p. 31) e, talvez assumir sua
inconsistência, sua incongruidade, sua multiplicidade seria mais viável, mais inteligente
e, sobretudo, mais profícuo do que escamoteá-la ou suplantá-la em narrativas,
já o dissemos, que beiram a loucura.
Problema,
portanto, resolvido, certo? Poderemos afirmar, de agora em diante que não
existe Psicologia e sim Psicologias e mesmo, se somos otimistas, que “essa
diversidade é uma força e não uma fraqueza” (WEITEN, 2011, p. 21). Mas a tarefa
não é tão simples assim pois diante da constatação de uma não genealogia única
e coesa, de uma diversidade ampla e proteica – já que muda de forma a cada
instante em seu próprio funcionamento – o que se colhe, ainda e de forma
categórica, não apenas no papel, que não recusa nada, mas nas falas, que
pretendem tudo dizer, é a perspectiva atômica, a perspectiva “(d)aquilo que não
pode ser cortado” (GLEISER, 2006, p. 57), daquilo que não pode ser dividido,
vale dizer, há, mesmo uma insistência em afirmar uma unidade diante da
fragmentação. Talvez porque se creia no velho ditado, a união faz a força, ou
de cego é aquele que não quer ver, não sei, mas os fatos, todos, apontam para a
insistência de uma, de una Psicologia. Mas se no início está a desordem, “sim
bem primeiro nasceu o Caos” (HESÍODO, 1995, p. 111), como escreveu Hesíodo, e
se acredita numa organização unitária de um campo precisamos tentar descobrir,
primeiro, de que forma ela se dá e, segundo, sobre que bases ela se forma. Não
podemos simplesmente jogar fora aquilo que se diz com tanta insistência e já a
tanto tempo. Precisamos averiguar, acima de tudo, aquilo que se diz por trás da
fala naquilo que se ouve respeitando os discursos que se formulam aos magotes. Deve
haver algo aí que retorna sempre ao mesmo lugar e que merece nossa atenção.
Vamos por partes!
Se
nossa forma de pensar está correta teríamos sub-partículas no início, num
começo que é dado num tempo sempre presente, designadas por determinados
autores que descrevem porções do ser-humano.
Assim, já vimos isso, existe aquele que afirma que somos frutos do
social recitando Aristóteles e Marx, e um outro, que discorre sobre nosso
substrato orgânico num paralelo psicofísico que retoma Darwin quase de ponta a
ponta. Há quem afirme que “a existência precede a essência” (SARTRE, 2012, p.
18) mas não falta um outro que o contradiz ao resignar-se – e tentar
resignar-nos – a uma organização enzimática ou salina dada à priori e incontornável. Essas porções, contraditórias, não fazem
coincidência, não fazem, por si, progresso, já que não se somam, não se
sobrepõe e adquirem sentidos diferentes e divergentes. Teríamos, dessa forma,
algo mais ou menos assim:
Mas,
A Psicologia, “como ciência positiva” (LALANDE, 1996, p. 887) como ciência que
acredita na ordem e no progresso, as força, já que “herdeira da Aufklarung”
(FOUCAULT, 2014, p. 132) à fusão, à conjugalidade, à paridade só que “a fusão
só se desenvolve pelo estabelecimento de uma norma, de uma ditadura” (FOUCAULT,
1979, p. 59) ou seja, num só-depois enquadrante que assume ares de verdade
inquebrantável. Ainda nas palavras de Michel Foucault: “as diversas modalidades
de enunciação, em lugar de remeterem à síntese ou a função unificante (...)
manifestam sua dispersão” (FOUCAULT, 2014, p. 65 e 66) e A Psicologia, sou eu
quem o diz, é o lugar ou quer ser o lugar, o “ponto absoluto” (FOUCAULT, 1979,
p. 221) que pretende fazer união, dar um Ser ao que é pura diferença.
Esquematicamente teríamos o seguinte:
Mas
se ela é a rendeira, a costureira formadora de um nó de “perspectivas
complementares” (MYERS, 1998, p. 04) resta-nos explicar que ponto é esse que
faz congregar as diferenças e afirmar a igualdade que cai sobre o mesmo termo.
Dito de outra forma: se A Psicologia tem êxito na unificação, essa unidade “não
está na coerência visível e horizontal dos elementos formados, reside, muito
antes, no sistema que torna possível e rege sua formação” (FOUCAULT, 2014, p.
85). Nossa mira, portanto deve se voltar a esse sistema que pretende organizar
um campo e, nesse segundo momento faz derivar de si, irradiar de si um
“saber-poder” (FOUCAULT, 2014, p. 117). Algo como isso:
Depois
de muito quebrar a cabeça acho que o encontrei. Partindo de uma definição
oferecida por um grande amigo e professor universitário que dizia, certa vez,
que a Psicologia era a ciência da norma, pus-me a questionar o que poderíamos
chamar de norma psicológica e cheguei ao seguinte postulado: A Psicologia é a
ciência do SER-humano já que seu sistema visa uma ontologia que seja possível e
necessária a todos. E o que entendo por ontologia? O leitor deve saber que sua
definição pode ser variada caso se a pegue à partir de Kiekegaard, “o ser do
homem é uma síntese” (KIERKEGAARD, 1989, p. 12) ou à partir de Heidegger, o
humano é “ser-para-morte” (HEIDEGGER, 1989, p. 215), só para ficar entre os
grandes expoentes de sua teorização. Mas, para aquilo que nos interessa, basta
afirmá-la, não tanto, voltamos a Lalande, como “o ser enquanto ser” (LALANDE,
1996, p. 767) mas, simplesmente, como SER já que, inevitavelmente e
independentemente da visada teórica, ela, a ontologia, afirma uma Existência
que, e aqui entra a Psicologia em cheio, deve ser plena e, se não é – momento
de engate das terapêuticas – pode vir a ser.
Leiamos a definição de subjetividade oferecida por um psicólogo, Dr.
Arthur Leal Ferreira, que pode ser-nos bastante útil e elucidativa desse ponto:
“por subjetividade entende-se a constituição de um plano de interioridade
reflexiva, em que cada vivência se encontra centrada e ancorada em uma
experiência de primeira pessoa, de um “eu”. (FERREIRA, 2011, p. 15). Centrada e
ancorada num Eu! Eis a ontologia a que nos referimos! Mas podemos encontrá-la
em outros autores, como Gomes – ele não está só nesse oceano ontologizante –
que afirma a existência de “um sujeito cognoscente e cognoscível” (GOMES, 2005,
p. 106) ou seja, um sujeito que pode vir a saber tudo e sobre ele tudo se saber
sem deixar restos na operação decifratória e interpretativa. Eis, nessa sede de conhecimento, nessa ânsia
de “compreensão da totalidade da vida humana” (BOCK, p. 22) também, a ontologia
que esquece ou ignora, por exemplo, que “o discurso (...) não é a manifestação,
majestosamente desenvolvida, de um sujeito que pensa, que conhece o que
diz”(FOUCAULT, 2014, p. 66) já que, a palavra mesmo expressa, se trata antes de
um assujeitamento ao(s) discurso(s) que, sem dono, forma(m), deforma(m) e
reforma(m) aquele que pensa emitir algo de sua própria boca. De outra maneira:
o sujeito é antes ditado do que um ditador, é antes falado do que um falador já
que um campo palavreiro o antecede e, ao que tudo indica, sempre o faz.
Vamos a mais uma definição, contemporizadora, sem dúvida, mas mesmo
assim enfática frente ao Ser: “o ser é uno e múltiplo ao mesmo tempo”
(SEVERINO, 1995, p. 47) tão semelhante, brinquemos com ironia, com “a majestade
o bebê” (FREUD, 1986, p. 201), articulado por Freud em Uma Dificuldade no Caminho da Psicanálise para representar a
onipotência pretendida e nunca alcançada pelo infans[1].
E já que, sem querer, Severino evocou o princípio do “Unitas, trinitas”
(DUFOUR, 2004, p. 267) cristão, vale à pena convocar Santo Agostinho, quando em
seu A Cidade de Deus escreve que só
há ser, no engano – “Se eu me engano, eu sou” (AGOSTINHO, 2012, p. 206 ) – ou
seja, essa ontologia calcada e norteada por um Eu, por um sujeito cognoscente e
complexamente organizada pela “trindade na unidade” (AQUINO, 2004, p. 277) não
passa de um equívoco já que o Ser escapa ao humano por ser ele “representado
por outro significante” (LACAN, 1998, p. 814). E mais: afirmar um eu total num
mundo que “remete sempre a outra coisa” (FOUCAULT, 1979, p. 160) é desconhecer
a inexorabilidade da “falta-a-ser” (LACAN, 1988, p. 33) que é, quer se queira
ou não, apanágio do ser humano, seu miolo, sua essência, dada, por exemplo, por
esse diagrama oferecido por Lacan em Maio e Junho de 1964:
Essa lúnula, à esquerda, só consegue se afirmar na sua dependência à
lúnula da direita que porta um enxame de significações que não apenas competem
entre si mas que, substancialmente, se contrariam. Por isso, na interseção se
marca um campo que se pode mesmo chamar de “não seno” (LACAN, 1988, p. 200) que
exatamente impede qualquer eclipse de A em B ou de B em A.
Eis,
portanto, como estamos a interpretar a experiência psicológica como um todo, em
sua ânsia de unicidade frente a pluralidade: ela visa o estabelecimento de uma
lógica sobre a psique que pretende nos arrancar do desamparo da existência
afirmando, sobre nós, que SOMOS isso ou aquilo, e que assim É porque tal ou tal
componente, seja químico ou seja cultural, hereditário ou adquirido, concorre
para isso. O que a Psicologia pretende – já não estamos mais no tempo dAs
Psicologias – é apagar essa “falta central em que o sujeito se experimenta como
desejo” (LACAN, 1988, p. 251) e no “não-lugar” (FOUCAULT, 1979, p. 24)
característico da humanidade, fixar uma morada, um lugar para chamar de sEU! O
sujeito, dividido pois sempre entre pelo menos duas possibilidades contrárias
levadas ao infinito, vira pretensamente uno até condicionar-se num indivíduo!
Assim:
Veja,
caro leitor, por exemplo e para que fique mais claro o que pretendemos
questionar aqui, a problemática do (psico)diagnóstico. Em sua fome de gnose segue a direção que evocamos à
pouco e funda, por sua operação e do alto de sua sapiência, um “Eu Sou
borderline” ou um “Eu Sou depressivo” sem que, junto, traga a questão de porque
Sou assim e, mesmo, se preciso Ser assim, se há a possibilidade de “passar para
outra coisa” (ALLOUCH, 1994, p. 07), como definiu a saúde mental Jean Allouch.
No lugar do desejo, consequência da
falta-a-ser, e que pode ser definido como a “metonímia do ser” (LACAN, 1992, p.
94) ou mesmo daquilo que “não para de não se escrever” (LACAN, 1985, 127), encontramos um fatalismo brutal, um “ ser
para sempre” (SARTRE, 2007, p.38 ) que é , como Sartre tão bem mostrou em Entre Quatro Paredes, infernal. Diante
da mobilidade possível o sujeito, tornado Eu, travestido de Ser, fica preso na
repetição daquilo que É.
Mas,
vale lembrar, escreveu o poeta: “nós somos homens ocos” (ELIOT, 2006, p. 133)
não porque, acrescentemos, perdemos nossa outra metade, e devemos sair por aí
“a procura dela” (PLATÃO, 1955, p. 42), como quis Aristófanes no famoso O Banquete. Somos ocos porque há uma
“dit-mension”[1](LACAN,
1993, p. 22) que nos retira a possibilidade de acharmo-nos em casa pois, já o
dissemos aqui, a palavra, o verbo, o significante designa sempre outra coisa.
Mas vem a Psicologia, às vezes aos brados e diz: preenchamo-los!,
Ofereçamos-lhes um lugar para ser! Retiremos, esse pobres homens da difícil
arte de inventar o viver. Ofereçamos-lhes respostas cada vez mais científicas,
mais balizadas por experimentos até que só sobre (não seria soçobre?) a certeza
de, primeiro um Tu és para, em seguida ,fundar um Eu sou. Reduzamos, diz ela,
tudo a “termos inteligíveis”(FOUCAULT, 2010, p. 118) mesmo que isso seja
impossível, já que até nas matemáticas, ciência realmente exata, há
incompletude, como demonstrou Godel com seus teoremas[2]!
O
que a Psicologia pretende se estamos certos é, portanto, em resumo, volto ao
esquema acima, apagar as marcas do impossível e, dessa forma, alicerçar um ser
ciente daquilo que É, positivo e operante e que não leve em conta o “vazio que
o constitui” (FREUD, 1996, p. 89) pois se terá, nela, A Psicologia, sempre A
Palavra confortante da Totalidade do Ser. Mas, é a última pergunta que faço,
assim procedendo, ela, a Psicologia, não descamba para o re-ligare àquele que É, àquele que disse “ehyeh asher ehyeh”
(STERN, 2010, p. 159), que disse “Sou aquele que Sou” (JULIEN, 2010, p. 48) e,
em última análise, apenas “Sou”? Será que passamos do mito à ciência e...bem,
deixo o leitor com essa pulga atrás da orelha!
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[1] Assim foi traduzido por Antonio
Quinet (1993) o neologismo lacaniano “dit-mension” que procura jogar com a
dimensão do dizer e, ao mesmo tempo, com a ideia de uma mansão, morada, casa do
dito. O sentido, aqui, é também esse e o escolhemos para dizer, seguindo Freud,
que o “homem não é senhor de sua casa” (LACAN, 1988, p. 39)
[2][2] Aqui vão dois trechos, resumidos, dos
teoremas de Godel, a guisa de demonstração: “Há em uma teoria
consistente proposições verdadeiras que não podem ser demonstradas nem negadas”
(NEWMAN & NAGEL, 1998) e “só se pode
provar a consistência de um enunciado matemático se, e somente se, for ele inconsistente”
(NEWMAN & NAGEL, 1998) .
[1] Infans
é a palavra francesa, sem correspondente em português, que designa
especificamente a criança que ainda não fala.
Gustavo Capobianco Volaco
Psicanalista
email: gustavovolaco@hotmail.com
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