....
Na philia grega, na amicitia romana
ou na caritas/ágape das comunidades
cristãs primitivas, a prática da amizade era propriedade de uma elite ou visava
a um Bem Comum Universal. Seu objetivo final era conhecer a verdadeira essência
do ato que torna um homem santo ou sábio. Além do mais, todos esses arcanos da
amizade moderna tinham como condição da verdadeira realização a abolição dos
prazeres sensíveis, inclusive os prazeres sexuais. A amizade contemporânea, por
seu turno, herdou das antepassadas a mesma repulsa ao prazer, desprezando, além
disso, a dignidade moral com que foi outrora investida, vindo a tornar-se um
puro artefato compensatório para os males da sociabilidade pública e privada.
Na ética da amizade foucaultiana, o sexo pode ou não estar presente, mas nem
deve ser aprioristicamente expurgado nem encampar as possiblidades de prazer
que ela pode produzir.
Foucault pretendia conciliar,
em suma, o melhor da Grécia e de Roma com o sentido de liberdade presente no
sujeito ocidental contemporâneo. Sua noção de amizade aludia a uma espécie de
teia de relações fluidas, flexíveis, em que os sujeitos pudessem sempre escapar
das normas que fixam “identidades sociais”, elaborando novos experimentos de
subjetivação. É este, em meu entender, o sentido da frase acima mencionado. “A verdadeira liberação significa conhecer a
si mesmo e, frequentemente, só pode ser realizada por intermédio de um grupo,
seja qual for.”
....
A amizade seria, desse
modo, uma espécie de dispositivo renovador de subjetividades, no qual a “ascese”
dominaria a “disciplina” na criação de estilos de existência, conforme os
preceitos da liberdade imaginada por Foucault. Essa liberdade, grosso modo,
pode ser aproximada do que outros pensadores teorizam como sendo a liberdade de
recriação subjetiva do sujeito num mundo onde a tradição perdeu a autoridade
cultural e o monopólio na direção de condutas e consciências. Assim, Hannah Arendt
se refere a uma liberdade semelhante, como derivada da capacidade de pensar e compreender o sentido da ação; Richard
Rorty a denomina de capacidade de
redescrever a subjetividade por meio de novas metáforas e Agnes Heller,
mais próxima de Nietzsche, chama-a de ética
da personalidade.
....
SEM FRAUDE NEM FAVOR
JURANDIR FREIRE COSTA
1o. Capítulo: "utopia sexual, utopia amorosa"
Nenhum comentário:
Postar um comentário