sábado, dezembro 14, 2019

OUTRO(S) NUM CASAMENTO




Uma conversa com Marcos José Müller, autor do recém lançado Outro(s) num Casamento.


MARIA: Gostaria em primeiro lugar que você falasse sobre a diferença deste livro em relação aos seus outros livros, já publicados. Parece-me que “Outro(s) num casamento” traz a marca de uma nova linguagem.

MARCOS: Obrigado pela oportunidade de mostrar aos leitores do blog minha mais recente produção. Ela marca, sim, uma  diferença em relação aos meus trabalhos anteriores, os quais são fortemente marcados pela escrita acadêmica, voltados ao público especializado em filosofia fenomenológica, psicanálise e psicologia clínica. Dessa vez, não obstante eu continuar a me servir dos resultados  e fontes de minhas pesquisas acadêmicas, o texto foi escrito em um formato ensaístico,  com forte apelo literário, em que encarrego 11 personagens de transmitirem, em função dos contextos narrativos em que se encontram, as diferentes maneiras pelas quais se pode pensar a experiência com o outro desde o ponto de vista da filosofia, da psicanálise, das artes, da religião e do misticismo.

MARIA: Na contra capa do livro, há uma pequena apresentação do texto. Ali você denominava esta narrativa como uma “autobiografia de ficção”. Você poderia falar um pouco mais sobre esta proposta. Afinal, toda autobiografia não é sempre uma ficção? 

MARCOS: Trata-se de um gênero já muito popular, que a academia denomina de autobiografia de ficção. Pois, não obstante o fato de toda narrativa ser ficcional, na autobiografia, estimamos algo de realidade, como se a realidade fosse algo mais consistente que a ficção de um narrador, seja ele um sujeito discursivo ou um algoritmo, muito embora saibamos que ela não o é. Por isso, mais além de coincidir com relatos de realidade, o gênero autobiografia de ficção põe em evidência, pela diversidade de vozes, o caráter ficcional das narrativas. Os personagens narram em primeira pessoa suas participações em um episódio que lhes é comum, precisamente, uma festa de casamento, a qual está inspirada em minha própria festa,  como se a pudessem relatar, muito embora, pela ótica de cada qual, sejam festas muito diferentes, em que se deparam com a presença de diferentes modos de apresentação do outro.

MARIA: Quem acompanha o seu trabalho sabe que você se interessa, há muito tempo, pelo tema do (O)outro. Tanto o outro enquanto descoberta da alteridade, quanto o outro como elemento construtor do laço social. Este livro foi uma forma de organizar esses anos todos de pesquisa sobre este tema?

MARCOS: Exato. É como se eu pudesse reunir em um mesmo modelo, que estou chamando de gestáltico, os diferentes olhares, irredutíveis entre si, intercalados como série de figuras em oposição a um fundo indeterminado, acerca do que possa ser essa diferença imtroduzida pela palavra - e a que chamamos de outro. A polifonia no modo de se dizer e viver as muitas caras do outro  é o tema do livro. Há o outro que se diz como silêncio desde o passado perfeito, como o faz a obra de arte. Há o outro que se diz como narrativa de futuro, tal como na experiência do desejo. Mas há também o outro que replicamos no presente a partir do passado imperfeito, não acabado, que é o outro como imagem. Temos ainda o outro que é uma narrativa fantástica, articulada num passado que não é nem indicativo nem subjuntivo, mas particípio, que participa de modo hierofânico, como testemunhamos nas narrativas religiosos. Bem como também há um outro  futuro, mas que não pode ser narrado, relatado, por que é mistério, meramente subjuntivo, tal como ele se apresenta na experiência mística. De sorte que, a partir de uma redução da fenomenologia da linguagem a seus elementos estritamente temporais, eu alcançasse um modelo, uma estrutura, uma gestalt, que mais não é senão um modo de apresentação das diferentes formas de configuração do outro enquanto linguagem. 

MARIA: Qual é a importância desse tema na sociedade contemporânea, onde a maior parte das relações com o outro se dá através da tela de computador?

MARCOS: Meu livro tenta radicalizar a antológica afirmação de Rimbaud, tão exaustivamente explorada por Lacan: o eu é outro. Como prefiro dizer, há muitos outros que se dizem no eu, não importa onde esse eu seja enquadrado: numa tela de computador, num aplicativo, num ideal político, numa reflexäo filosófica, numa teoria metapsicológica... A exigência iluminista de que tudo deve poder ser pensado a partir eu é questionada, à medida que se reconhece que tudo no eu vem do outro. E estejamos fisicamente afastados ou virtualmente conectados, é sempre do outro que se trata, em toda forma de vida humana. Qual é a abertura que nossos dispositivos, teorias, saberes e instituições têm para a multiplicidade de outros que se dizem nas linguagens?

MARIA: Finalmente, gostaríamos que você nos contasse como foi a recepção do seu livro no exterior? Sabemos que você fez lançamentos no México e no Chile.

MARCOS: Sou muito grato aos meus leitores, no Brasil e exterior, especialmente na América Hispânica, pela forma generosa como se ocuparam das minhas propostas, Tanto no Chile quanto no México, para os diferentes públicos que me deram o privilégio da palavra, as ideias deste novo livro encontraram uma boa receptividade, especialmente por conta de meu esforço para reunir, em um mesmo modelo aberto, diferentes referenciais apresentados sem a pretensão de síntese, ou redução a um ponto de vista hegemônico. Mais além do estranhamento com a proximidade entre significantes advindos simultaneamente da filosofia, da psicanálise e da literatura, os leitores se interessaram pelo modo como eu tentei discriminar os diferentes registros nos quais se inscrevem os significantes relativos ao modo como o outro se diz em nossas narrativas.


Maria  Holthausen

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