O Brasil é ruim de debate. Vemos isso na Política, na Filosofia e na
universidade em geral. Por muito tempo, vi um hábito nada elogiável - falar bem
pela frente, mal pelas costas. Isso está diminuindo. Mas não porque tenhamos
aprendido a discutir, frente a frente, ideias. Continuamos com sérias
dificuldades nesse tocante. Basta ver que, de vez em quando, alguém lamenta a
falta que fariam célebres polemistas. Não faz muito tempo, o educadíssimo
Fernando Henrique Cardoso lastimou a falta de Carlos Lacerda. Mas, se foi o
tribuno da antiga UDN um dos maiores defensores do fim do regime democrático, da
sua substituição por um regime militar? Lacerda passou 15 anos clamando pelo
golpe de Estado e apenas se voltou contra a ditadura quando esta, em vez de
levá-lo à presidência, reservou-a aos próprios generais. Outra falta que ora e
vez vejo lamentarem é a do polemista Paulo Francis. Mas, um como político e
outro como jornalista, ambos se especializaram em ofender seus adversários, em
convertê-los em inimigos. Esse procedimento consistia na pura negação da
democracia, no caso de Lacerda, e do intelecto, no caso de Francis. Eu e meus
amigos, jovens, líamos Francis, no Pasquim. Mas nos incomodava sua
ligeireza, sua superficialidade no trato intelectual. Os dois compensaram, na
agressividade, o que lhes faltou em equilíbrio. É pena, porque poderiam, homens
inteligentes, ter cumprido um papel melhor em nossa cultura. Há passagens, no
Afeto que se encerra, de Francis, belíssimas.
Por que temos tão pouco empenho na discussão respeitosa? Talvez porque nos
falte a convicção - insisto, democrática - de que não somos donos da
verdade. Isso vem junto com algo que surge no fim da Idade Média, a cortesia.
Ela nada tem a ver com a cordialidade, que Sérgio Buarque de Holanda reivindicou
para nossa cultura. Cordial é quem age segundo o cor, isto é, o
coração. Cortês é quem segue a corte, lá onde vive o rei. As boas maneiras
surgem em torno dos poderosos, para mostrar- lhes respeito. Porém, surgem
maneiras urbanas (de urbs, cidade), que expressam respeito, mas sem a
hierarquia que subordina todos ao rei. Na cidade, somos todos cidadãos. Ora,
haverá forma mais digna, mais bela, para manifestar isso, do que dizer que todos
nós somos falíveis? Que todos falhamos, erramos? Minha especialidade mais antiga
é a Política. Conheço gente que brigou por Política - tanto ela instiga as
pessoas a viverem no mundo da paixão, não no da razão. Mas pode alguém dizer que
sempre acertou? E quantos não brigaram, até com amigos, por algo que é do mundo
da fantasia?
Proponho assim dois princípios éticos. Primeiro: somos iguais, por isso
devemos nos tratar educadamente. Um debate não deve ofender. Deve se inspirar na
preocupação de acertar - e essa preocupação deve ser coletiva, não individual.
Se eu acertar, será junto com quem discordou de mim. Segundo: a melhor base para
dizer que somos iguais não são as declarações da ONU, mas o fato simples de que
erramos. Erramos muito, até. Mas isso não deve nos impedir de continuar na
grande, magnífica, humana experiência que é pensar. É pelo ensaio e erro, pela
tentativa de encontrar um caminho - mas moderada pela modéstia que nos faz
reconhecer quanta bobagem já foi dita, quanta dizemos e quanta ainda diremos -
que é possível avançar. Talvez a maior conquista da democracia tenha sido o
direito ao erro. Nas autocracias, supõe-se que quem manda sempre acerta. Sabemos
que não é nada disso... Numa democracia, podemos errar. O importante é que não
tenhamos poder para impor nossos erros aos outros; e que tenhamos uma
diversidade de opiniões tão ampla que seja viável, sempre, nos corrigirmos. É
por isso que o melhor debate é o mais educado.
Renato Jenani Ribeiro
Fonte: Portal Ciência & Vida
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