segunda-feira, julho 09, 2018

PERSONA: A poesia de Bergman






PERSONA - Ingmar Bergman
1966 - Suécia
Ingmar  Bergman  -   14 de julho de 1918
30 de julho de 2007


A proposta deste apresentação não é fazer análise do filme, 
mas trazer algumas pontuações que provoquem o debate.*

  • Enredo: O filme está concentrado na relação de duas mulheres. Uma delas é uma atriz de sucesso, cuja idade se aproxima dos 40 anos, Elizabeth Vogler, que sofre um enigmático colapso mental cujos principais sintomas são o mutismo e uma prostração quase catatônica. O colapso de Elizabeth surge depois de uma apresentação da peça Electra, de Sófocles. A outra personagem é a jovem enfermeira de 25 anos, Alma, encarregada de cuidar de Elizabeth, inicialmente na clínica e depois, na casa de praia oferecida pela psiquiatra responsável pelo “tratamento"de Elizabeth. Entre esses dois cenários, acompanhamos por mais de uma hora as aventuras dessas duas mulheres confinadas em uma relação angustiante e apaixonada. 
  • O cenário: Tanto na clínica quanto na casa da praia, a decoração é fria, neutra, apática.  Um cenário que intensifica os afetos de Alma e o silêncio de Elizabeth.  
  • Deslizamento entre Fantasia e Realidade: As ações e os diálogos apresentados deslizam constantemente entre a realidade e a fantasia. A grande dificuldade do filme deriva do fato de que Bergman recusa fazer as sinalizações nítidas para separar as fantasias da realidade que, por exemplo, Bruñel faz em Belle de Jour. As alucinações ou visões irão aparecer na tela com o mesmo ritmo e a mesma aparência da realidade objetiva.  No entanto, parece que  separar o que é fantasia do que é real é uma tarefa sem importância. Ou seja, não é por essa via que vamos agregar valor ao filme.
  • Narrativa: A questão da forma narrativa é essencial na análise do filme, porque ela é  indissociável do que o filme nos diz e, mais ainda, do que é da ordem do não dito.  Bergman não apresenta uma narrativa objetiva nem linear. Qualquer tentativa de organizar uma leitura plana do enredo, certamente irá empobrecer a história. Isso não quer dizer que a narrativa foi privada de sentido. Mas que o sentido não está necessariamente ligado a uma trama determinada. Enquanto a narrativa tradicional fornece informações completas, satisfazendo o desejo de saber e entender o que acontece e por quê. A narrativa não linear provoca uma frustração deliberada e calculada do desejo de conhecer. Apresenta-se mais como uma reflexão do que uma representação da realidade.
Dentro deste modelo narrativo, a construção de Persona toma a forma de variações sobre um mesmo tema. E esse tema é o duplo:
Talvez o episódio mais notável do tema do duplo seja a longa descrição feita por Alma a respeito da maternidade de Elizabeth e de seu relacionamento com o filho. Esse monólogo é repetido duas vezes. A primeira mostrando Elizabeth enquanto ela ouve, a segunda mostrando Alma enquanto fala. A sequência termina espetacularmente, com o close-up de um rosto duplo: metade Elizabeth, metade Alma.
- Outros elementos do duplo que se desdobram na sequência do enredo: 
Persona/Máscara - Alma
Se a manutenção da personalidade requer salvaguardar a integridade das máscaras, e a verdade sobre um sujeito sempre significa o seu desmascaramento, então a verdade do desejo é o estilhaçamento das máscaras;  por trás da qual se encontra o objeto a - causa de desejo e, na sua roupagem fálica como produção de gozo.

Linguagem - Silêncio
Por um lado a fala como um ato generoso mais ineficaz. Por outro, o silencio como uma provocação, uma tentação, uma armadilha. Cada gesto de afeto, de inveja, de hostilidade de Alma é violado pelo inquebrantável silencio de Elizabeth. 
Se, inicialmente, a linguagem é apresentada como um instrumento de desmascaramento e de autorrevelação. Ela também é apresentada como instrumento de fraude, de crueldade e, em alguns momentos, de tortura; demonstrando a falta de uma linguagem que tenha genuína plenitude. O que nos remete a relação lacaniana entre linguagem e semblante. 

Normal - Patológico
Bergman não se preocupa em fazer uma discussão psicológica do caso Elizabeth. A história que antecede a hospitalização de Elizabeth é mínima. A fala da psiquiatra se resume e uma análise rápida e superficial. Ela diz "entender" o silêncio de Elizabeth. Que Elizabeth quer ser sincera, deixar de representar, parar de mentir, fazer com que o interior e o exterior se harmonizem. Nesta célere fala interpretativa, resume-se a discussão psicológica do caso Elisabeth. 
Também não existe um terceiro, durante o período que as duas mulheres estão na ilha, que possa oferecer uma leitura moral ou psicológica da relação que elas desenvolvem durante aquele tempo. Diferentemente de Sonata de Outono, por exemplo, Persona não é um drama psicológico. As fronteiras entre o Normal e o Patológico são tão difusas quanto as da realidade e fantasiais.

Erotismo - Violência
Certamente a cena mais erótica do filme é a história da orgia na praia. Através da fala, e sem qualquer recurso de imagem, Bergman conseguiu  produzir  uma fascinante atmosfera sexual. Na esteira do erotismo revela-se o amor, expor seu vergonhoso segredo é um gesto de amor que Alma oferece a Elizabeth. 
As imagens de violência social, capturadas por Bergman dos meios de comunicação, aparecem como imagens do que não podem ser contido ou digerido, ao invés de oportunidades para pensamentos políticos e morais. A história e o social ingressam no filme apenas na forma de pura violência. Bergman faz um uso “estético" da violência, distante da propaganda usual dos filmes daquela época, que procuravam fazer uma leitura crítica do social.

Referencias:

  1. Sontag, Susan, A Vontade Radical, SP: Cop. Das Letras, 2015
  2. Telles, Sérgio, O Psicanalista vai ao Cinema, SP: Casa dos Psicólogos, 2012. 
* Debate do  filme no BADESC, Sessão Divã.  
Iniciativa Fórum do Campo Lacaniano  Florianópolis.

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