quinta-feira, agosto 29, 2019

PSICANÁLISE E ARTE




ESTÉTICA-SENSORIAL 

(Lygia Clark 1920/88)


A trajetória de Lygia Clark faz dela uma artista atemporal e sem um lugar muito bem definido dentro da História da Arte. Tanto ela quanto a sua  obra fogem de categorias ou situações em que podemos facilmente enquadrar: a artista estabelece um vínculo com a vida, e como podemos observar nos “Objetos Sensoriais” de 1966/68, a proposta de utilizar objetos do nosso cotidiano: (água, conchas, borracha, sementes, etc), por exemplo, a intenção de desvincular o lugar do espectador dentro da Instituição da Arte, que passa estar em constante transformação.
O fazer artístico de Lygia Clark traz a ideia de como se dá o processo de criação de uma artista contemporâneo e de como vai amadurecendo seu trabalho.
A poética caminha no sentido da não representação e da superação do suporte. Propõe a desmitificação da arte do artista e a desalienação do espectador, que finalmente compartilha a criação da obra.
No início de seus estudos artísticos, Lygia estudou no Rio de Janeiro e foi fundadora do Grupo Frente, em 1954, integrou mais tarde a I Exposição de Arte Neoconcreta com Ferreira Gullar, Franz Weissman, Lygia desliza entre o singular e o universal, para logo perceber que sua pintura não sustentava mais o suporte tradicional. Procura novas saídas, como nas Unidades, 1959 onde moldura e espaço pictórico se confundem, e pinta a moldura da cor da tela, que ela chama de linha orgânica.
O que é uma arte plástica feminina? Entendendo não como uma divisão sexual, mas como um lugar marcado pelo vazio, que independe do sexo do biológico.
Arriscaria dizer que Lygia Clark, pratica a arte plástica do gozo e que está em eterna mudança, quebrando valores paradigmáticos, colocando em cheque o mito da personalidade do artista e todo narcisismo associado imagem do artista; a perda da imagem; a utilização de objetos absolutamente ordinários e de utilidades domésticas aplicadas as suas experiências; a desmaterialização do ser em favor do ato de fazer, tal maneira que ele quase se desfaz; em outro momento experimentou práticas terapêuticas onde todas as influências se misturam como ao Zeitgeist, marcado pela valorização do corpo e o aparecimento de práticas de grupo nas terapias. Ainda a tentativa de que o sujeito fale do seu corpo e com o seu corpo de alguma maneira na arte, isto é, a experiência corporal deve por fim dar lugar à fala. Para ela, era o momento de construir com o corpo um espaço para a palavra. E a palavra substitui o objeto.
Com a dissolução da própria arte, do artista e do espectador, concluirá em sua proposta terapêuticanem o objeto, nem o sujeito têm estatuto independente, e, portanto não há mais arte. Foi sem dúvida uma arte subversiva, que não cansou de se reinventar.
Para tentar entender sua obra e trajetória artística, usarei como referências alguns itens:
A Desmistificação da arte
Desde que o objeto perdeu seu sentido como meio de comunicação e o homem entra como temática na arte, como objeto de si mesmo do outro, a ligação arte e patologia apresentam novos aspectos: o artista está agora interessado em trabalhar com os psicanalistas, usando o corpo, como material para regredir pacientes e fazê-los tomar consciência do próprio corpo.
Estas são questões que acompanham a configuração do sujeito dividido em relação ao objeto. Podemos dizer que não se trata do objeto como símbolo, mas como fato. John Cage (do grupo alemão chamado Fluxus) dizia que: o objeto não pode ser imaginado e é uma espécie de ruína, objeto oco que é o resto de uma operação de constituição do sujeito no campo do outro
Corroborando com essa reflexão, Jochen Gertzcita o filme Shoah, (filme de Claude Lanzmann). Shoah palavra hebraica para designar, no religioso, catástrofe, nadificação, devastação e o nome Shoah significa a destruição sofrida pelos judeus, no genocídio ou holocausto, naquilo que os nazistas denominaram a solução final. Demostrando o que é a interdição da representação. A obra não está na obra, o filme chega quase ao visível, a borda apenas o que surge dos testemunhos dos sobreviventes, que se ocuparam da tarefa de carregar e descarregar as câmaras de gás, ou dos oficiais nazistas que tinham a gestão dos crematórios. Não vimos nada, quem poderia ver isso? Não as vitimas empilhadas lá dentro. Tão pouco, os que estavam de fora. De todas as maneiras tudo corria na obscuridade. Como mostrar isso que não tem imagem e que ninguém viu? Este filme realiza um ato, um ato fundador de quando o objeto distancia-se da imagem real, lembrando com Lacan, que o objeto nos obriga a conceber, até certo ponto imaginar, algo que problematiza a imagem e nos impõe o desafio de formatar “um outro modo de imaginação”.
imagem não é apenas forma que organiza o corpofixa o eu numa linha de ficção, revelada na tela sobre a qual uma ilusória realidade virá se apresentar. “O pensamento lacaniano compartilha com a arte contemporânea, por exemplo, a questão do corpo para além da imagem especular, a concepção do objeto arruinado e inimaginável, o gesto, a do espaço como imprevisível, não mais organizado a partir da representação clássica, isto é o ilusionismo tridimensional (a perspectiva a questão Renascentista descoberta por Brunelleschi).”
Boa parte produção contemporânea pretende revirar o imaginário, de modo convocar o sujeito.
Neste imenso terreno, destaca-se Lygia Clark sobre o ato poético.

A Maleabilidade:
 Em 1963, apenas um ano após Lacan começar a fazer uso da fita de Moebius em seu SeminárioLygia põe-se também a utilizar esse objeto. O psicanalista Lacan, já havia recortado a fita em todo seu comprimento, seguindo a linha mediana de sua largura, para dizer que o sujeito não é mais do que esse corte que inaugura a distinção entre o dentro e fora. Ele define então, como citamos, como o “suporte estrutural do sujeito como divisível”.
Já com os Bichos, desde 1960 ela convoca o espectador ser coautor, na medida em que ele manipula essas esculturas com dobradiças, ao movimentar os Bichos. Ao privilegiar o contato entre homem e objeto, faz com que a obra se dê entre os dois, quando cada gesto gera uma resposta do outro. O Bicho não tem avesso. A partir de certos gestos o inesperado se configura. O diálogo ente os Bichos e o espectador subverte a ideia de que um pode controlar o outro.
Dissolvendo o objeto em favor do ato, a artista chega a abandonar os termos obra objeto de arte e adota o termo proposiçãoDesmaterializa o próprio eu, coloca em crise, e assim desperta o sujeito de sua alienação especular. Lygia fala: Instável no espaço parece que estou me desagregando
Meu corpo me abandona, pergunta? Onde está o Bicho-eu? Sem pontos de referências com o meu trabalho – que olha de longe. Fui eu quem fiz aquilo? Trata-se de um objeto precário.
Lygia em 1968 anuncia a respeito da obra de Hélio Oiticica assim como sua própria obra, o precário como novo conceito, a magia do ato na sua imanência e também a negação do objeto que perdeu toda sua carga poética projetada, para se transformar em algo onde as pessoas se debruçam para se encontrar com sua essência. A essência está no fundo do poço, e não no espelho d’água de Narciso, mas se põe em vertigem, diante da queda iminente.
Sobre a obra O Dentro é o fora de 1963, uma fita de Moebius modificada em aço inoxidável, Lygia afirma que, o sujeito atuante encontra sua própria precariedade (ele descobre o efêmero por oposição a toda espécie de cristalização. Agora o espaço pertence ao tempo continuamente metamorfoseado pela ação. Sujeito-objeto se identifica no ato).
O corte que define o sujeito, para a artista, não se dá em ato, mas no próprio desenrolar do temporal de sua tentativa, nunca alcançada. O espaço torna-se assim um campo de metamorfoses no qual o sujeito aparece, laçando-se fora si e já destinado a se perder no tempo. O ato de se fazer é tempo. O ato subverte a noção de existência: não sou propriamente em mim mesma, mas aconteço no ato.
Assim põe em questão o estatuto do objeto, em prol do simples desenrolar do tempo. O objeto desaparece, deixa de ser fixo. O ato promove aí uma junção entre objeto e sujeito que desloca um em favor do outro definido pelo movimento. O ato artístico clarkiano sustenta no tempo a oscilação entre dentro e fora, tornando-o virtualmente sem fim.
ato se faz no tempoO ato de fazer. O sujeito se faz no ato, de maneira que quase se des-faz, o desmaterializa, destaca-se de sua imagem corporal para lança-lo na precariedade. Tal despertar é um ato, no entanto, não tem início nem fim, não se localiza no tempo mais é o próprio tempo. Não se captura mais que um lapso de tempo, é uma poética sensação.
A experiência com a maleabilidade de materiais duros converte-se em material flexível. Lygia chegou à matéria mole: deixou de lado a matéria dura (madeira), passou pelo metal flexível dos Bichos e chegou à borracha na Obra Mole, em 1964. Como aponta no trabalho de dela, por exemplo, uma intenção de desvincular o lugar do espectador dentro da instituição de Arte, e aproximá-lo de um estado, onde o mundo se molda e passa ser em constante transformação.
Por sua vez, Lygia Clark, em seu Caminhando, de 1963, faz na fita unilateral, com uma tesoura, um corte transversal que não reencontra seu ponto de partida, mas prossegue sempre em uma nova volta, tornando sua largura cada vez mais fina e seu diâmetro cada vez maior, prolongando e expandindo a torção da banda em direção de uma ruptura final, já que a largura não é infinita.
Caminhando é uma verdadeira revolução na obra da artista: ele permite ultrapassar a distinção de obra de arte, em prol de uma primazia do ato. Ao propor o corte transversal da fita como o próprio trabalho artístico, ela desmaterializa a obra de arte, introduzindo a reflexão artística acerca das relações entre sujeito e objeto - ou seja, em termos psicanalíticos, sobre a fantasia.
Caminhante, o sujeito é um “itinerário interior fora de mim”, escreveu Lygia em 1965. Isso permitiu á artista radicalizar a participação do outro, do espectador, na configuração do trabalho artístico. No Caminhado, ela produz o ato. Há um só tipo de duraçãoo ato. O ato acontece na duraçãoNada existe antes e nada depois

Baba Antropofágica

A Dissolução da Arte:
No curso que ministra na Sorbonne desenvolve com um grupo de alunos a proposição Baba antropofágica e Canibalismo, em 1973, passando pela nostalgia do corpo, que define como momento de fragmentação corporal, para chegar à reconstrução do mesmo como corpo coletivo.
Na Baba antropológica, cada participante vai desenrolando a linha de um carretel que tem dentro da boca e depositando-a, cheio de saliva, sobre uma pessoa deitada. A percepção inicial do fio na boca se transformaria nas próprias vísceras que eles estariam pondo para fora. A fantasmática do corpo que me interessa e não o corpo em si. (o termo empregado na psicanálise francesa para fantasia freudiana é fantasme).
Para Clark, as fantasias são narrativas corporais, ex.: “receber o pênis, retorno ao útero, à vagina que se abre para fora se revirando pelo avesso”.
O apelo clarkiano ao corpo visa menos à presença dele em si do que à sua apresentação como convite a que o sujeito fale de seu corpo - e com seu corpo, de alguma maneira - na arte. A experiência corporal deve dar lugar à fala. No curso ministrado pela artista na Sorbonne, os alunos vivem com a artista e seus objetos relacionais experiências que compreenderão posteriormente no relato.
Era o momento de construir com o corpo um espaço para a palavra. Esta falta é uma espécie de comunicação que seria um espaço que só se pode construir com a linguagem plástica. Do pensamento mudo a um ato falado, Lygia constrói um imprevisível espaço do sujeito, rompendo em definitivo as fronteiras da arte.
dissolução da própria de arte, de artista e de espectador, e se concluirá na proposta terapêutica clarkiananem o objeto nem o sujeito têm estatuto independente, portanto, não há mais arte.
Lygia levou às últimas consequências seu projeto artístico, e isso obrigava a um total abandono do circuito de arte, da ideia de objeto de arte para contemplação e do próprio estatuto de artista.

O Não-artista ou a substituição da experiência estética pela sensorial:
Há um momento em que Lygia chega ao auge de sua arte e passa a confundi-la com a vida, rompendo uma linha tênue, o que a faz declarar-se “não-artista”, mas terapeuta..
No início de 1970, Lygia entra em contato com o estudo da psique humana, a partir daí criou novo rumo para vivenciar a arte e passou a se concentrar no desenvolvimento de experiências sensoriais e seu uso terapêutico. O questionamento cada vez mais profundo do estatuto do objeto de arte, do artista e do espectador; assim criando as máscaras sensoriais, essas obras que propõem uma experiência solitária. Na verdade, uma busca do autoconhecimento. Não há contato com o outro, mas com seu eu.
Uma das obras mais famosas de Lygia é a Máscara Abismo, ela tenta dar a experiência do seu órgão fora do corpo, e como um objeto qualquer pode ser acoplado a ele. A Máscara Abismo era composta de um saco de rede sintética que envolve um saco plástico cheio de ar.  Se colocava sobre o rosto e sua extremidade prolongava-se sobre seu peito, como uma tromba de animal. Este trabalho tente substituir a experiência estética pela sensorial, incentivando o uso do tato como ferramentas de transição que busca estimular uma maior sensibilidade e liberação criativa, que servem para promover um mergulho na subjetividade, libertar o ela chamava de “fantasmagoria do corpo”.
A máscara proporciona a sensação de estar caindo em um espaço vazio. Como a própria Lygia aponta: o vazio se apodera de mim só pode ser entendido sentindo e assim creio que sentindo posso entendê-lo, mas não resolvê-lo.
Tocar, cheirar, sentir, interagir. Este era o propósito maior das obras de Clark. Entrar em contato com este novo universo artístico significa deixar um pouco do que a artista desejava. Como aponta no trabalho de dela, por exemplo, uma intenção de desvincular o lugar do espectador  dentro da instituição de Arte, e aproximá-lo de um estado, onde o mundo se molda e passa estar em constante transformação
artista que perdeu a autoria da obra teve inicialmente várias atitudes compensatórias. Cultivou a sua personalidade como obra, passou a ser sua própria assinatura. Outros se voltaram ao misticismo, ainda na necessidade de uma poética transferente. Acabar com o “objeto transferencial” assumir-se me parece a sua maior dificuldade. Assumindo sua patologia acabando com o objeto transferencial, ele não precisa apenas ilustrá-la utilizando para isso o seu próprio corpo, multiplicando-o, sofrendo, ou ainda expondo a mesma através de um caso clínico (como fez o artista que expôs o mongoloide).
Hoje tudo está sendo checado, o antiobjeto, a antipsiquiatria, o antiÉdipo, é difícil delimitar a fronteira entre normalidade e patologia. O que significa o artista se mutilar em público? Vamos esquecer as palavras masoquismoautodestruição e sadismo. Destruir o próprio corpo na medida em que ele se transforma em temática, em que ele é o próprio objeto transferencial, agora já eliminado, é destruir-se a si mesmo ou nessa destruição está inserido o mito do artista? Ou nessa aparente desmistificação o mito do artista cresce na medida em que ele, artista, é o objeto desse espetáculo? Qual a diferença do artista que se corta e destrói a tela para negar a mesma como objeto de expressão? Parece-me mal resolvido como pensamento da negação da obra e do mito do artista. Atitude romântica do artista que ainda precisa de objeto, mesmo sendo ele, o objeto, para negar.
Quanto aos que expõem a patologia como obra de arte, pode ser uma decorrência do cruzamento da arte e patologia

 Ligia Czesnat - 
Professora Mestre em História aposentada da UFSC



quarta-feira, agosto 28, 2019

PSICANÁLISE E LITERATURA







O estranho em Campo de Sangue


Texto apresentado na reunião do Grupo de Leitura, em agosto de 2019. O livro escolhido para esse encontro foi Campo de Sangue, da escritora portuguesa Dulce Maria Cardoso.


Uma das principais características do romance de Dulce Maria Cardoso é revelar o estranho que se esconde sob o manto do cotidiano. Por isso mesmo, sem uma leitura atenta, o texto de Dulce está fadado a perturbar, desconcertar e frustar a maior parte de seus leitores. Somos arrastados por um narrador que não tem a intenção de seduzir, nem confortar. Não é o tipo de livro que lemos de um só fôlego. Pelo contrário, é um texto que precisamos ler aos pouquinhos para não nos sentirmos enfadados. 
Nosso personagem é um homem solitário. Vive numa pensão imunda, cujo prédio está prestes a desabar. Não tem um emprego, muito menos uma carreira profissional. Foi casado com uma mulher que se dizia apaixonada por ele, contudo, ele nunca soube o que era sentir-se apaixonado, durante o casamento.
Por isso mesmo, não sofre ao ser abandonado pela esposa.  Pelo contrário, parece-lhe uma benção. Não terá mais que suportar diariamente o amor excessivo daquela mulher. Eva nunca soube que ele se sentiu aliviado quando entregaram a chave, acreditava que lhe fazia falta, foram tantos anos, uma questão de hábito…[1]
Sozinho, sem ter aonde morar, passa por algumas pensões que são pagas com o dinheiro de Eva, agora ex-mulher. De pensão em pensão, acaba por acomodar-se em uma cujo prédio estava condenado estruturalmente.  Um lugar velho, sujo e prestes a desabar; mas que, para seu sossego, a senhoria controlava os insetos colocando diariamente uma grande quantidade de inseticida em seu quarto. O cheiro forte do inseticida apazigua seu medo fóbico de insetos.
Durante o casamento, Eva cuidou dele e aceitou sua alienação sem questionar ou reclamar. Eva é uma daquelas mulheres que vivenciam o amor através do cuidado com o outro. Mulheres que estão sempre à procura de alguém que precise ser cuidado. Uma figura feminina bastante comum, que na sociedade contemporânea, consegue sublimar a pulsão de cuidar pela via profissional. A sublimação tem esse efeito: transformar o acefalismo pulsional em ação social. 
Se por um lado, Eva satisfaz a pulsão amorosa através dessa relação de dependência do seu objeto de amor, vivenciando uma paixão que germina da compaixão por um objeto degradado. Por outro, continua a ser um sujeito desejante e, portanto, tem fantasias. Deseja sair da pobreza, para isso trabalha literalmente dia e noite. Quando percebe que não é através de seu trabalho que vai conseguir realizar seu desejo, depara-se com um homem práticoe rico que se interessa por ela. Aproveita a oportunidade que a vida lhe oferece, divorcia-se, faz as malas e vai embora. 
A mudança na vida, muito rapidamente apresenta-se como uma armadilha afetiva. O novo marido lhe oferece a boa vida que tanto desejou - carro, casa perto da praia e com piscina, dinheiro, viagens  - porém, ele não é um homem dependente. Não teme ocupar o lugar fálico no jogo afetivo. Deseja a mulher, erotiza seu corpo, sabe gozar com ele. A posição fálica desse homem não erotiza Eva. Não é no lugar de objeto do gozo de um homem que ela goza. Seu gozo tem um pé bem estabelecido dentro do domínio fálico. Ela não sabe fazer semblante do objeto de desejo do outro, necessita ocupar o lugar fálico para sentir-se amando. 
A fim de assegurar seu lugar de sujeito amoroso, continua cuidando do ex-marido. Sustenta-o financeiramente, mantendo através da dependência financeira o que acredita ser um laço afetivo. Repete - no sentido da repetição freudiana - a posição paterna. Ele aceitou a limitação que Eva lhe impôs, se Eva queria um caso perdido ele era capaz de o ser, a única coisa que conseguia fazer era ser o que os outros queriam que fosse...[2]
Preso na teia das demandas, nosso personagem vai organizando sua vida a partir das idealizações das mulheres que o rodeiam. Enganava a todas, mas todas tinham consciência desse engano, poistinham consciência de que não lhes restava outra alternativa senão a destes enganos consentidos.[3]  
Com a ex-mulher, mantém-se dependente e comporta-se como amante para manter a fantasia dela.  Ele deveria ficar incomodado por Eva o sustentar, mas em vez disso ficava satisfeito, era a única forma que sabia de depender dela. Outra qualquer seria impossível.[4]
Para a Senhoria, ele é um respeitável funcionário que sai toda manhã para trabalhar. Para ela, inventa o trabalho, os amigos e o chefe. Tinha construído uma vida que lhe agradava, cumpria um horário de trabalho, levantava-se sempre à mesma hora, quando regressava contava histórias da empresa…[5]
Psicológicamente a personagem da Senhoria é constituída dentro da estrutura que denominamos de obsessiva. Ela porta as exigências da lei. Todos devem estar dentro das normas instituídas. Um filho tem o dever de ser um bom filho: visitar a mãe, telefonar constantemente, etc, etc, etc. Um filho, como dita a bíblia, deve respeitar e amar seus pais. Um homem deve ser um trabalhador. Seus inquilinos devem pagar religiosamente o aluguel. Zelava pela segurança do seu prédio apesar de o terem declarado irrecuperável e de terem dado a ordem de demolição, a senhoria continuava a fazer chaves para a porta de entrada do prédio em risco de ruir.[6]
Tudo deve estar conforme a lei. No entanto, quando a lei dirige o olhar em sua direção, o obsessivo, rapidamente, assume a posição de vítima. Como exigem isso de mim? Eu uma pessoa tão legal, tão cumpridora das leis e das normas, agora tenho que aguentar essa injustiça. A lei quando se volta em direção ao obsessivo é quase sempre experimentada como injustiça. Porque, não podemos esquecer, a posição de fervoroso adepto do respeito às leis e às regras é um mecanismo de proteção ao desejo de transgressão.
Para a Mãe, nosso personagem é o filho que deu certo: tem um emprego e mantém seu próprio sustento. Visita à Mãe no seu aniversário e, provavelmente, em outras datas festivas levando-lhe presentes. Repete esses hábitos mecanicamente, ainda que a mãe pareça não se importar com essas atenções. Telefona regulamento para a ela, atendendo o ideal de bom filho idealizado pela Senhoria; mesmo que não tenham nada a dizer um ao outro. 
A figura da Mãe criada por Dulce Cardoso borra o imaginário da mãe amorosa, meiga, terna, carinhosa. Encontramos a figura de uma mulher que se alimenta da moral cristã para assegurar suas verdades delirantes. Veste seus valores como quem veste uma camisa de força.  Não se deixa atravessar por nenhuma emoção, nem mesmo pela morte. Quando é chamada pelos médicos para falar do filho, ela não tem nada a dizer. Como também não tinha nada a dizer sobre o pai daquele filho. O horror causado pelo ato do filho provoca-lhe um desgaste incômodo que nomeia como vergonha. Antes de fechar a porta, a mãe pergunta ao médico se tem filhos. Dois, responde o médico, com ternura, dois. A mãe diz, então quando lhe acontecer o mesmo a si verá que não tem nada para dizer, a única coisa que se tem é tanta vergonha que os olhos dos outros nos queimam, quando lhe acontecer o mesmo vai perceber que um filho pode ser um azar muito grande que ninguém consegue explicar.[7]
E, finalmente, para a quarta mulher, a Rapariga Bonita, ele é um enigma. Em alguns momentos, é um homem apaixonado que pode lhe dar presentes e, talvez um dia, um lar. Em outros momentos, o amor excessivo que ele demonstra sentir por ela torna-se possessivo e assustador.  Ela tem medo e vergonha dele. 
É no encontro com a Rapariga Bonita que o estranho – a ruptura - começa a se revelar. O que estou chamando de estranho é o que irrompe com furia e sem nenhum controle. O não esperado. O inrreconhecido que atravessa a harmonia do conhecido. O sem sentindo de um surto psicótico.
Quando a ruptura do nó borromeo suspende a produção de significação e, portanto, de sentido; ainda assim é possivel refazer o caminho da desintegração psíquica. Não se trata aqui de apresentar o pensamento de botequim de que tudo tem um sentido.  O que nos interessa é olhar os fenômenos da fratura psíquica que antecede o aparecimento do surto. A compreensão de que esses fenômenos não são aleatórios, mas fazem parte da articulação simbólica particular a cada sujeito, possibilita a compreensão dos pontos de impasse geradores do surto.
Comecemos pela percepção do tempo. Para este sujeito, só existe uma percepção de tempo: a do tempo cronológico. Cada passo, cada movimento é assegurado e organizado pelo tempo do relógio. A cronologia das horas organiza o seu dia e pavimenta os laços sociais.  Olhou outra vez para o relógio, era inútil contar o tempo mas o rigor dos ponteiros situava-o na vida, o tempo contado dava-lhe um lugar na vida...[8]
Quando o relógio é roubado o mundo se desorganiza. O sujeito fica à deriva, pois lhe faltam outras representações simbólicas do tempo. A alienação do corpo próprio não comporta a percepção de um tempo biológico.  Olhou para o pulso, fez o gesto por hábito, deixara de ter horas, mas não precisava, conhecia o tempo de cor, afastou-se rapidamente da casa de Alicinha, o pulso sem relógio não era o dele, não lhe pertencia...[9]
Um pouco mais à frente, quando retorna ao cotidiano da pensão, agora sem o relógio, a desestabilização psíquica se aprofunda: Entrou com cuidado na pensão porque não queria que ninguém o sentisse entrar, não podia saber que o tempo não se deixa contar de cor e foi-se desacertando com a vida, sem o relógio no pulso voltava cada vez mais tarde para a pensão, ainda pensava em comprar outro, chegou a entrar numa loja, mas os dias foram passando e sem se dar conta desacertou-se de vez com a vida.[10]
O roubo do relógio remete à cena de sexo com a prostituta. No quarto, no momento de consumar o ato sexual, instaura-se a sobreposição do discurso repressor da Mãe com a imagem de Alicinha: a santinha da catequese.  A erotização não acontece, o corpo vacila. Falta a mediação simbólica que estruturalmente separa o eu do outro, a fronteira que separa o gozo do eu com o gozo do outro. A inscrição do Nome do Pai que permite ao sujeito realizar a metáfora do Desejo da mãe. Metáfora que possibilita à criança sair da dimensão imaginária dual e especular, para fazer uso da dimensão simbólica que permite a possibilidade da presença e ausência, da falha, do vazio e por extensão, do Desejo.
A vivência da interdição sexual inscrita no corpo juntamente com a perda do relógio, objeto que servia como suporte imaginário que estruturava a realidade, desencadeiam os primeiros sinais de uma organização delirante. É o que vem demonstrar o momento do encontro com a jovem do metrô. Uma jovem qualquer que virá a encarnar a figura idealizada da Rapariga Bonita. Nosso personagem teve a sorte de encontrar uma jovem à deriva, pronta a se deixar enlaçar por um homem que lhe demonstra um grande amor. 
A relação amorosa permite que ele novamente se estabilize. A perda da rapariga o arrranca da estabelidade provocando o surto. A realidade não se sustenta, ele precisa literalmente ter nas mãos o coração que ela um dia disse que era dele. 


 Maria Holthausen
Psicanalista, Doutora em Literatura UFSC



[1]pg. 89
[2]Pg. 162
[3]pg. 21
[4]pg. 19
[5]pg. 63
[6]pg. 55
[7]Pg.. 182
[8]Pg. 80
[9]Pg. 135
[10]Pg. 140

PSICANALISE E LITERATURA





Psicanálise e literatura: por que, hoje?


Jean-Michel Rabaté
 Tradução: Vanisa Santos


No campo dos estudos literários, dizer que a psicanálise tenha pouca produção escrita é, de certa forma, um eufemismo. Mesmo que continue forte em estudos de filmes, história da arte, estudos da teoria queer, de traumas, em discussões sobre o Holocausto, em abordagens pós-feministas, em ideologia crítica seguindo os lacanianos, como Slavoy Zizek, ou os filósofos neo-marxistas, como Alain Badiou ou Jacques Rancière, no que tange à literatura como tal, a invocação de Freud e de discípulos como Marie Bonaparte ou Erich Fromm, é apenas pretexto para uma boa risada.

Vladimir Nabokov incorporou fortemente essa tendência ao resumir o que chamou de charlatanismo dos freudianos no Pale Fire. Kinbote, o comentador delirante do poema principal, cita Oskar Pfister, o caso de um jovem que não conseguia parar de pegar no nariz. Pfister escreveu que o paciente estava tão dominado por esse gozo que desconhecia os limites para suas fantasias. Também, Kinbote cita Erich Fromm, que escreveu que a capa de veludo vermelho da Chapeuzinho Vermelho era um símbolo da menstruação. Foi preciso que um crítico como Jeffrey Berman salientasse que estas observações não eram absurdas quando lidas em seu contexto original. No entanto, quando vemos a forma como fazem essas equivalências tão simplórias, somos tentados a rir.

Nabokov foi um dos maiores críticos de um tipo de freudismo que dominou nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. O freudismo foi um verdadeiro furor em Hollywood. Por um tempo, uma mistura de surrealismo mediado por Dalí com a segunda geração do freudismo transformara a crítica literária em uma caça a símbolos, projeções e interpretações selvagens. Nabokov denunciou essa prática como um retorno ao alegorismo medieval. Em seus romances, memórias e palestras, ele reitera suas restrições: "Eu rejeito completamente o mundo vulgar, maltrapilho e fundamentalmente medieval de Freud, com sua busca doentia por símbolos sexuais (como se procurasse os acrósticos de Bacon em obras de Shakespeare) e também seus pequenos e cruéis embriões espiando escondidos a vida amorosa de seus pais". Mas, se Nabokov ataca as leituras que se lançam sobre imagens aleatórias para transformá-las em símbolos fálicos e obsessões sexuais, por que Lolita, seu romance mais famoso, retrata a história da paixão de um adulto por uma menina americana de 12 anos de idade? Por que Ada, o romance de sua maturidade, é um conto complicado sobre incesto entre irmão e irmã?

O discurso retórico de Nabokov esconde uma piada mais profunda. A trama de Lolita literalizava o sintagma "do terapeuta infantil", transformando-o em "o estuprador". Humbert Humbert relembra suas próprias deficiências de "estuprador de criança": ele usa uma "mistureba neofreudiana" regurgitada para se impor a ela, no entanto, Lolita parece mais perto da verdade quando ela o ameaça depois do sexo: "Eu deveria chamar a polícia e contar a eles que você me estuprou". Lolita é mais madura que Humbert Humbert. A proximidade perturbadora da psicanálise em Nabokov aparece em suas reiteradas denúncias que soam mais sintomáticas do que acusatórias. No entanto, sua grave ressalva permanece válida: a maior parte da aplicação da psicanálise à literatura tem sido ruim ou de mau gosto.

Aplicar ou não?

Vou citar Pierre Bayard, um escritor francês que também é professor de literatura e psicanalista, que se preocupa com a evolução da crítica literária psicanalítica. Seu livro, Podemos aplicar Literatura à psicanálise? comprova uma crise. Beyard decide inverter a ideia freudiana de "psicanálise aplicada". No que se refere à literatura, ele argumenta que deveríamos reverter o paradigma clássico e aplicar a literatura à psicanálise. O resultado não é paradoxal, pois uma reversão similar já fora antecipada por Jacques Derrida, Paul de Man e Hélène Cixous.

A inversão de Bayard não é totalmente antagônica à de Freud, que recomendava uma estratégia parecida quando listava a literatura como um dos campos que o psicanalista deveria dominar para poder iniciar sua prática. Isso fica bem claro em A questão da análise leiga, texto em que Freud se opõe ao treinamento médico como pré-requisito para psicanalistas, promovendo as ciências humanas: "[...] o currículo analítico incluiria matérias que estão bem distantes da medicina e que o médico nunca requer em sua prática: história da civilização, mitologia, psicologia da religião e literatura. Se não for bem orientado nesses campos do saber, o analista não conseguirá ter entendimento algum sobre a maior parte do material com que trabalha". Freud não está simplesmente aludindo, com o termo Literaturwissenschaft (literatura), ao saber obtido com o contato pessoal com textos. Essa palavra junta a experiência literária pessoal com uma "ciência" da literatura que inclui críticas. A literatura é um componente essencial do treinamento de um analista competente. Freud, cuja maior distinção em vida foi ganhar o prêmio Goethe de literatura em 1936, era extremamente culto. Seus ensaios eram recheados de citações de Goethe, Shakespeare e Heine. Sua biblioteca continha bem mais romances, peças teatrais, livros sobre literatura, mitologia e religião do que tratados sobre assuntos psiquiátricos.

A "ciência da literatura" de Freud inclui interpretação e hermenêutica geral, partindo do campo literário para a sexualidade com sua coleção inesgotável de exemplos, personagens, situações e até mesmo de piadas, irá aperfeiçoar diagnósticos individuais, aprofundar a complexidade dos dramas de vida dos pacientes e, finalmente, olhar para as crônicas imemoriais de deuses, heróis e paradigmas míticos que atestam o impacto dos dramas transgeracionais. Na visão de Freud, literatura não é um símbolo de familiaridade com grandes romances ou um sinal de distinção cultural, pois o termo implica um saber, informa um sentido de pedagogia, e, finalmente, sustenta um treinamento ao fazer a ponte entre os estudos médicos e as ciências humanas. Pode-se dizer que a literatura oferece um modo privilegiado de entrada para a "cultura", termo que combina o envolvimento pessoal com os modos tradicionais de ficção (Bildung) com os valores que definem uma civilização (Kultur).

Nenhum psicanalista pode ignorar os benefícios derivados dessa aquisição.

Seria isso o que Bayard pensa? Ele questiona os métodos que simplesmente aplicam termos psicanalíticos à literatura. Assim como Nabokov, ele critica as suposições da crítica psicanalítica padrão e concorda com o consenso acadêmico de que escolas de crítica psicanalítica estão obsoletas. De fato, se considerarmos as implicações do termo "aplicação", tendo em mente o conceito de risada de Bergson, a ideia de um discurso aplicado não tem um ciclo irônico. Esconde-se um elemento mecânico na noção de alguma coisa que foi mecanicamente aplicada (plaquée = chapeada/banhada, sendo literal) à interpretação literária.

Voltando a excelentes explorações, como o livro de Sarah Kofman ou a noção de Jean-Noël Bellemin sobre inconsciente textual, Bayard destaca que Freud sempre ressaltou a preeminência dos escritores criativos (poetas). Creditou-se a escritores e artistas o terem chegado aos conceitos de Freud antes dele; no entanto, qualquer consciência do processo lhes foi negada. Freud surpreendeu-se com o fato de que conseguiam descobrir a verdade, mas sem o saberem. Escritores e artistas não sabiam o que eles sabiam ou o que faziam quando criavam: precisavam de interpretações psicanalíticas para dar sentido a suas intuições, ao mesmo tempo brilhantes e obscuras. Se essas interpretações dependem da psicobiografia como a que foi praticada por Marie Bonaparte ou Charles Mauron, ou se tentam evitá-la como o fez Bellemin-Noël, quando pressupunha um inconsciente textual não idêntico ao do autor, Bayard permanece igualmente crítico. Ele não poupa Lacan: "Lacan não parece inovar sobre essa questão, alternando textos críticos em que o autor é levado em conta - como em Gide ou Joyce - e textos em que as leituras não são fundadas em qualquer forma privilegiada sobre a vida do autor, como com e Hamlet" (PALP, p. 37). Lacan criticava as leituras biográficas de Poe, condenando a prática da "aplicação de literatura", mas voltou para psicobiografia quando lidou com Gide e Joyce. Em tais casos, de acordo com Bayard, as escolas psicanalíticas, seja psicobiográfica, estruturalista ou textualista, revelam uma crença semelhante na superioridade da psicanálise em relação à literatura.

Todas as interpretações psicanalíticas acreditam em uma hermenêutica de desconfiança, considerada poderosa o suficiente para desvendar significados ocultos nas obras. Uma vez que esses significados são, por definição, inconscientes, o autor não pode controlar nem mesmo saber coisa alguma das forças que fizeram o trabalho acontecer. O problema é que essas leituras produzem somente resultados que estão de acordo com a teoria inicial, mantendo-se na categoria das interpretações teleológicas. Elas funcionam como leituras religiosas: o que encontramos nos textos literários é menos um produto da investigação do que de suas suposições. É como uma repetição que acabou criando tédio, esterilidade teórica.

A fim de evitar isso, a psicanálise tem que aprender a aprender com a literatura, inventar diferentes métodos de leitura, encontrar insights que serão aplicados retroativamente à psicanálise. "Literatura Aplicada" destaca momentos de emergência epistêmica compartilhados pelos leitores. O problema é que essa estratégia irá falhar em convencer os psicanalistas, que se sentirão contestados por ela ou pelos críticos literários, que não têm paciência com a psicanálise. Como para confirmar tais dúvidas, os exemplos que Bayard fornecem não são satisfatórios: no seu habitual cânone: Laclos, Proust, Maupassant, Agatha Christie e Shakespeare, todos mostram que a literatura "pensa" através de problemas psicológicos complexos.

Em função de sua diversidade e potencialidades subversivas, a literatura hoje sinalizaria o desaparecimento da psicanálise como paradigma interpretativo. A chance de sucesso da "literatura aplicada" estaria no reconhecimento do lado paranoico de todos os sistemas críticos, recusando-se a falar em nome de um método. Ao ler literatura, um psicanalista jamais deveria dizer "nós", mas explicar como alguém fala na primeira pessoa. Penso que uma vez que começamos a juntar literatura e psicanálise, não podemos ficar numa paz contemplativa. Não podemos continuar dentro de uma biblioteca empilhada de livros. A fim de promover uma nova inquietude (citando Nancy a respeito de Hegel), ligando teoria literária e prática, precisamos rever o programa de Freud e mostrar que, de fato, sua prática de leitura não pode ser reduzida à "psicanálise aplicada".

Lola e Dora

Podemos aprender sobre literatura e com literatura se focalizarmos em Freud como escritor. Desde muito cedo, Freud já sabia sobre a falta de status científico de seus textos. Em suas anotações detalhadas sobre o tratamento de Elizabeth von R., Freud diz: "[...] ainda me soa estranho que falte um selo científico às histórias dos casos que escrevo, as quais devem ser lidas como contos [...] diagnóstico local e reações elétricas de nada adiantam nos estudos de histeria, enquanto uma descrição detalhada dos processos mentais que geralmente encontramos nos trabalhos dos poetas, permite-me, através do uso de algumas fórmulas psicológicas, obter algum tipo de insightsobre o problema em questão". Isso é ainda mais verdadeiro no caso Dora, um texto de que ele se orgulhava. Freud apresentou esse caso ao seu amigo Fliess nos seguintes termos: "É a coisa mais sutil que já escrevi e desconcertará a todos mais do que o usual". De fato, o que torna esse livro tão singular é o fato de que Freud apresenta somente fragmentos de uma análise, afirmando que seu texto é "um romance baseado em fatos reais" (roman à clef). 

Da vasta literatura sobre Dora, sigo Lacan que discutiu o caso em 1951, em "Intervenção sobre a transferência". As diferenças entre este seminário e o de 1957 refletem o impacto de Lévi-Strauss em seu trabalho.

Em 1951, Lacan enfatizava a observação de Freud para Dora, ao lhe dizer que ela tinha atuado e se envolvido como cúmplice numa comédia de traições. Lacan percebeu uma semelhança entre situação de Dora e a "bela alma" de Hegel. Dora, em sua pureza, denuncia a confusão do lado de fora, permanecendo alegremente indiferente ao seu próprio papel sombrio e a suas contradições óbvias. A "bela alma", por motivos "sentimentais", recusa-se a ver o circuito econômico em que está envolvida, assim, continua a ser alegremente inconsciente das interações sórdidas do comércio nos domínios reais e simbólicos da vida social.

Em janeiro de 1957, Lacan retornou a Dora, acrescentando à dialética conceitos de Hegel retirados da antropologia de Lévi-Strauss. A regra básica de Lévi-Strauss sobre o parentesco e exogamias pode-se resumir assim: "Eu recebi uma esposa e eu possuo uma filha". Tal princípio da troca está na base da economia simbólica da cultura e transforma qualquer mulher em objeto de permuta, o que Dora recusou vigorosamente. Dora não podia aceitar ser excluída como um agente ativo a partir das leis que governam o dom (dádiva). Assim que se viu reduzida à condição de puro objeto, Dora rebelou-se e concluiu (com razão) que seu pai a estava vendendo para encobrir sua paixão extraconjugal.

A escolha de "Dora" como pseudônimo para Ida Bauer foi genial - um verdadeiro dom para a literatura, pois a palavra grega "dōra", no plural, não só significa "presentes", como também "suborno" ou "retenção", "taxa". As conotações legais da palavra insinuam acusações contra aqueles que aceitam suborno. No entanto, se um dom (dádiva) envolve a obrigação de dar algo em troca, que dom não se vai transformar em um suborno? Dora logo percebeu que era um mero objeto de troca, sendo reduzida à função de suborno.

Freud parece bastante insensível às nuances que ficarão claras para os leitores que, como Nabokov sempre insistiu, se tornam "releitores". Releitores psicanalistas transformam-se em detetives. Cabe a nós juntar as características reveladoras e criar uma imagem de Dora. A insistência de Freud em que Dora deve ter amado Sr. K. porque ele lembrava seu pai, era uma premissa de ficção que Nabokov explorou plenamente em Lolita.

Freud insistiu nos sinais eróticos da atração sexual que ligam um homem mais velho casado (Humbertian/Sr. K) a uma ninfeta (Dora/Lolita), não percebendo as características homossexuais na invenção de Dora. Sua falha clínica transformou-se em um triunfo da análise literária e psicológica. Na verdade, o tratamento foi um fracasso, mas serve à grande literatura. Como todos os romances cativantes, o autor admite saber muito pouco. Se o autor era estúpido e errado, nós, os leitores, podemos ficar mais inteligentes, prestando atenção aos detalhes que escaparam. Conseguimos ter discernimento se relermos o texto e, como releitores, ficamos entre os mensageiros oficiais que se deslocam entre o saber e o inconsciente.

Os Embaixadores e o Inconsciente

A literatura nos ensina algo, fazendo-nos desempenhar o papel de um "embaixador" da corte do inconsciente, se tal formulação não soa muito presunçosa. Por isso, vou conectar três imagens: a do consultório de Freud e seu divã, a de uma pintura histórica famosa e a de um romance de Henry James. Estão ligadas em uma superposição visual: assim que se olha para o tapete no divã de Freud e na pintura ao lado dos Embaixadores de Holbein, a semelhança é impressionante.
















O tapete no divã de Freud é quase idêntico ao tapete pintado em uma prateleira coberta com instrumentos científicos na obra Os Embaixadores. Freud certamente viu essa pintura de Holbein na Galeria Nacional, quando visitou Londres ainda jovem. Sabemos que Henry James a viu quando elaborou seu romance intitulado Os Embaixadores. Os objetos alegóricos visíveis entre os dois embaixadores franceses se parecem com as estátuas do consultório de Freud.

A decisão de Freud para combinar um tapete persa exuberante em um sofá diante de uma mesa cheia de fileiras de estátuas antigas obedecia a certas regras. Era como um jogo particular jogado diariamente junto a calculadas interações pedagógicas com seus analisandos. Por um lado, as estátuas evocam a metáfora arqueológica utilizada por Freud para caracterizar a descoberta do inconsciente. Seus objetos raros e coleções cuidadosamente escolhidos incorporam a Antiguidade, apontam para a existência de um passado antigo e parcialmente esquecido, cujos símbolos podem ser entendidos graças à exploração intelectual.

Uma noção diferente é transmitida pelo tapete Qashqai Shekalu. O tapete exótico sinaliza um processo mais feminino; lembra-nos do fato de que, na casa Freud, as mulheres eram hábeis em bordado, crochê, tricô e tecelagem. Ao longo de sua vida, Anna Freud costumava fazer sua própria a roupa à mão. Seu enorme tear de madeira encontra-se no museu Freud. Anna Freud, como seu pai, pensou que a tecelagem era útil e terapêutica.

A imagem de tecelagem sugere algo diferente da escavação. O trabalho de tessitura metafórica no divã fica por conta do paciente a maior parte do tempo, já o psicanalista destece com seu silêncio e com observações pontuais. Isso nos aproxima mais da visão construtivista da interpretação defendida por Freud em ensaios posteriores, como "Construções em psicanálise", a partir de 1937. Freud cita o lema inglês, "cara eu ganho, coroa você perde", para rejeitar a acusação de que interpretações psicanalíticas nunca podem ser refutadas. A operação de Freud lembra a ação de Penélope, que destece durante o dia o que foi tecido durante a noite.

A ideia foi desenvolvida no discurso de agradecimento de Freud pelo prêmio Goethe, no verão de 1930 que foi entregue por Anna Freud, pois o pai encontrava-se doente. Freud inspirou-se no passatempo de sua filha preferida. Para Freud, psicanálise e biografia diferem, pois: "A psicanálise pode fornecer informações que não podem ser alcançadas por outros meios, e pode, assim, demonstrar novos fios de ligação na 'obra-prima do tecelão', espalhando entre os talentos instintivos, as experiências e as obras de um artista". Freud literaliza a imagem de uma fábrica de pensamentos (Gedankenfabrik) no Fausto de Goethe, I, 4. Mephistopheles fala com um aluno sobre ciência e, principalmente de lógica. Diz-lhe: "Na verdade, o tecido do pensamento / É como uma obra-prima da tecelagem".

Freud tinha usado essas falas de Fausto em uma passagem de A Interpretação dos Sonhos, a análise do Sonho da Monografia de Botânica. Lá, o sonho é comparado ao trabalho de tecelão e o significante "botânico", neste caso, funciona como um nó (amarração) em uma tapeçaria. Um sonho funciona como uma fábrica de tecidos: quanto maior o número de pontos de intersecção, mais rico o tecido de pensamentos interligados. Este processo capta a lógica produtiva do trabalho do sonho alegorizado pelo tapete.

A obra Os Embaixadores de Holbein exibe dois cortesãos franceses, Jean de Dinteville e Georges de Selves que se reuniram em Londres na primavera de 1533. Holbein foi o principal pintor da corte na Inglaterra quando pintou o retrato duplo. Jean de Dinteville trouxe a pintura de volta para casa e a pendurou no castelo de Polisy, onde permaneceu por vários séculos.

Esse retrato duplo é familiar aos leitores de Lacan, que o usaram para ilustrar sua teoria do olhar no Seminário XI. Nesse seminário, Lacan analisa e comenta o estranho crânio anamórfico que domina o primeiro plano da pintura inspirando-se no livro de Jurgis Baltrusaitis, Anamorphoses. Holbein tornou visível um emblema tanto da ereção como da castração: o falo aparece em uma tal forma que ele fala diretamente ao nosso olhar. Nosso olhar está preso, capturado nessa "função pulsátil, deslumbrante e dispersa". Lacan generaliza isso dizendo: "Essa imagem é simplesmente o que todo o retrato é, uma armadilha para o olhar. Em qualquer imagem, é justamente ao procurar o olhar em cada um de seus pontos que você o vê desaparecer". O olhar do Outro vem do inconsciente através da sugestão do poder da morte e da castração incorporada no crânio. A pintura de Holbein projeta uma alegoria material da situação psicanalítica.

Na pintura de Holbein, o tapete é um cenário para os instrumentos matemáticos mais precisos do dia, um globo celeste, um mostrador de pastor, dois quadrantes, um pequeno mostrador, um relógio de sol poliédrico e um torquetum. A prateleira de madeira inferior somente com o alaúde, um livro de matemática, um outro globo e o hinário. Acima, o tapete oriental enquadra um diálogo entre a mão esquerda de Jean de Dineville, que se curva para baixo de forma aberta, e a mão direita de Georges de Selve, que agarra suas luvas e segura o casaco. A triangulação de olhares dos dois homens e olhar do Outro convoca o arranjo escolhido por Freud para a situação psicanalítica. Freud sentado em sua poltrona profunda olha em frente a ele, enquanto o analisando, deitado no divã, fala ou está em silêncio. Tudo isso é necessário para materializar o lugar do Outro, em outras palavras, para a abertura do saber inconsciente.

Uma triangulação semelhante ocorre na obra de Henry James, Os Embaixadores. Para compreendê-la, não precisamos colocar Henry James no divã, pois sendo fiel ao próprio Freud, James já tinha entendido o processo por si mesmo. O fato de que ele decidiu que fazer um romance disso mostra que uma pintura já é um texto, pelo menos na medida em que pode gerar inúmeros textos. James tinha visto retrato duplo de Holbein em Londres, enquanto pensava em seu romance. Isso ocorreu quando Freud acabara de publicar A Interpretação dos sonhos e quando Mary F. S. Hervey provou definitivamente que as duas personagens descritas por Holbein eram embaixadores franceses.

Sendo contemporâneos a Freud, vemos como em Os Embaixadores tenta-se explorar o inconsciente através da ficção. Strether, o "herói", é um embaixador desajeitado enviado por uma mãe, que também é sua noiva, na esperança de trazer de volta seu filho Chad que fora seduzido por mulheres europeias. Strether trai sua missão ao se apaixonar completamente por duas vezes, mas sem perceber totalmente: primeiro com a sedutora e brincalhona Senhorita Gostrey, em seguida, com a própria amante de Chade, a bela Madame de Vionnet. O fato de que Strether desconhece seus próprios sentimentos cria um jogo requintado de esconde-esconde com o leitor. O leitor torna-se o psicanalista e adivinha a verdade antes de o herói enfrentá-la, o que acontece apenas perto do fim.

Esse jogo de detecção pressupõe algo como um inconsciente, seja freudiano ou não; a importância dos conceitos manifesta-se pela recorrência do adjetivo "inconsciente", que é repetido seis vezes na novela. A verdade da relação sexual do Chad e Madame de Vionnet é algo que tinha sido óbvio há algum tempo, mas que Strether não poderia enfrentar, preferindo mentir para si mesmo crendo nos equívocos deliberados do casal. Uma indicação de tal revelação surge no início do romance numa conversa entre Strether e Miss Gostrey. Eles discutem as consequências que a viagem de Strether a Paris certamente terá na atitude de Chad:
"Você vê está vendo coisa demais", ele retruca.
"É claro, vejo você aí."
"Bem, então você vê isso aí mais em 'mim!'"
"Mais do que você em si mesmo? Muito provavelmente. Um sempre está certo."
Esse diálogo representa um saber não sabido sobre nós mesmos sendo isso a única coisa que Strether vai adquirir no final. O resultado de sua viagem melancólica o faz perder as ilusões tanto quanto à ideia de ficar rico, casando-se com a senhora Newsome, como quanto à ideia de um amor mútuo, quando se recusa a ficar em Paris com Maria Gostrey, que lhe oferece tudo, menos um casamento. Strether decide voltar para os EUA, para ter uma vida burguesa monótona sem ilusões, pois deseja voltar para morrer.

Tendo falhado como embaixador e tendo sido substituído pelo eficiente Jim Pocock, Strether volta para Woollett. Do mesmo modo que nunca soubemos o nome do objeto misterioso produzido em massa em Woollet (segundo críticos, seria um palito, origem da riqueza dos Newsomes), não conseguimos compreender a razão de sua volta ao lar. James não queria que adivinhássemos o significado do objeto pequeno, pois seu esquema alegórico implicava que a Coisa (o crânio da morte iminente, o memento mori) encontrava uma contrapartida enigmática no objeto parcial, a pequena coisa, que também era o emblema inominável do capitalismo triunfante. A pintura de Holbein e o romance de James têm uma única e mesma estrutura, um espelhamento paralelo de lembranças que vai do objeto parcial à alegoria da morte. A ambientação do romance revive a situação histórica dos Embaixadores de Holbein.

Quais os conceitos necessários para estabelecer uma sólida ponte entre ficção e "vida real"? O que os sonhos e pesadelos nos podem dizer? Podemos fazer perguntas sobre vida e morte? Freud fez isso, o que é bem mais relevante do que em uma velha piada judaica: "Os Schadchen asseguraram ao pretendente que o pai da menina não está mais vivo". Após o noivado, verifica-se que o pai ainda está vivo e cumprindo pena numa prisão. O pretendente em seguida, acusa os Schadchen, que diz: "O que eu lhe disse? Você chama aquilo de vida?" (JU, p. 44). Chamamos isso de "vida"? Será que não sabemos o que significa a vida? O saber adquirido através da conexão da psicanálise com a literatura é reconhecidamente um saber obscuro. A audácia necessária para fazer essas perguntas tem um impacto sobre a forma que a aquisição de qualquer saber irá tomar. Como a literatura, tal saber toca na questão da morte e da escrita, uma escrita que está na base do trabalho do nosso próprio aparelho psíquico.

Tal saber mobiliza uma infinidade de oradores e palavras mortas que são revividos cada vez que lemos um texto. É um saber paradoxal porque é um saber que não sabe, ou pelo menos que não sabe tudo. Não se "aplica" a nada e nem pode ser "aplicado" por ninguém. Em vez disso, desabrocha e desenvolve-se. Uma vez desabrochadas suas imagens, o texto transgride seus limites assim que eles surgem. Se trabalharmos psicanaliticamente com literatura, explorando os espaços mais escuros, vamos aprender a trabalhar com a escuridão e o desconhecido, ou seja, vamos aprender a confiar em nosso inconsciente. Mesmo se mergulharmos mais fundo em "outra" cena abissal, uma voz sem corpo vai dizer-nos que podemos voltar. E ainda voltando mais sábios de nossa viagem de exploração, sempre continuamos a adquirir algum saber e, até, a transformar o processo em um método. Então, nós, os leitores, podemos chamar-nos de embaixadores do inconsciente.


Referências
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Nabokov, V. (1955) Lolita. Alfaguara, 2011.  [ Links ]


IN: Trivium vol.9 no. 2, Rio de Janeiro, jul./dez.2017
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