O MURMÚRIO DAS COISAS
O poema-coisa em Rilke e a soberania perdida do mundo (Para aqueles que ainda sabem escutar o que não é dito) Há momentos na história em que a linguagem se desfaz. Não por excesso de ruído apenas, mas por uma espécie de deslealdade ontológica: ela já não corresponde ao mundo. Os signos multiplicam-se, inflacionam-se, tornam-se máscaras ocas. O mundo, então, recua. As coisas calam. Ou, pior: falam em nossa linguagem, e por isso mesmo perdem a sua. Rainer Maria Rilke compreendeu esse exílio do real com um pressentimento raro. Seus poemas-coisa não são objetos poéticos. São, ao contrário, testemunhos da tentativa de devolver às coisas a sua voz — não uma voz humana, não uma voz lírica, mas um murmúrio denso, impessoal, que sobe da matéria quando o sujeito se cala. Sob o olhar de Rodin — escultor de presenças e não de formas —, Rilke desvia-se do simbolismo para uma poética da escuta. Deixa de usar as palavras como espelhos da alma para fazer delas vasos: recipientes onde o objeto se insta...