domingo, fevereiro 25, 2007

DISCURSIVIDADE



 
" O homem, novo Aquiles perseguindo uma outra tartaruga, está fadado, em razão da captação de seu desejo no mecanismo da linguagem, a essa aproximação infinita e nunca satisfeita, ligada ao próprio mecanismo do desejo, que chamaremos simplesmente de discursividade."
Lacan, Seminário V, 1957-58, p.127

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

A noção de sujeito na Psicanálise

A Noção de Sujeito na Psicanálise Lacaniana

Maria Holthausen

Octavio Paz, logo no início de A dupla chama, diz que “tanto nos sonhos como no ato sexual abraçamos fantasmas. O nosso parceiro tem corpo, rosto e nome, mas a sua realidade, principalmente no momento mais intenso do abraço, dispersa-se em uma cascata de sensações que, por sua vez, se dissipam. Há uma pergunta que se fazem todos os apaixonados e que condensa em si o mistério erótico: ‘Quem é você?” Pergunta sem resposta, Os sentidos são e não são deste mundo”.

Se para Octavio Paz o sentido está no mundo – que compreendemos como realidade discursiva – e fora dele; para Lacan, o sentido se capta por escapar. Nem tudo é dizível, nem tudo pode ser falado. Há algo mais ainda, que insiste além das tentativas da representação simbólica: o sentido é desejo, mas também é gozo. Sempre que falamos, escrevemos ou lemos, intervimos na rede de filiação dos sentidos. No entanto, lembra Orlandi, falamos, escrevemos e lemos com palavras já ditas: “É porque a língua está sujeita ao equívoco, e o saber é um ritual com falas que o sujeito, ao significar, se significa.”


A noção de Sujeito: Descartes a Freud.


Fred constrói o aparelho psíquico através de uma estrutura tripartite: Ide, Ego e Superego. Desde então, o sujeito na teoria psicanalítica não pode ser pensado nem como indivíduo nem como eu. Ao falar do sujeito da psicanálise não é possível remeter-se ao sujeito cartesiano: racional, pensante e consciente.  

Em Descartes, pensar assegura a existência daquele que pensa como coisa (ser) pensante, conferindo-lhe uma identidade a si. O “eu sou” cartesiano vale como a substantificação do eu penso, que se torna uma realidade plenamente presente a si, substancialmente certa. Este é o ponto de dessimetria entre a teoria cartesiana e a teoria freudiana. Em Freud, pensar não equivale a ser, pois sou também onde não penso, e o fato de pensar não me assegura que eu seja. “O sujeito não é um dado, mas uma descontinuidade nos dados”.

O sujeito freudiano não só não é idêntico a si, como se torna sempre outro, na medida em que, para Freud, a representação não é mais o espelho do mundo e o lugar da verdade.

Diferentemente de Descartes, a representação em psicanálise não pode ser definida como imagem especular do mundo, como instrumento de acesso à verdade das coisas, na medida em que a dimensão de uma ordem natural não faz parte do campo psicanalítico. Em Freud, a representação deve ser entendida como uma construção que dá ao mundo e ao próprio sujeito um sentido, colorindo-os com significações diversas sem que nenhuma possa ser apontada como verdadeira.

De Freud à Lacan






Na intenção de sublinhar que o ser do sujeito não é constituído como uma identidade de consistência significante, Lacan caracteriza o discurso sobre o sujeito com o termo “pré-ontológico”. Vai buscar na teoria da linguagem de Saussure uma nova perspectiva para pensar a noção de inconsciente. Para Saussure nós não somos em nenhum sentido, os autores das afirmações que fazemos ou dos significados que expressamos na língua. Nós podemos utilizar a língua para produzir significados apenas nos posicionando no interior das regras da língua e dos sistemas de significado de nossa cultura. A língua é um sistema social e não um sistema individual. Ela preexiste a nós. Falar uma língua não significa apenas expressar nossos pensamentos mais interiores e originais; significa também ativar a imensa gama de significados que já estão embutidos em nossa língua e em nossos sistemas culturais.


As palavras são multimoduladas, nos ensina Derrida, elas sempre carregam ecos de outros significados que elas colocam em movimento, apesar de nossos melhores esforços para cerrar o significado. Nossas afirmações são baseadas em proposições e premissas das quais nós não temos consciência. Tudo o que dizemos tem um antes e um depois, uma margem na qual outras pessoas podem escrever. O significado é inerentemente instável: ele procura o fechamento (a identidade), mas é constantemente perturbado pela diferença. Existem sempre significados suplementares sobre os quais não temos qualquer controle, que surgirão e subverterão nossas tentativas para criar mundos fixos e estáveis.

Partindo das noções da linguística Lacan vai apontar para a lógica que separa o sujeito do enunciado e o sujeito da enunciação. O “eu” num enunciado qualquer, apenas representa o sujeito que o enuncia, mas esta representação não reflete aquele que fala, antes é sua produção. Entre o eu do enunciado e o sujeito da enunciação a distância é grande e até, mesmo, intransponível, pois nenhum enunciado pode esgotar o ato da enunciação.

O sujeito do enunciado e o da enunciação não se recobrem: eis a divisão que marca o sujeito da psicanálise, na qual o eu deve ser pensado como uma objetivação imaginária construída a partir da relação especular a um outro. O que o eu manifesta é tão somente a imagem do outro à qual me identifico e na qual me reconheço, e que, por isso mesmo é o lugar de minha alienação.

O eu é uma imagem (significante imaginário) à qual me identifico e na qual me reconheço, mas que nada revela sobre o que sou, na medida em que, entre o que eu penso e o que eu sou, há uma hiância fundamental que permite que eu possa ser, a todo instante outro.

No enunciado: Eu vou ao cinema. O “eu” desse enunciado é o representante do sujeito no discurso, e, mais precisamente, um representante invocado pelo sujeito no ato mesmo de sua enunciação. Na enunciação trata-se do locutor enquanto considerado como uma entidade subjetiva e como lugar e agente da produção dos enunciados.

Uma vez que o sujeito advém pela linguagem é no próprio ato da articulação significante, isto é, na enunciação, que ele advém. No entanto, este sujeito tão logo advém pela linguagem, se perde nela a verdade de seu ser, por não estar aí senão representado. Ao mesmo tempo, quanto à verdade do sujeito, ela só advém naquilo por intermédio do qual o próprio sujeito advém, isto é, na articulação da linguagem, em sua enunciação.

Assim, apoiado na teoria do signo de Saussure, Lacan apresentará sua leitura do inconsciente, que será definido como uma cadeia significante sempre aberta a novas articulações, produzindo novos sentidos. Para Saussure o significante não é um elemento substancial, mas diferencial, portanto só pode ser definido por suas diferenças e não por propriedades ou atributos intrínsecos. Na medida em que se define por oposição, não se pode pensar em significante isolado, mas sempre num mínimo de dois.

Desse modo, S1 – S2 é a escritura elementar da cadeia significante, o mínimo admissível. Mas estes dois significantes não são equivalentes, não são idênticos e nem podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo.

S1 é o primeiro significante representativo da singularidade do sujeito. S1 funda a cadeia significante, mas ao mesmo tempo está fora dela. Sabemos que S1 implica necessariamente S2, que S1 só pode ser cogitado a partir de S2, que a ele se articula e lhe confere sentido. Mas S1 e S2 são diferentes por excelência de modo que S2 não é capaz de representar S1 integralmente. Assim, se S1 representa o sujeito, não há outro significante que possa lhe conferir uma identidade. E mais, S1 apenas representa o sujeito, não se confunde com ele. O sujeito é diferente do significante que o representa.

Mesmo representado por um significante, o sujeito não se confunde com ele: o sujeito não é o significante que o representa, pois este significante apenas reenvia a outros significantes. Ou seja, dizer que o sujeito é efeito do significante não implica que este significante revele algo sobre o que o sujeito é; ele apenas o representa na cadeia. Desse modo, o sujeito é dividido, pois onde é representado, ele não é, e onde é não é representado.

O sujeito aparece na cadeia significante quando nela se produzem dissimetrias, descontinuidades. O tropeço, a fenda, a descontinuidade. Foi com eles que Freud se deparou no discurso de seus analisantes: através dos sonhos, dos atos falhos, dos chistes e dos sintomas.

No Seminário XI Lacan propõe duas operações de constituição do sujeito: Alienação e Separação. A partir dessas duas operações, Lacan determina as duas faltas constitutivas do sujeito.

A entrada da criança na ordem simbólica produz o sujeito, mas, ao mesmo tempo, opera uma propriedade fundamental da subjetividade que é a alienação do sujeito na e pela linguagem. Por isso, ao definir a operação de alienação Lacan aponta para a necessidade dos conceitos do sujeito e do Outro. Define, então, o Outro como “o lugar em que se situa a cadeia significante que comanda tudo o que vai poder presentificar-se do sujeito”.

Assim, liga o Outro e o sujeito de um modo que “constitui, claramente, uma alienação: o sujeito como tal só pode ser conhecido no lugar ou locus do Outro. Não há meio de se definir um sujeito como consciência de si”.

Isso significa que é no campo do Outro que o sujeito se constitui, efeito da ação da linguagem sobre o infante. O sujeito nasce, portanto, numa relação de dependência significante com o lugar do Outro. Sempre que um significante representa um sujeito para outro significante, a alienação se produz.

A alienação, primeira operação essencial em que se funda o sujeito, será mostrada por Lacan através de um gráfico. Esse gráfico apresenta dois conjuntos: o conjunto do Outro e o conjunto do ser – este último transformado em sujeito pelo Outro. Ou seja, não é simplesmente um ser, é um ser transformado pela linguagem.

Constrói-se nessa operação a primeira falta constituinte do sujeito. Ela se relaciona com o fato de que o sujeito não pode ser inteiramente representado no Outro; sempre há um resto. “A relação do sujeito com o seu próprio discurso sustenta-se, portanto, em um efeito singular: o sujeito só está ali presentificado ao preço de mostrar-se ausente em seu ser”. A divisão do sujeito operada pela ordem significante instaura a alienação do sujeito na e pela linguagem. É nesta relação que o sujeito experimenta o seu caráter radicalmente “inessencial”.

O sujeito petrificado pelo significante – e não presentificado – é um sujeito que não faz qualquer pergunta. É o sujeito do cogito, o sujeito da certeza, na medida em que o sujeito do pensamento significa autoconsciência e mestria.

No entanto, segundo Lacan, é necessária uma segunda operação, a separação, para que se consuma a causação do sujeito. A separação responde à inscrição do desejo do Outro na falta que há no intervalo significante. Portanto, uma falta que está tanto dentro do campo do sujeito quanto dentro do campo do Outro. O sujeito irá operar com sua própria falta, resultante da primeira operação – a alienação -, para responder à falta no Outro. É nessa operação que Lacan introduzirá o objeto pequeno a, através do qual o sujeito poderá fazer-se objeto do desejo do Outro.

Na interseção entre o sujeito e o Outro há uma falta, uma lacuna. Essa falta no Outro, Lacan denomina-a desejo. O desejo aparece na falta devido a uma impossibilidade: a impossibilidade de dizer o que se quer. A presença do desejo em si é a presença de algo que falta na fala: o inapreensível, o invisível, o impossível de se escrever. 


Referências Bibliográficas
COLETTE, Soler, O Sujeito e o OutroII, in: Para ler o Seminário 11 de Lacan, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1997.
DERRIDA, Jacques, A Escritura e a Diferença, São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002
DOR, Joël, Introdução à leitura de Lacan – O inconsciente Estruturado como Linguagem, Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
LACAN, Jacques, Seminário, Livro XI – os quatros conceitos fundamentais da psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1990.
ORLANDI, Eni, Análise de Discurso – Princípios e Procedimentos, Campinas, SP: Pontes, 2003.
PAZ, Octavio, A Dupla Chama – amor e erotismo, São Paulo: Siciliano, 1994.




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