quarta-feira, agosto 08, 2018

PSICANÁLISE E LITERATURA










GRUPO DE LEITURA







Reunião: 27/08/2018 (Segunda Feira)
Local: SALA DO NIM - CFH - Bloco D - UFSC 
Horário: 16H00 às 18H00 - (sempre na última segunda feira do mês)

Textos: 
Felicidade Conjugal - Liev Tolstói
A morte de Ivan Ilitch - Liev Tolstói

Sabemos que a influência da literatura na obra de Freud, se realiza em mão dupla. Algumas vezes, as referências literárias em seus textos tomam forma de ilustração. Outra vezes, são fontes de conhecimento privilegiado do inconsciente, juntamente com os discursos fornecidos por seus analisantes na clínica. 

Por uma via ou por outra, a literatura sempre foi utilizada por Freud com seriedade, paixão e profundo conhecimento de causa.  Essa  "lealdade" à literatura será apresentada em vários momentos de seu trabalho. Um deles, podemos encontrar no início de Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen, quando  assevera:  "os poetas e romancistas detêm o conhecimento da alma, são nossos mestres, pois beberam em fontes que nós, homens comuns, ainda não tornamos acessíveis à ciência.” 

O parentesco entre o sonho, o mito e a literatura irá sendo tecido a medida que a trama teórica psicanalítica vai se desenvolvendo. E, nesse movimento, a psicanálise se inscreve um pouco mais no campo da criação literária que no da pesquisa científica.  Como aponta Tania Rivera (2005), não é a toa que Freud recebe em 1930 o prêmio Goethe da cidade de Frankfurt pelo valor científico e literário de sua obra. Quando confessa sua surpresa com o fato de seus estudos de caso poderem ser lidos como romances. Por mais que, a princípio, tenha sido seduzido pela luzes da ciência, a matéria de que se trata no campo da psicanálise o compeliu a se fazer poeta. 

Se Freud tivesse ficado tributário de um modelo neuropsicológico, lembra Roudinesco (2000),  jamais ele poderia ter podido atualizar os grandes mitos da literatura para construir uma teoria dos comportamentos humanos. Dito de outra maneira, sem a reinterpretação freudiana das narrativas fundadoras, Édipo só seria um personagem de ficção e não um modelo universal do funcionamento psíquico: não haveria nem complexo de Édipo, nem organização edipiana da família ocidental. 

Se a literatura e a psicanálise tem em comum o desejo de explorar o caráter insustentável da experiência humana.  O escritor criativo e o psicanalista bebem da mesma fonte e trabalham com o mesmo objeto, sendo que a diferença é o método que utilizam, conforme adverte-nos Freud.

Animados pela proposição freudiana, nosso trabalho, neste semestre, será uma inspiradora caminhada pelas veredas da literatura. Ainda influenciados pelas discussões do semestre passado, quando a figura de Anna Kariênina foi objeto de estudo do Curso de Extensão "Qual é sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa? - um olhar sobre Anna Kariênina de Tolstói”,   continuaremos a pensar e questionar a psicanálise com este autor Russo. Para tanto, duas novelas do autor serão nosso foco de atenção neste primeiro encontro.

Em A felicidade Conjugal, publicado no ano de 1859 e fugindo às temáticas normalmente abordadas pelo autor, a paixão é colocada em causa. Tolstói desdobra a paixão em todas as suas fases: encantamento, consolidação, confirmação, rotina e declínio. 

A história começa no inverno, na casa de campo, depois da morte da mãe que aconteceu no outono. Embaladas pelo sentimento de melancolia e vazio,  três jovens mulheres se recolhem para viver o luto e receber os amigos da família. 

Da paixão triste do luto, vivida no inverno rigoroso da Russia do século XIX, vamos acompanhando, numa narrativa em primeira pessoa, os caminhos que levam Mária a descoberta do amor.  Sob os signos do amor  a subjetividade feminina vai sendo forjada passo a passo. Re-trilhar esses passos é nossa convocação de trabalho.

A segunda novela,  A morte de Ivan Ilicht, foi escrita em 1886, quando Tolstói tinha quase sessenta anos. O tema da morte, tão apreciado pela literatura daquele século, nos convoca a pensar sobre a vida, escancarando a dimensão temporal do ser.  

A novela inicia com a chegada da notícia da morte do Juiz Ivan Ilicht, entre seus colegas de trabalho. Após as primeiras sete ou oito páginas, o narrador ressuscita, por assim dizer, o personagem. Enquanto Ivan repassa sua vida, verifica que a culminação de sua felicidade foi a conquista de um excelente cargo bem remunerado no serviço público. Logo depois  de ser confirmado no cargo, aluga um caro apartamento para sua família. 

No afã de deixar o apartamento pronto antes da chegada da mulher e da filha, cai de uma escadinha ao pregar uma cortina. Na queda ferirá fatalmente o rim esquerdo. Meu diagnóstico, assim como o de Nabokov (2014), é que o tombo revelou um câncer do rim. Mas, como lembra Nabokov, Tolstói detestava os médicos e a medicina em geral. Essa aversão parece ter influenciado o narrador, pois os médicos não conseguem chegar a um diagnóstico, sugerindo diversas possibilidades: rim flutuante, doença do estômago e até apendicite. 

A morte é um tema espinhoso na cultura ocidental contemporânea. Dela pouco queremos saber e, menos ainda, falar. Tolstói nos convoca a pensar sobre ela. 


Referências Bibliográficas
Nabokov, Vladimir, Lições de literatura russa, São Paulo: Três Estrelas, 2014.
Freud, Sigmund, Delirios e Sonhos na “Gradiva” de Jensen, Vol. IX , Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Imago, 1980.
Rivera, Tania, Guimarães Rosa e a Psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005
Roudinesco, Elisabeth, Por que a Psicanálise?, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000




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