domingo, fevereiro 17, 2019

DO GOZO FEMININO





O êxtase de Santa Tereza D'Avila



FRAGMENTO NÃOTODO

Sérgio de Campos

No que tange ao gozo feminino, é possível afirmar que nele há algo de extravio, por não seguir a lógica fálica. Esse extravio é resultado de um gozo nãotodo que se revela para ambos, homem e mulher, como opaco, difuso e enigmático. Apesar de a mulher senti-lo, pouco ou nada pode esclarecer sobre ele. Não há nada nele de transmissível ou compartilhável.

Esse gozo está relacionado exclusivamente ao amor. Porém, por ser sem limites e difuso, não tem necessariamente conexão com o ato sexual, já que está contido de maneira variada nas diversas modalidades de gozo na mulher.

Com uma mulher, o homem se prepara para cantar o amor ou a guerra. Com efeito, a guerra que a mulher evoca não é fruto da inveja do pênis ou do desejo insatisfeito, mas o fato de ser a hora da verdade do homem. Portanto, como suporte dessa verdade, ele prefere enfrentar qualquer inimigo a uma mulher. Os mais prudentes aconselham que não se deve brigar com gente que usa saias: padre, juiz e mulher. Se o poder dos dois primeiros é oriundo das insígnias fálicas, o da mulher emana do gozo nãotodo. Esse gozo louco, escandaloso, sem referências simbólicas que possam capturá-lo ou circunscrevê-lo, é algo que amedronta os homens e se torna, para alguns precavidos, sinal do desejo advertido ou do desejo impedido na neurose obsessiva. Las mujeres alteradas nas vinhetas de Maitena, cartunista argentina, são uma tentativa de ilustrar o desvario do gozo feminino e o consequente temor que afeta os homens.

Ademais, levada sua análise a termo, diante dos impasses com o feminino o sujeito desvenda que o novo amor não é um novo objeto de amor, mas, sim, uma nova maneira de amar, que inclui o enigma do impossível de se compreender uma mulher como mote do desejo, pois a mulher é como a lua: hoje, clara; amanhã, escura. Com efeito, o enigma se torna a condição de desejo, objeto a, de “minha mulher” como “fulana”. Essa descoberta articula o amor e o desejo que, a partir de então, são denominados de amoresejo, a Liebe do sujeito — Liebe, palavra alemã que recobre ao mesmo tempo o desejo e o amor. Antes, o sujeito tinha a “minha mulher” como posse desinteressante e a Outra mulher “fulana” como busca fugidia. Agora, o sujeito consente que la donna è móbile qual piúma al vento, muta d’accento e de pensiero.

No amor se inventa, e essa é a condição exigida como suplência da não relação sexual. Conciliar o desejo, o amor e a pulsão em relação a uma mulher não é tarefa fácil, como evoca Ovídio: “Não posso viver sem ti, nem contigo”. Entretanto, não é uma missão impossível. O enlace do amor ao desejo mediante a pulsão é obra do encontro, visto que esses elementos, reunidos ou disjuntos, mesclados ou puros, transitórios ou duradouros, se amarram segundo a loucura de cada um.


In:  Mulheres de Hoje - Figuras do Feminino no Discurso Analítico
  Org. Marcela Antelo

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