terça-feira, maio 14, 2013

AMOR, SIGNIFICANTE E GOZO



O Amor e o Super-Eu na Contemporaneidade


O que é o amor para o super-eu na lógica da vida amorosa dos dias atuais?

Partamos da afirmação de J.-A. Miller no texto, Extimidade (1) – “...há uma solidariedade entre o amor e o gozo”.

Ao dizer que “...só o amor consente ao gozo condescender ao desejo”(2), Lacan nos permite deduzir que a relação entre amor e gozo não deve ser pensada exclusivamente como uma relação de oposição, mas que existem pontos de aproximação entre o amor e o gozo que devemos observar, uma vez que, na experiência analítica ambos se expressam como uma demanda e no nível da contingência.

Sabemos com Lacan que nenhum dizer escapa à parcialidade da pulsão sexual. A linguagem despedaça as pulsões tornando-as sempre parciais. O objeto da pulsão é assexuado, o que quer dizer que a sexualidade do falasser não está ligada à diferença anatômica dos sexos sobre a qual o inconsciente nada sabe, o inconsciente é mudo.

Enquanto as pulsões parciais ignoram a diferença dos sexos, no inconsciente, essa diferença é significantizada e reduzida à dialética do ser ou ter o falo. O Édipo freudiano põe uma questão: como pode um homem amar sexualmente uma mulher?

E do lado mulher? Freud responde com a famosa pergunta: “o que é uma mulher”? Porque sabe que o Édipo freudiano faz o homem, mas não faz a mulher, Lacan tentou responder a questão de Freud com a lógica do não-todo. Se o final de análise diz respeito à lógica do não-todo, como o modo de gozo do homem e da mulher se aproximam e como estão separados? São dessas questões que vamos tentar nos aproximar nesse trabalho.

Lacan constrói as fórmulas da sexuação no Seminário 20 (3) para circunscrever o modo de gozo próprio a cada sexo. Apresenta a sexuação do falasser submetida a duas lógicas diferentes: do lado masculino, a lógica organizada pelo signifi cante do gozo, cuja presença/ausência nos remete a castração. A lógica fálica é responsável pela organização de um modo de gozo fi nito e contável – o gozo fálico, que permite fazer conjunto sob a fórmula de que todo x é castrado. E, do lado mulher, a lógica do não--todo, a lógica do feminino, onde falta um significante que possa circunscrever o gozo e que resulta no gozo-excesso, no gozo que tende ao infinito – o gozo suplementar.

Desse modo, o estatuto da mulher, em oposição ao estatuto fálico, é o estatuto do não-toda, fora do universal que poderia escrever o conjunto das mulheres. Assim, A mulher não se escreve, formulado no axioma de Lacan – “A mulher não existe”, contudo, existe A/ mulher. Quer dizer, o feminino não forma um conjunto, pois não se tem o critério que estabelece que todo x é castrado. No feminino, temos o não-todo – nem todo x está submetido à castração – do lado da mulher e que pode ser alcançado pelo homem, no final de análise.

Com essas duas modalidades de gozo Lacan tenta dar conta, respectivamente, do amor fetichista do homem e do amor erotomaníaco da mulher. Essas formas de gozo indicam o que um sexo irá procurar no Outro – o modo de relação com o objeto.

No fantasma fetichista do homem – $ ◊ a – o gozo se objetifica, aparece sem relação ao Outro, na imagem de um objeto inerte e opaco, um objeto mudo que permite copular sem falar, enquanto que o objeto erotomaníaco do fantasma feminino, é um objeto que toma a forma do Outro que fala, porque para a mulher, é imprescindível falar para amar e amar para desejar – falar é dar o que não se tem, é dar amor.

A partir desse binarismo da sexuação, Miller vai dizer que “...a mulher é um sintoma para o homem e o homem é uma devastação para a mulher(4).

O sintoma é passível de ser identificado e decifrado, enquanto o sintoma da devastação como retorno da demanda de amor, como a outra face do amor, leva ao sem limite, ao infinito, porque está articulada à inconsistência do Outro – S(A/). A ausência do significante fálico, da qual padece o feminino, aparece e torna evidente a demanda por um significante do campo do Outro que possa nomear o seu ser de gozo. A armadilha do amor erotomaníaco se desvela, quando de arrebatada e deslumbrada com a condição de amada e única, a mulher passa a resto abandonado. Aí, é quando, ao retornar a posição de sujeito, o amor tornar-se o ódio.

 A clínica com o feminino demonstra que o movimento em direção ao infinito, próprio ao gozo suplementar, pode facilmente adquirir o estatuto de um imperativo super-egóico mortífero que arrebata o sujeito e do qual ele não mais detém o controle. E, quando o sujeito consente e se entrega a este impulso da pulsão de morte, pode arruinar a sua própria existência.

Assim sendo, podemos dizer que a devastação é o outro nome do que diz Lacan: “amo em ti algo mais do que tu – o objeto a minúsculo, Eu te mutilo(5).

A ESCRITA, O ESCRITO E O GOZO
J.- A. Miller no texto “Uma conversa sobre o amor(6), comenta que na vida amorosa há o vínculo do gozo com o Outro do significante, com o Outro do amor e o vínculo com o gozo como tal, com o gozo da Coisa.

Lacan ao falar do valor da “Carta de Almor(7), demonstra que na escrita, o amor está constituído no nível em que o gozo se articula com o Outro do significante. Lacan situa a carta de amor do lado feminino da sexuação, porque representa uma exigência de que o objeto seja um Outro que fale. A carta de amor é uma escrita a partir da ausência do objeto de desejo, movida pela nostalgia do objeto perdido, porém, não sem esperança de recuperá-lo.

A carta de amor é uma escrita onde, ao ler, vamos encontrar, no olhar, a demanda do sujeito pelo desejo do Outro e, na voz, a demanda do Outro pelo desejo do sujeito. Portanto, tanto o olhar quanto a voz como objetos do desejo, estão presentes na carta escrita do lado da demanda, já que o desejo comporta, desde sempre, a falta do objeto perdido, daí a impossibilidade de se alcançar a satisfação plena.

Isto é, a carta de amor alcança apenas o gozo pulsional. E, na medida em que a pulsão é sem objeto, o sujeito fica apenas com a carta escrita, extraindo satisfação da ausência do objeto amado.

Do lado feminino, na falta de um significante fálico que possa circunscrever e organizar o gozo, podemos supor que a escrita de uma carta de amor, pode servir ao sujeito para se defender do gozo desenfreado e excessivo do super-eu, mesmo que nela, o sentido sobre o seu ser esteja ausente.

A escrita permite distinguir o gozo da demanda infinita ao Outro, gozo do sentido, do gozo do escrito no significante, do gozo sem-sentido, do gozo da letra, do gozo do Um sozinho, sem o Outro – gozo de das Ding.

No escrito a letra é comutada a objeto de gozo, sem Outro. No escrito o gozo é silencioso, independe da demanda, não se espera mais que a demanda seja atendida. Trata-se de saber fazer com o gozo na ausência do amado.

 O sujeito suposto saber demonstra que ao falar em análise, a voz ilumina o escuro do que “já estava escrito”, no ato de ler e se fazer escutar, pacificando a relação do falasser com a voracidade do super-eu.

 Enfim, escrever é a via possível de apreender o que a palavra não alcança, apreender o escrito na palavra e poder ser artífice do seu próprio bem-estar.

NOTAS
1 Miller, J.-A - Conferência de 19 de fevereiro de 1986, em Paris. (Separata)
 2 Lacan, J. – “Kant com Sade”. In Escritos. Jorge Zahar Ed, p. 776
3 Idem – “Letra de uma Carta de Almor”. In O Seminário, livro 20: mais,ainda. Jorge Zahar Ed,  p. 105
4 Miller, J.-A – “O osso de uma análise”. Biblioteca – agente, p. 114. Salvador-Ba, 1998
5 Lacan, J. – O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Jorge Zahar Ed, p. 249
6 Miller, J.-A – “Uma conversa sobre o amor”. Opção lacaniana On line. Julho de 2010
7 Lacan, J. – “Letra de uma Carta de Almor”. In O Seminário, livro 20: mais,ainda. Jorge Zahar Ed, p. 105.

Texto de: Reinaldo Pamponet
FONTE: Gente – Revista de Psicanálise

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