"Filósofos são Produtores de Conceitos"
"Filósofos são produtores de conceitos",
diz Peter Sloterdijk
Peter Sloterdijk é um dos filósofos mais conhecidos da
atualidade, também ativo como autor de livros e artigos para conceituados jornais e revistas alemães. Ao lado do colega Rüdiger
Safranski, ele apresenta na TV o programa Das
Philosophische Quartett (O
quarteto filosófico), onde dá ao público acesso a temas filosóficos, e filosofa
sobre assuntos que movimentam a opinião pública.
Há dez anos ele é reitor da Escola Superior de Design, em
Karlsruhe. Entre os docentes da instituição encontram-se não apenas designers e
artistas de novas mídias, como também filósofos e sociólogos. Ainda assim, Sloterdijk classifica como marginal o papel da
filosofia no século atual.
Em entrevista à Gaby Reucher
ele fala sobre a função do filósofo em nossa época de reviravolta social.
- O senhor tem um programa de televisão, Das Philosophische
Quartett, e cada vez mais somos confrontados com a filosofia nos cadernos
culturais dos jornais e no rádio. Por que essa área do conhecimento anda
novamente tão solicitada?
Não sei se concordo com este seu diagnóstico. Se você pensar no
tempo em que autores como Albert Camus ou
Jean-Paul Sartre estavam
vivos e no ápice da sua produtividade – digamos, nas décadas de 1950 e 1960 –
nessa época, pode-se afirmar que a filosofia desempenhava uma função oficial.
No momento ela me parece muito, muito marginalizada. Temos um sistema artístico
que floresce com força. Temos uma cena cultural jovem que tomou dimensões
gigantescas, uma cena de cultura de massa. Na minha percepção, a filosofia só
representa aqui um papel decorativo, à margem. É claro que vez por outra se
convidam filósofos, mas geralmente só dentro de uma rubrica como
"extra" ou "o olhar de fora".
Assim o senhor está apagando o
próprio brilho. A tarefa do filósofo, hoje, não é outra? Ele não mais é o
escrivão introvertido, que fica meditando de si para consigo, mas sim alguém
como o senhor, que vai até o público e é percebido através de suas opiniões
sobre política e engenharia genética.
Isso está correto. Mas eu procuro descrever a situação
como ela seria, se eu não existisse. No momento, sou a ave rara desse bosque,
que assume posições totalmente atípicas. Se observar todo o resto do bosque, a
senhora vai ter que constatar que não há muito mais acontecendo. Nos últimos 20
anos, nós – Rüdiger
Safranski e eu –
fundamos em solo alemão um novo tipo de filósofo não acadêmico, literário. Mas
excluindo nós dois: o que resta, então? Temos um punhado de publicistas que
oferecem um pouco de filosofia e, no geral, temos uma filosofia acadêmica. Meio
de mau humor, ela vai tocando o seu trabalho, mas justamente sem conseguir
completar a ponte para com os questionamentos gerais. Este é o verdadeiro
estado de coisas.
Então o que o filósofo de
nossos tempos precisa saber fazer?
Acredito que só faz sentido praticar filosofia hoje reavivando a
tradição sofista de poder participar de qualquer debate. Quer dizer,
precisaríamos de mais formação retórica, precisaríamos reunir nos seres humanos
muito mais conhecimento geral de vida, de política, de ciência, de arte.
Precisamos voltar a atrair filósofos que sejam decatletas da disciplina
teórica.
O senhor também poderia ser
conselheiro num tempo de desencanto político, de esgotamento religioso?
Tudo isso abre uma palheta muito ampla de novas competências.
Acho que o espectro das opções profissionais nunca foi tão grande para os
filósofos quanto hoje. Eles podem fazer quase tudo, desde consultoria de
gerenciamento até dirigir um banco.
Mas esse filósofo também
precisa saber desenvolver ideias, ou não?
Ele não faz outra coisa. Filósofos
são produtores de conceitos, é esse o seu ofício. Eles vivem numa oficina onde
se leva adiante o desenvolvimento de concepções que já existem. E essa é a
relação interna com a atividade de designer. Pois design jamais significa
inventar algo do zero, mas sim repensar mais uma vez objetos já existentes
radicalmente – a partir das moléculas, por assim dizer –, de modo que sua
aparência possa se transformar de novo. Embora o princípio da utilização, como
tal, pareça ter chegado ao grau definitivo de desenvolvimento.
Aparentemente, a maioria dos conceitos num vocabulário genérico
já existe há muito. Mas olhando-se um conceito de perto e o reprocessando, é
possível dar seguimento à sua construção. Esse tipo de trabalho tem que estar
sendo sempre recomeçado. Por isso, vivemos na era do design e do trabalho
conceitual: a permanente reinvenção do mundo, partindo do princípio de que ele
já existe e ainda assim não basta. De modo que sempre temos uma razão para
começar tudo de novo.
Hoje em dia talvez seja necessário
achar conceitos e palavras totalmente novos. No momento ocorre muita coisa no
mundo – catástrofes como a de Fukushima – que se pensava ser totalmente
impossível. Aí geralmente faltam conceitos e palavras.
De início faltam conceitos no sentido
em que tudo que é avassalador tira a fala. As catástrofes netunianas vindas do
mar, as catástrofes vulcânicas vindas das entranhas da terra: são coisas que
desde sempre nos deixaram mudos. Nesse sentido, todo trabalho cultural é um
trabalho pós-catastrófico. Há 5 mil anos os seres humanos tentam superar o que
aconteceu na época do dilúvio, nessas grandes catástrofes da Idade do Bronze.
Todo o processo civilizatório é uma elaboração de cesuras catastróficas. E
quando nada acontece durante um tempo mais longo, cria-se essa espécie de calma
ilusória da qual estamos sendo convidados a acordar, no momento. Neste sentido,
tem-se que dizer que vivemos numa época boa, pois ela contribui muito para o
imperativo do despertar.
FONTE: Site Deutsche Welle, 11-05-2011
Comentários
Visitarei mais vezes... Dá uma passadinha lá no meu! rs
Abraço
Oi Flávia,
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