quarta-feira, abril 08, 2020

O PERIGO DE UMA HISTÓRIA ÚNICA: Literatura e Artes Plásticas











O Perigo de Uma História Única 

De: Chimamanda Ngozi Adichie


A autora nasceu e cresceu na Nigéria, passou sua infância no Campus universitário no leste da Nigéria.
Cresceu lendo contos infantis de autores britânicos e americanos, obras que influenciaram suas impressões de literatura, e quando jovem sua escrita os imitavam.
Quando começou a ter contato com autores africanos disponíveis, sua visão sobre a literatura mudou. 
Buscou seu lugar na literatura onde meninas como ela também existiam. Demostrando quão vulneráveis somos diante de uma história única, especialmente durante a infância. Mas, além disso, o perigo de uma história única, estão presentes em todos os lugares que passamos, julgando as pessoas, da qual só vemos sua condição do momento, e como ela mesma ressaltou em relação ao Fide, assim como muitos outros pré-conceitos que surgem de imediato sem ao menos procurar entender os motivos ou causas daquilo que parece ser. 
Nascida numa família nigeriana de classe média, com pai professor universitário e mãe administradora, possuíam empregados domésticos que vinham dos vilarejos próximos. Ao mencionar sua relação com o menino Fide, lembra que a pobreza era a sua história única sobre eles. 


Quando foi fazer faculdade nos USA, vivenciou esta situação frequentemente. As imagens do Continente Africano divulgada pela mídia reforçaram a ideia de um lugar de guerras e de misérias. Sua colega de quarto tinha uma história única da África, uma história catastrófica. E nesta história, não havia possibilidade de os países africanos terem um desenvolvimento histórico diferente dos estereótipos ocidentais midiáticos, muito menos pensar a África como um continente repleto de nações diferentes com suas especificidades. Pois, antes de Chimamanda ir para os USA, ela mesma não se reconhecia conscientemente como africana.  
Essa situação também se repete sobre seu trabalho literário, quando o orientador não entendeu como “autêntico africano”, uma vez que os personagens mais pareciam americanos de classe média. Foi quando a autora se dá conta que ela mesma não se reconhecia como africana.
A “história única” é fonte de visões estereotipadas e de como é difícil reconhecer que somos semelhantes ao invés de diferentes. 
Acrescentou que quando foi ao México, percebeu que tinha estado mergulhada na cobertura da mídia sobre os mexicanos e que eles na sua mente eram o “imigrante abjeto”. Percebeu que é assim que se cria uma história única, mostrando um povo como uma coisa só, sem parar, assim o povo se torna.
Não se pode falar de história únicasem falar de poder.  Isto porque o poder é a habilidade não apenas de contar a história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja definitiva. 
O poeta palestino Mourid Barghoutidiz que, “se você quiser espoliar um povo, a maneira mais simples é contar a história dele e comece com em segundo lugar”. Isso se repete com os indígenas americanos, o fracasso do Estado Africano, e não pela criação colonial do Estado Africano.    
As narrativas ficcionais de Chimamanda encantam e, partindo de sua experiência pessoal, revela-se uma excelente pensadora do mundo contemporâneo, tecendo pontes profundas entre culturas. Enfrentou o desafio de olhar para o outro e tentar compreendê-lo, para além dos pré-conceitos. Além de tudo, ensina que os povos ou indivíduos são complexos e formados de múltiplos perfis e condições, revelando assim a dificuldade para compreendermos o diverso.
Acrescentaria que, sendo uma ativista do feminismo, Chimamanda, jamais vitimou-se, mas sublimou ou canalizou sua energia para a atividade literária, com muito êxito.
No seu Pescoço(2017) 
A História é sobre uma jovem que deixa a terra natal para morar nos USA. Muito cedo vivenciou a experiência de ser estrangeira. Em outro conto é o relato de uma estudante de medicina que vai com a irmã ao mercado local e é surpreendida por uma rebelião e sem a irmã, se vê confinada com uma senhora mulçumana. Mas uma vez, se confronta com o outro diferente. Nas doze narrativas, que compõe o conto, versam sobre preconceito racial, conflitos religiosos e familiares. Seu objetivo é partindo do individual chegar ao universal.
Para Educar Crianças Feministas(2017) 
Trata-se de um manifesto com 15 proposições de como criar filhos dentro de uma perspectiva feminina. Propondo oferecer uma educação igualitária independente do sexo das crianças. Novamente parte da experiência pessoal tendo como alvo o universal.
Sejamos Todos Feministas (2015)     
Lembra quando a chamaram de feminista pela primeira vez e que não era um elogio e todo o significado negativo associado ao nome. Deste modo, ela decide se intitular de feminista feliz e africana, que não odeia os homens e que adora usar saltos altos e batom. Postula que a igualdade diz respeito às mulheres e aos homens e que é libertadora.   
Americanah(2014) 
Trata-se de um conto de dois jovens apaixonados, num momento em que a Nigéria enfrenta um regime militar. Buscando oportunidades alternativas a jovem foi estudar nos USA e enfrenta as dificuldades da vida de uma imigrante, mulher e negra. O jovem pretende encontrar-se com a amada, mas o evento de 11 de Setembro o impede. Trata de uma história de amor, resistência, crítica social quanto ao gênero, oportunizando introduzir temas prementes e universais permanentes.    
Hibisco Roxo(2011) 
Novamente o romance mistura autobiografia e ficção, descrevendo um panorama social e político da Nigéria atua. A história versa sobre uma jovem exposta à intolerância religiosa e o lado obscuro da sociedade nigeriana.
Meio Sol Amarelo(2008) 
Filha de família rica, rejeita participar do jogo de poder que o pai lhe reservara. Parte para a universidade local para compartilhar com seu amante os ideais revolucionários. Sua irmã assume seu destino. Gêmeas não idênticas, elas representam os dois lados da nação dividida. Além de tudo, a narrativa concentra-se nas perspectivas do namorado, o jornalista britânico e do garoto que trabalha como criado.  Ainda retrata o drama das pessoas forçadas a tomar decisões definitivas sobre o amor e reponsabilidades, passado e presente, nação e família, lealdade e traição.
A perspectiva de arte e cultura
Numa perspectiva histórica, cabe falar das Teorias Racistas dos séculos VIII, XIX e XX, com elas o narcisismo Europeu face os outros povos. Alegando uma Missão Civilizatória, o homem branco europeu, sentiu-se a vontade para praticar as mais variadas arbitrariedades etnocêntricas, sob o manto do cientificismo, tais como a eugenia, frenologia(busca o conhecimento do carácter da pessoa pelos traços fisionômicos), fisiognomonia(análise do caráter e funções intelectuais humanas, com base na conformação de crânio), evolucionismo (com o sujeito atávico: menos desenvolvido na escala evolutiva, estado submetidos ao estado selvagem), etc.
Vale lembrar que, a independência das nações africanas, foram determinas pelos interesses das elites europeias, sem ao menos consultarem ou convidarem os patriotas ou cidadãos africanos a opinarem sobre os seus destinos. Foi um ato de extrema arrogância e prepotência.
Na contramão do pensamento colonialismo reinante na Europa, os artistas europeus do século XX, que descobrem na arte africana, como um caminho para a criação da Arte Moderna, tal como o Cubismoe outros movimentos.
Em 1915, em plena Guerra, Negerplastik, de Carl Einstein(1885 – 1940), foi uma das correntes constitutivasda arte do século XX a modernidade e o primitivismo. Negerplastik foi uma descoberta plástica e não etnográfica.
Carl Einsteinfoi o verdadeiro descobridor da Arte Africana, o primeiro teórico ocidental a analisa-la no plano formal com um olhar livre de todo preconceito, de todo etnocentrismo, e lhe confere um estatuto de arte de pleno direito. Com uma audaciosa e inovadora abordagem, contribuiu para modificar a recepção ocidental das obras de arte africanas, sugerindo simultaneamente a problemática da gênese da arte moderna.
Em suas primeiras estadas em Paris entre 1905 a 1907, travou conhecimento com alguns cubistas, do qual detinha grande admiração.
Publicou em 1926, A Arte do Século XX, em Berlim, considerado uma suma da arte moderna, lúcida e definitiva, reeditada em 1928, outra m 1931, aumentada e enriquecida pelos surrealistas como, André Breton, Joan Miró, George-Henri Rivière, Michel Leiris e colabora com a revista Documents. Dá a revista um tom germânico, e abriu espaço à etnologia alemãdesconhecida na França.
Desde suas primeiras estadas em Paris, a revolução cubistarevelada pelas obras de Georges Braque, Pablo Picasso e Juan Gris, determinou sua adesão imediata na busca da formulação do espaço, à estruturação clara do quadro, aos tons telúricos dos cubistas espanhóis, diversos dos coloridos expressionistas alemães.
Mais tarde apaixona-se por Joan Miróe ajudará concretamente em sua carreira.
Chegaram na Europa no início do século XX, abundantes trabalhos e publicações sobre a arte africana, trazidos por exploradores, militares, comerciantes, missionários e grandes viajantes da África subsaariana.Mercadores diversos, depois butiques, foram abertos com a finalidade de oferecer aos colecionadores particulares uma seleção heteróclita. Os grandes países colonizadores, como França, Bélgica, Inglaterra e a Alemanha, constituíam coleções e propunham em seus museus etnográficosespécimes de uma arte que provocava a atenção dos jovens artistas em Paris, Tervuren, Desdren, Munique ou Berlim. Em primeiro lugar os jovens pintores fauvesAndré Derain, Henri Matisse, depois os cubistas Pablo Picasso e Georges Breque, tinham descoberto com fascinação as estátuas e máscaras da arte dita negra, tribal ou primitiva. Grande parte destes jovens buscavam expressões e técnicas novas e Einstein ligado às vanguardas, sentiu essa aproximação da arte africana.
A interpretação etnográficaconduziu a erros de classificação, principalmente o que concerne à função religiosa da arte negra, confundindo estátua e fetiche. Ora, a estátua que representa uma divindade não é aos olhos dos africanos a própria divindade.
Negerplastik é uma abordagem intelectual de um conjunto da arte africana e das pesquisas plásticas dos artistas parisienses amigos de Einstein. 
Alguns problemas que se colocavam à arte moderna provocaram uma aproximação da arte dos povos africanos, conciliando com clareza o problema preciso do espaço e uma própria maneira de criação artística.
A visão do espaço em três dimensões, os africanos realizam, chegando à síntese do sentido e da forma. A frontalidadeacumula tudo sobre o primeiro plano como uma solução plástica, cuja função tridimensional é de integração frontal. Os objetos pictóricos estão postados para serem vistos de frente. A arte dita primitivada forma deve ser considerada apreensão pictórica do volume, porque a tridimensionalidadeestá concentrada em alguns planos que reduzem o volume, enfatizam assim as partes mais próximas do espectador, ordenadas na superfície, e as partes posteriores são modulações na superfície. As motivações são reiteradas posicionadas de frente. (o contrário da escultura tridimensional da arte europeia)
Assim, a arte africanaé o protótipo das soluções possíveis para os problemas que os artistas parisiensescolocavam. Essa arte prodigiosa de intensidade transmite uma visão plástica pura do espaçoe dá o equivalente do movimento, preenchendo idealmente a missão da esculturaque é a de formar uma equação que absorva totalmente as sensações naturalistas do movimento e, portanto, da massa, e que transponha numa ordem formal sua sucessão e diversidade. Uma vez acabada, a obra de arte negrase impõe como alguma coisa de independente, de absoluto e de fechado.
Nos artigos redigidos para revista Documents(1929-1930), Carl Einsteintoma emprestado o método da etnologia para aplicá-los ao estudo da arte moderna, fazendo recair o olho do etnógrafosobre as obras dos artistas surrealistas como André Masson, Joan Miró, Jean/Hans Arp,lançando audaciosas pontes entre etnologia e história da arte. Desde suas primeiras publicações acende uma luz sobre as relações estreitas e recorrentes entre as artes primitivas e a criação moderna.
Einsteincoloca em evidência a realizações das vanguardas e Paul Klee, a irrupção do irracional e dos processos alucinatórios,o retorno às camadas arcaicas da psique, os numerosos empréstimos aos primitivos como o totemismo, a metamorfose, as práticas mânticase outros processos.
Não é de surpreender ver um exemplar de Nigerplastikfigurar na biblioteca de Freude ficar sabendo que no Brasil, a obra de Carlnos anos 1920 é introduzida por Osório Cesar, psiquiatra do Hospital Psiquiátrico do Juqueri, autor de várias publicações sobre a arte dos alienados. Em Paris,Carl Einstein desenvolveu relações intensas e duradoras com o introdutor da psicanálise na França, Dr. René Allendy, personalidade ligada ao mundo das vanguardas, fundador na Sorbonne do Grupo de estudos filosóficos e científicos para o exame das novas tendências. (1922-1935)
Einsteinteve acesso ao campo germânico de pensamentosobre o problema da forma. Como defensor da formacontribuiu com clareza nos campos da arte e da crítica. Em sua obra ecoam filiações de pensamentos de Wölflin. Hildebrand, Lessing, Alöis Riehl,e pode ainda ser articulada a autores como Georg Lukács, Walter Benjamin, Arnold Hauser, Giulio Carlo Argan, Brian Holmese outros.   
Nomes como dos principais teóricos do racismo no Ocidente:
 Carlos Lineu (século XVII);
Arthur de Gobineau (século XIX); 
Franz Josef Gall (século XX , teórico alemão da frenologia);
Charles Darwin (séculos XIX,  pai do evolucionismo);
Francis Galton (século XIX- pai da eugenia);
Cesare Lombroso (século XIX- pai da Antropologia Criminal a partir de traços físicos e mentais);
Alfred Rosenberg (século XX- um dos pais da “solução final”), etc..

Texto apresentado no Grupo de Leitura por Ligia Czesnat - (Professora Mestre aposentada do Departamento de História da UFSC)

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