A ARTE DE LER O QUE SE VÊ: UM PASSEIO COM MANGUEL





"As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens e alegorias. Ou talvez sejam apenas presenças vazias que completamos com o nosso desejo, experiência, questionamento e remorso. Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos."




A leitura sempre foi percebida como um gesto silencioso, fechado sobre as páginas de um livro. Mas Alberto Manguel nos lembra que esse gesto não pertence apenas às palavras. Ele diz: as imagens também se leem. Não como se lê uma legenda de jornal, mas como se lê um sonho. É preciso escutar seus silêncios, aceitar que a pintura se dirija a nós sem nunca se deixar decifrar por completo.

Ao abrir Lendo Imagens, não entramos numa história da arte. Entramos numa sala cheia de quadros que nos olham. Giotto, Caravaggio, Picasso, entre tantos outros. O que fazer diante deles? A maior parte dos visitantes passa rápido, como se as pinturas fossem apenas cenários de um museu. Manguel, ao contrário, se demora. Ele fixa o olhar e pergunta: o que este detalhe me diz? Que memória secreta vibra nesta cor? Ler uma imagem, diz ele, é, antes de tudo, suportar o desconforto do tempo que ela exige. 

O texto do escritor argentino, nos obriga a compreender que não existe olhar inocente. Quando olhamos, carregamos conosco nossa época, nossos preconceitos, nossos desejos. Não vemos apenas a obra: vemos a nós mesmos refletidos nela. E esse reflexo nem sempre é confortável. Talvez seja por isso que Manguel fala em “história de amor e ódio”: amar uma pintura é também odiar a imagem de nós que ela nos devolve.

Manguel escreve como quem conversa com um amigo, não como professor que organiza datas ou estilos. Ele não quer ensinar a “história da arte”; quer nos mostrar como ler com os olhos. Ler aqui é mais do que decifrar — é hospedar em nós o enigma que nunca se resolve.

A cada página, percebemos que o olhar tem sua própria gramática. Linhas e sombras são como palavras; silêncios e vazios são como reticências. A pintura fala, mas sua língua não é feita de letras. O leitor — ou melhor, o espectador-leitor — precisa inventar uma tradução a cada instante.

Talvez possamos afirmar que Lendo Imagens não é um livro sobre arte, mas sobre a atenção, o tempo e o olhar. Um livro que mostra a possibilidade de ver o mundo como se fosse um texto escrito para nós, ainda que em língua estrangeira. E, ainda, sobre o gesto humilde de aceitar que toda imagem nos excede, que nunca a possuímos por completo. Ler, então, torna-se sinônimo de acolher — acolher o artista, o tempo, e também a parte de nós que só desperta quando olhamos.

É isto que Manguel nos propõe: transformar o olhar em pensamento, pois só pensamos quando olhamos de verdade.


Maria Holthausen


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