FREUD: O EXÍLIO, O SONHO E O LEGADO DO INCONSCIENTE




Sigmund Freud: vida, obra e herança do criador da psicanálise


No dia 23 de setembro de 1939, em Londres, morreu Sigmund Freud. Doente, exilado, enfraquecido pela longa batalha contra um câncer na mandíbula, Freud morreu sob a sombra da guerra que já tomava a Europa. Mas o destino singular de sua vida e obra havia se consolidado: nada seria igual depois da invenção da psicanálise.

Freud nasceu em 1856, em Freiberg, na Morávia — então parte do Império Austro-Húngaro, hoje território da República Tcheca. Descendente de uma família judia, cresceu em Viena, cidade onde viveria a maior parte de sua vida. Esse pertencimento judaico, em uma Europa atravessada pelo antissemitismo, nunca deixou de marcar seu percurso. Freud não era religioso, mas carregava em sua herança cultural e, na condição de cidadão do não-lugar, forjou um traço fundamental de sua sensibilidade crítica.

Estudioso brilhante, iniciou-se na medicina e na neurologia, pesquisando sobre o sistema nervoso e trabalhando com pacientes portadores de histeria e sintomas até então incompreendidos pela ciência médica. Foi aí que começou a ruptura que mudaria o destino da psicologia e da cultura.

A invenção da psicanálise

Ao lado de Josef Breuer, Freud explorou os efeitos da fala no tratamento das histéricas. A partir dessa experiência nasceu a ideia de que os sintomas não são apenas falhas fisiológicas, mas formações de compromisso, carregadas de sentido. Em 1900, sobre as primeiras luzes do século XX, com a publicação do livro, A interpretação dos sonhos, inaugura um novo saber sobre a subjetividade.

A psicanálise não foi apenas uma teoria, mas também uma prática clínica apoiada na escuta do inconsciente e de suas formações: sonhos, lapsos, chistes e sintoma. O inconsciente freudiano mostrou que não somos senhores em nossa própria casa: há em nós desejos recalcados, forças inconscientes, conflitos que escapam ao controle da consciência.

Sua obra não se restringe ao campo clínico. Ele pensou e escreveu sobre a cultura, a arte, a religião, a política. Em O mal-estar na civilização (1930), descreveu o preço pago pela humanidade em troca da vida coletiva: a renúncia às pulsões em prol da segurança e da ordem social. Essa renúncia, porém, gera insatisfação e hostilidade, que se voltam tanto contra o outro quanto contra si mesmo.

Exílio e morte

Nos anos 1930, a ascensão do nazismo trouxe o terror para a comunidade judaica vienense. Em 1938, após a anexação da Áustria pelo Reich, Freud, já debilitado pela doença, foi obrigado a fugir. Com ajuda de amigos e admiradores, conseguiu sair de Viena rumo a Londres. Sua irmã permaneceu na Austria e morreria mais tarde em um campo de concentração.

Em Londres, Freud viveu seus últimos meses em relativa tranquilidade, embora com dores atrozes decorrentes do câncer. Faleceu em 1939, aos 83 anos.

Freud deixou como herança a psicanálise: teoria, clínica e ética. Mais que um conjunto de conceitos, a psicanálise é uma experiência que transforma a maneira de entender o sujeito humano. Ele não apenas fundou uma disciplina; ele abriu um campo de investigação que permanece vivo, atravessando gerações e dialogando com filosofia, literatura, arte e política.

A trajetória de Freud evidencia que, mesmo em meio às maiores adversidades — a perseguição antissemita, a doença, o exílio —, sua obra conseguiu erguer-se e alterar profundamente a compreensão que temos de nós mesmos.


Maria Holthausen
 

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