quinta-feira, outubro 14, 2010

Das singularidas

Ataco a tela branca de 1.80 x 1.40 centímetros. Escolho os maiores pincéis para aderir à maior quantidade de tinta. As tintas, não sei como as escolho. Pego todas as cores e as coloco sobre a mesa, junto com as cumbucas de água e um pano velho para limpeza do pincel.

A primeira pincelada é a melhor. Pode ter qualquer tamanho, direção e cor. Não importa, até porque este é o primeiro quadro e pode ter muitas cores diferentes: primárias, secundárias, cinzas sempiternos, que se relacionam, e, por vezes, têm vontade própria.

Os primeiros gestos são feitos de pinceladas mais calmas, sem pretensão e preocupação. São apenas gestos que desenham e colorem a tela.

Em algum momento as pinceladas deixam de ser calmas. Começo o ataque à tela. Os gestos ficam velozes; o traço, a cor e a forma dão vida à tela. E eu desapareço. Depois, me recomponho. Muito cansada fisicamente, percebo a tela exageradamente colorida, com movimento e traços pulsantes. Acabo, então, a primeira etapa do processo de trabalho.

Em outro dia recomeço a pintura, desconstruo os traços anteriores e dou início à morte da primeira tela. Nesta segunda etapa, traços, gestos, pinceladas e cores são pensados cuidadosamente. Todos os excessos são reduzidos, até chegar a um tom monocromático de cor rebaixada e forma orgânica.

Talvez isso ocorra porque eu não queira ser reconhecida pelo meu traço. Ou, talvez, porque este tipo de imagem (excesso de traços e cores) me parece datado. Ou, simplesmente, porque esse é o processo que desenvolvi para construir a imagem que me importa.

A terceira e última etapa do trabalho é feita em vários dias. Determino quais as cores sobreviverão para fazer as manchas sobre a tela.

O meu desejo é construir uma imagem forte e intimista, construída de manchas sobrepostas e que pareça “acaso controlado”.

Acredito que as imagens sejam construídas, antes, no meu pensamento plástico, que não sei de onde vem ou em que lugar se encontra.

Sei que é exigente, dá trabalho e sabe aonde quer chegar, porque tem que ter o frescor do novo, exigência da contemporaneidade.

Tem que ter cor que pulsa, porque tem que ter vida.

Tem que ter forma que serpenteia e causa impacto, ou forma sem informe que cause estranhamento. E, tem que ter muitas outras coisas.

Resumindo, o que eu quero é fazer pintura e que esta seja sincera. Para tanto, pesquiso e desenvolvo o meu processo de trabalho, tendo como referência a história da arte, principalmente a pintura contemporânea.

Este enfrentamento não é fácil, oscila entre o prazer e a angústia, a dúvida e a certeza. No entanto, mobiliza, dá sentido, produz trabalho, pensamento, discussão, cria novos mundos em telas e anuncia algumas mortes.

Expliquei, acima, o processo de pintar “manchas”, uma das fases do meu trabalho de artista plástica, que implica pintar muitas telas em uma, de diferentes maneiras, humores e técnicas. Novos desafios plásticos virão e diferentes maneiras criativas de enfrentá-los. Este é o meu desejo como artista plástica.

Sandra Silva Cavallazzi - 2010-10-03
Artista Plástica

4 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto. Rodrigo

Myrine Vlavianos disse...

Sandra, texto claro e vibrante (razão e emoção) sobre o processo de trabalho do artista. parabéns. Myrine

Unknown disse...

Sandra.
Conciso, enxuto ; ajuste perfeito entre o que vc fala e o que faz .
Gostei. Glaucia

Unknown disse...

Sandra é socióloga e vale lembrar Walter benjamin e seu novo paradigma estético.
Benjamin (1892-1940) pensa nao só por meio de imagens, mas com a criação de imagens.
A imagem na obra dele é integrante de um processo de construç~so de linhas de pensamento, com implicação no campo da linguagem e da arte: fotografia, cinema.
Ele buscava outras referências além do modelo científico de argumentação sistemática da filosofia tradicional. Talvea daí o interesse de Sandra pela produção artística.

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