Finnegans Wake de James Joyce
Dirce
Waltrick do Amarante lança guia de leitura sobre James Joyce
Esse
trabalho não é novo, mas vale a pena conhecer.
Ieda Magri, Jornal do
Brasil
Para
ler Finnegans Wake de James Joyce, de Dirce Waltrick do
Amarante, é uma entrada nos bastidores da elaboração do último livro do
escritor irlandês, uma espécie de guia de leitura bastante sofisticado, já que
não se furta de comentar os muitos estudos feitos por pesquisadores do mundo
inteiro sobre este romance considerado de difícil leitura, e ainda uma ousada
investida na tradução de um de seus capítulos, o
oitavo, intitulado Anna Livia Plurabelle .
Desse
modo, pode-se pensar nele como uma enorme ficha de leitura que acompanha esta
obra de James Joyce, já traduzida no Brasil, primeiro por Augusto e Haroldo de
Campos, e depois por Donald Schüller, esta em versão integral.
As
duas traduções brasileiras são amplamente citadas e recomendadas pela autora,
cujo esforço mais visível e digno de nota é oferecer tanto ao leitor
interessado apenas em conhecer a
obra de Joyce, como a estudiosos do livro, a mais ampla gama de informações
pertinentes à leitura. Numa época em que o Finnegans Wake é preterido mesmo nos
cursos de letras pela sua dificuldade de leitura, o esforço é louvável e
certamente contribui com os estudos de literatura dentro e fora das
universidades. Dirce Waltrick do Amarante é professora e certamente conhece a
contribuição que pode dar um roteiro de abordagem de uma obra desse porte.
Mantendo
as citações do Finnegans Wake na língua original e fazendo a tradução
para o português, o livro permite a tradução também do leitor que quiser se
aventurar nos jogos de linguagem propostos por Joyce. É interessante perceber
as opções da tradutora para as palavras-valises, os trocadilhos, as paródias e,
principalmente, para as combinações de palavras de línguas diferentes. Uma
leitura da mesma passagem
do Finnegans Wake, traduzida por Dirce Waltrick do Amarante, por Augusto
e Haroldo de Campos e por Donaldo Schüller, dá uma ideia das opções de cada um
no que diz respeito à participação do tradutor na versão do texto original.
Certamente o conceito usado por Augusto e Haroldo de Campos é mais pertinente
para o caso: a tradução do Finnegans Wake é, na verdade, sempre uma
transcriação.
Vejamos
o original de James Joyce: Who? Anna Livia? Ay, Anna Livia. Do you know she was
calling bakvandets sals from all around, nyumba noo, chamba choo, to go in till
him, her herring cheef, and tickle the pontiff aisy-oisy? She was? Gota pot!
Yssel that the limmat? As El Negro winced when He wonced in La Plate .
Agora
vejamos a versão de Augusto e Haroldo de Campos: Quem? Anna Livia? Sim, Anna
Livia. Sabe que ela transandou com tudo quanto é salso, nyumba nu, chamba chu,
pra ir atrás dele, seu patrão patrusco, e tiltirar o sumo patífice no
betsiboca? Ela foi? Yssel é o finn! Você limmata! Como El Negro piscou quando
pescou em La Plata .
A
versão de Donaldo Schüller para o mesmo trecho: Anna Livia? Ai, Anna Livia.
Sabes que ela chamava garotas dos arredores à casa úmida, ao esconderijo, para
visitá-lo, Salso para seu Arenque-chefe, excitar o pontífice, Toc-an-tins,
Toc-em-mins. Foi ela? Deus do léu! N Yssel a não chegou ao limite? Como quando
El Negro dormiu com La Plata .
E,
por fim, a de Dirce Waltrick do Amarante: Quem? Anna Livia? Ah, Anna Livia.
Sabias que ela estava chamando backseatantes gilrotas de toda parte, nyumba
noo, chamba choo, para ir até ele, seu comandante transgressor, e excitar o
pontífice daqui-dali? Estava? Deudossel é o cúmulo! Assim como El Negro recuou
quando ele triunfou em La Plata.
O
fragmento escolhido como exemplo é justamente o que cita os rios brasileiro e
argentino e serve como amostra do que pretendeu Joyce: Centenas de rios
percorrem o texto. Creio que se move.
Dirce
Waltrick do Amarante nos dá informações interessantes sobre as primeiras
traduções do livro, das quais Joyce participa e orienta. O capítulo 8, por
exemplo, foi traduzido pela primeira vez em 1931, para o francês, por uma
equipe constituída por Samuel Beckett, Eugene Jolas, Paul Léon, Alfred Perron,
Ivan Goll, Adrienne Mounier e Phillipe Soupault.
O
método utilizado é interessante. Depois de feita uma primeira tradução por
Samuel Beckett, mais dois professores fizeram a revisão e só então ela foi
submetida a Joyce que, todas as quintas-feiras, se reunia com a equipe para ler
em voz alta as duas versões: Às duas horas e meia da tarde, o senhor Joyce
chegava e começávamos imediatamente a trabalhar. Instalávamo-nos em torno de
uma grande mesa redonda. O senhor Joyce numa poltrona fumava Maryland. O senhor
Léon lia o texto em inglês e eu [Phillipe Soupault] seguia com a versão
francesa revista. Paul Léon destacava uma frase do texto em inglês, eu lia a
tradução da frase e nós discutíamos. Repelíamos, de acordo com o senhor Joyce,
aquilo que nos parecia contrário ao ritmo, ao sentido, à metamorfose das
palavras e tentávamos de nossa parte propor uma tradução. Essas sessões duravam
três horas.
Sendo
um texto plurilíngue foi escrito numa mescla de palavras em 65 idiomas
diferentes é comum a afirmação, segundo Dirce Waltrick do Amarante, de que o
tema do Finnegans Wake era pretexto, e que o verdadeiro leitmotiv da obra
de Joyce era a linguagem.
A
autora dedica uma parte de seu livro para comentar as implicações políticas da
experimentação linguística de Joyce, afirmando, de acordo com outros
pesquisadores, como Phillipe Sollers, a dimensão política do Finnegans Wake,
que em sua criatividade e crítica inclui a questão da identidade irlandesa,
dentro de uma concepção
universal da história . Para Dirce, parece que Joyce quis despertar do pesadelo
da história irlandesa (para usar a expressão de Stephen Dedalus no livro Ulisses)
através da destruição/reinvenção da linguagem do vencedor.
Assim,
também a proposição de traduzir Anna Livia Plurabelle contém em si mesma um ato
político, qual seja o de trazer a público a primeira versão feminina do texto
de Joyce, já que todas as versões citadas em Para ler Finnegans Wake de James
Joyce são assinadas por homens. Creio, porém, que a apresentação assinada por
Aurora Fornoni Bernardini, na orelha, força a mão na recomendação do livro por
esse viés, afirmando ter este trabalho contribuído para uma visão de Joyce como
um aliado do feminismo. À exceção do posfácio, da própria autora, o livro não
busca no Finnegans Wake, nem em James Joyce, um aliado do feminismo, senão dar
ao leitor algumas chaves de leitura para que conheça as técnicas usadas por
Joyce na composição da obra.
A
tradução de Anna Livia Plurabelle é, portanto, iluminada pelo conhecimento do
contexto de produção e publicação da obra, das traduções já feitas e das
técnicas de criação do texto, o que faz com que o leitor procure abordá-lo de
diversas maneiras: pelo som do rio Liffey, pelo jogo de encontrar os inúmeros
nomes de rios que Joyce cifrou no texto, pela montagem de palavras com radicais
de diversos idiomas, pelo modo de falar das duas lavadeiras que estão em cena,
pelo tema, ou seja, pelo que falam a respeito de Anna Livia Plurabelle. A
possibilidade de confrontar a tradução de Dirce com o original de Joyce garante
uma riqueza a mais que, por sua vez, permite conferir as técnicas antes
descritas.
Assim
como a equipe que primeiro traduziu Anna Livia Plurabelle , Dirce Waltrick do
Amarante também realizou leituras com falantes nativos do inglês e do português
antes de firmar a versão final do texto. Uma em Cambridge, com a professora de
literatura e língua inglesa Joanna Parker, e outra no Brasil, com o auxílio do
poeta e professor de literatura da UFSC, Sérgio Medeiros.
Fonte: Jornal do Brasil, 02/11/2011.
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