terça-feira, maio 22, 2012

Luto e perplexidade


Aprendemos que tudo tem razão de ser - e aí vem a tragédia do menino de 10 anos que se matou

Luto e perplexidade

Artigo publicado no Estadão – Caderno Aliás - 25 de setembro de 2011
JORGE FORBES




Escrevo o que ninguém quer ler nem ouvir falar: não existe nenhuma fórmula, nenhum procedimento ou protocolo que tenha capacidade de prever uma atrocidade como a de um menino de 10 anos roubar o revólver do pai; esconder a arma, quando perguntado pelo próprio pai; atirar na sua professora; e em seguida se matar.

É esperado que sejamos nestes próximos dias bombardeados com detalhes da vida desse menino: suas leituras, amizades, humores, ascendência familiar, credos, hábitos, notas escolares, desenhos, bilhetes eletrônicos, tiques, sexualidade, estranhezas. Tudo é bom, tudo serve, para a tentativa desesperada de estabelecer um nexo causal. Somos filhos do Iluminismo. Aprendemos desde pequenos que tudo tem uma razão de ser e, se não compreendemos, a falha não está no saber - pois o saber é sem falha -, mas no raciocínio imperfeito.

A sociedade ainda não suporta constatar que a pós-modernidade nos fez órfãos do Iluminismo porque isso é desesperador. E agora que a festa do "tudo é explicável" acabou? Como suportar não saber se aquele garoto um pouco arredio não é o próximo assassino de si mesmo ou de alguém? Se insistirmos em causalidades forçadas, vamos criar uma sociedade irrespirável. Afinal, qual de nós não tem a sua esquisitice? Já se fala que a professora teria notado um comportamento diferente no menino e não lhe teriam dado atenção. Já se fala que o pai deveria ter prevenido a direção da escola sobre o desaparecimento da arma. Como é fácil ser profeta do passado! Duro é constatar que estamos em uma época na qual esses crimes inusitados são um dos tipos de manifestação.

Há poucos dias, a presidente, em nosso nome, disse na abertura da Assembleia-Geral da ONU: "O desafio colocado pela crise é substituir teorias defasadas, de um mundo velho, por novas formulações para um mundo novo". Está correto e é válido para além da crise econômica: vivemos nos amparando nas teorias defasadas de um mundo velho, sim. Quem duvida que uma das interpretações que mais vai se fazer é a de que o menino se identificou com o pai policial? Ou que, ao contrário, para provocar o pai, teve um comportamento de bandido? Ou, pior, que por ódio ao pai se matou com seu instrumento?

Estamos desbussolados. Os sintomas de nossa inaptidão para viver neste novo mundo estão sendo tragicamente anunciados. Ontem, foi o moço da Noruega; hoje, o garoto brasileiro. Tão distantes e tão perto. Quando tudo parecia tão bem, tão perfeito: bom filho, boas notas, ia à igreja e até tocava bateria... ocorre o acidente, o fato inusitado, que nos deixa pasmados, ignorantes de nossa condição humana.

Urge, assembleia-geral de uma nova época, urge que abandonemos nosso conforto iluminista do tudo tem sua razão: essa luz ficou fraca, está nos deixando na sombra e liberando monstruosidades. A psicanálise tem novas contribuições para o momento atual. Não se trata mais do Freud explica, mas do Freud implica. O Freud explica é do tempo da revelação do saber escondido, fora da consciência, no inconsciente. O Freud implica é de agora, da constatação de que, de uma sociedade da razão, fomos a um novo tipo de laço social: o ressoar, "tá ligado?". Essa é a pergunta dessa geração que está aí, a geração mutante. Seus membros não perguntam se o que ele disse você entendeu, mas se lhe tocou, se você pode fazer alguma coisa com o que ele falou, não a mesma coisa feita por ele, mas algo marcado, atravessado por sua singularidade, necessariamente diferente da dele, daí o "tá ligado?".

O que se teme é que então estaríamos caminhando para uma esbórnia geral de comportamentos individualistas. Falsa conclusão de nossas mentes viciadas na segurança da razão padronizada. A sociedade do ressoar exige um duplo movimento de cada um: invenção e responsabilidade. Invenção, pois quando falta o caminho pré-estabelecido há que se inventar um. E responsabilidade, pois se deve inscrever no mundo a sua invenção, motivo pelo qual o medo do individualismo não se sustenta.

Para isso, uma guinada de 180 graus nos é exigida. A educação, sem dúvida, é um dos principais setores dessa mudança que já tarda. Em vez de medicalizar o aluno supostamente inadequado à escola, como tem sido feito nos últimos anos, amparados abusivamente no diagnóstico de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), melhor questionar a escola; não essa ou aquela, mas a instituição escolar, se ela está preparada para uma sociedade viral, das redes horizontais, da criatividade responsável. Na medida em que pudermos habitar esse novo mundo com uma nova bússola, na medida em que ampliarmos a legitimação das singularidades, seremos menos surpreendidos. Estamos atrasados.

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