terça-feira, setembro 11, 2007

Fragmentos: Objeto "a" na experiência analítica


fragmento...


O estado atual da civilização se descreve como individualismo de massa ou hedonismo conformista de massa. Alguns se lamentam das conseqüências que isto acarreta para o laço social e sua fragilização. Não podemos estar de acordo com esta queixa que aponta para as desordens que produzem a ascensão ao zênite da época do fantasma, do gozo. O objeto a aparece mais claramente, enquanto que antes estava velado. O que se denunciava desde antes da segunda guerra mundial como tirania do narcisismo é agora, a época do desvelamento do objeto tirano. Não se queixar das conseqüências que podemos ler nos sintomas que afetam os laços sociais é a indicação dada por Jacques-Alain Millar por ocasião do Congresso da AMP, em Comandatuba, em 2004. Um psicanalista não pode admitir este termo hedonismo contemporâneo, pois o hedonismo é um sonho. Este suporia uma medida possível das relações do sujeito e de seu gozo. Os limites desta relação podem se situar em duas vertentes. A primeira é a do amor, que prefere o nada à satisfação.

A outra vertente do limite do assim chamado hedonismo é o gozo mais além do princípio do prazer, que indica o horizonte da pulsão de morte.

Adições e laço social

A mobilização geral que produz o capitalismo global, nunca visto na história, produz um efeito que vai muito mais além da cantilena do hedonismo e da felicidade. Atualiza um "mais de gozar" que não pode cessar de produzir seus efeitos em duas vertentes: pulsão de morte e restauração de um amor pelo pai morto.

De um lado, o fundamentalismo religioso e do outro, o capitalismo "narco". Estas duas vertentes podem se reunir quando nos inteiramos que os Talibãs se financiam com o cultivo de amapola e a exportação do ópio, da mesma maneira que a guerrilha colombiana se financia com a coca. Há um estudo muito interessante que mostra que, à medida que a queda dos ideais transforma as guerrilhas em um discurso absolutamente vazio sobre o porquê lutam, em que estão, o transforma em um discurso a nível ideológico cada vez mais vazio, mas em profundidade, transformam-se na organização precisamente mais adaptada à fabricação, distribuição, financiamento do circuito "narco". E temos, então, uma mistura dos extremos, que nos faz pensar que o mais difícil na civilização do suposto hedonismo é tratar sua relação com a adição.

A adição é o horizonte autista e mortífero do gozo. Apresenta-se, aparentemente, como o outro pólo completamente distinto deste amor que nos remeteria ao nada. Inclusive, o "narco" não só nos separa do Outro, como também nos re(inclui) dentro de Outro, que é o fato de que há um tratamento possível da adição. Há especialistas na sala e eles sabem que mais que um tratamento, há tratamentos possíveis da adição, no plural.

De fato, a civilização do chamado hedonismo é uma civilização da dependência, da adição. O tratamento da adição, da toxicomania do sujeito, é um dos mais difíceis que existem. Haveria que partir por outra parte de tratamentos, no plural, e reparti-los segundo os quatro eixos que podemos inscrever com os matemas do sujeito, do objeto, do saber e do significante amo.

O tratamento pelo sujeito consiste em afirmar que "o toxicômano não existe!" Propõe ao sujeito, não se identificar mais a seu ser de toxicômano para deixar um lugar para sua divisão subjetiva e para o gozo da palavra. Este tratamento só é aceito por um número limitado dos sujeitos que franquearam o passe da adição.

Existe também o tratamento pelo saber, por sua vez, pedagogia do toxicômano e extração do saber do toxicômano sobre seu objeto. De um lado, propõe-se a ele: "Explique-me bem os efeitos que a droga produz sobre você!". Do outro, explica-se a ele: "se continuar assim, você vai morrer em tais e tais circunstâncias". É um modo de tratamento participativo. Em nome do saber, você tem direitos e deveres. Você pode, deste modo, negociar sua relação com este gozo desordenado, em nome deste saber.

O tratamento pelo S1, ao contrário, é o avesso do tratamento pelo S barrado. "Você é um toxicômano, sem dúvida nenhuma, e vamos tratá-lo como tal. Você não tem já nenhum direito mais de se colocar sob um ideal: o de ser um "ex-adito". Situar-se-ão, por tanto, os sujeitos em grupos de toxicômanos-anônimos, onde cada um buscará apoio no outro, em nome da identificação ideal.

Existe também, o tratamento pelo objeto, pelos objetos de substituição. Você é dependente da heroína, lhe propomos a metadona ou o Subutex®. Esta substituição não lhe matará, lhe dará acesso a um objeto legal, a direitos, a um status social. É um modo de reinscrever o sujeito separado do todo, em um discurso, em um laço social. Deste modo, o terrível objeto de poder que destrói todos os laços sociais permite, paradoxalmente, reunir o Sujeito com o Outro. É êxtimo a ele e, portanto o inscreve, de um certo modo, neste Outro. É a razão, creio, pela qual Lacan não se angustiou frente ao estado atual da civilização. Melhor, falou da fadiga que a longo prazo ia capturar o sujeito frente aos objetos de dependência que lhe são propostos. Mais precisamente, Lacan oscilou entre o aspecto angustiante de uma civilização onde falta a falta e efeito de fadiga, de tédio, de depressão generalizada que produz.
Vemos, deste modo, duas modalidades segundo as quais, com este objeto de gozo, reenodamos um laço com o Outro. Não a partir do simbólico, mas por meio do corpo nestas duas consistências de real e de imaginário.
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Éric Laurent
A aposta maior do Congresso de 2008 da AMP sobre os “objetos a na experiência analítica” é prosseguir nosso diálogo entre a psicanálise como prática e a civilização, que é nossa parceira.

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